DANE-SE quem julgava que finalmente o comandante-chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS) anunciasse medidas desafiantes face à terrível conjuntura que se vive em Cabo Delgado. Medidas como declaração de guerra, ou algo semelhante, mas nada disso.
O Conselho Nacional de Defesa e Segurança (CNDS) de ontem, foi evasivo e menos ambicioso no trato deste assunto, ainda que se perceba a extrema sensibilidade e o secretismo envolto do tema-Cabo Delgado.
A experiência manda dizer, porém, que neste tipo de encontros, uma coisa é o que realmente foi abordado e cozinhado pronto para a mesa, e outra, bem diferente, é aquela que é dada para o consumido público. Mas assumir que estámos em guerra, não é necessariamente o entregar o ouro ao bandido. Cá para os meus botões, o direito ao recuo no tempo.
Na altura que desde a localidade, passando pelo distrito, até à província, haviam reuniões periciais envolvendo elementos das forças de defesa e segurança, com único ponto de agenda: analisar a situação do sector num determinado período. Os relatórios minunciosos da localidade eram levados a discussão ao nível distrital, depois num encontro provincial mais alargado, onde estavam todos os distritos.
No final, a reunião nacional de defesa e segurança, para onde eram chamados todos os comandantes e seus auxiliares provinciais, para uma análise mais abrangente, ainda que nos casos específicos fosse de concentração mais atenciosa.
Tenho dúvidas que esta sequência continua a vigorar, pelo menos do modo que era antigamente. De contrário, dizem-me os botões, algumas informações teriam evitado a espectacularidade com que os agora rotulados terroristas – para trás ‘insurgentes’, ‘malfeitores’, seja lá o que fosse – desde 2017 nos tem colocado em riste.
Se calhar para acomodar determinados interesses, a série de encontros periciais em cadeia, tenham passado para trás, ou simplesmente de fraca produção, mesmo existindo. Há aquí uma desordem monumental na estrutura da defesa e segurança, à piori para as forças armadas, situação que se agudizou com a criação do exército nacional, de pouca dura, pela necessidade de se atender, mal, o novo organigrama das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM).
Samora Machel costumava mobilizar os generais de barriga-cheia a irem se exercitar no final jogando a bola no campo do Costa do Sol, ou no Estrela Vermelha, preferencialmente nas primeiras horas de domingo, altura que apanhava todos com ressaca.
Por vezes punha-se a correr com eles, ao ritmo de cânticos revolucionários, que faziam lembrar os heroícos tempos da Luta de Libertação Nacional. Samora Machel morreu com o seu modo de pôr os oficiais superiores a serem o exemplo. A culpa não pode ser atribuída a Chissano, Guebuza, muito menos a Nyusi, mas que o sector regrediu no tempo, lá isso é verdade.
Hoje é relativamente fácil relacionar um jovem militar com os cartéis do crime organizado, à custa de armas que tira do quartel para serem usadas em sequestros. A mesma facilidade que um oficial, se calhar, passa informação militar ao inimigo, permitindo que os seus homens, no terreno, sejam vergonhosamente surpreendidos, só faltando serem obrigados despirem o uniforme, ficando de cuecas e com as mãos a tentarem tapar os essenciais.
A tamanha disparidade que caracteriza as nossas FDS se resume na terrível contradição entre o que o comandante geral da polícia, o bom de Bernardino Rafael, se faz em público. É o único que teve a coragem de vir dizer aos moçambicanos que a situação em Cabo Delgado é de guerra. O homem nunca foi secundado nessas suas afirmações, deixando o general-escritor penosamente sozinho.
Mais recentemente, mostrou dotes de ser comunicativo, aparecendo a anunciar a situação em Mocímboa da Praia, para nunca mais voltar à fala, depois de ter prometido manter os moçambicanos informados. Se calhar foi mandado ‘calar a boca’.
Ou seja, há uma nítida ausência de coordenação de estratégias, onde nem sequer se consegue atribuir responsabilidade ao sequestro que terá sido levado a cabo por militares, contra o jornalista Abu Mabarocu, em Palma.
Estámos a ser atacados por terroristas. Se calhar esta declaração leve finalmente Cyril Ramaphosa e Emmerson Mnangagwa dizerem SIM ao pedido moçambicano de ajuda contra os… terroristas. E o João Lourenço mande o prometido material bélico e o dinheirinho para fazer face aos novos agressões externos.
Ramaphosa parece com as mãos nas calças, temendo que os terroristas de hoje, em Cabo Delgado, incluam a África do Sul no seu mapa de internacionalização do EI. Daí que o homem tenha ordenado um seu ministro para analisar com alguma celeridade o pedido moçambicano de ajuda, para que desse modo, se evitem negociatas pelas costas para contratar mercenários de uma privada. Mercenários que numa primeira acentada, renderam diante dos terroristas, quase entregando de bandeja o troféu de guerra – helicóptero – nas matas de Mueda, depois de atingido por armas ligeiras.
Credo! A-propósito, em certos corredores sul-africanos, diz-se que o negociador moçambicano terá arrebatado muito dinheiro à custa da declaração de valores altos na factura, ficando o general com a diferença. Bem à moda moçambicana.
EXPRESSO – 24.04.2020