O assassinato do observador eleitoral é visto pelo Centro para a Democracia e Desenvolvimento como crime de Estado. Face ao silêncio da justiça, a ONG quer ver o caso tratado à luz de mecanismos internacionais.
Seis meses após o assassinato de Anastácio Matavele, ainda não se conhecem todos os autores do crime e muito menos houve responsabilização. O observador eleitoral e ativista dos direitos humanos foi assassinado a 7 de outubro de 2019 em Xai-xai, durante a campanha eleitoral.
Cerca de um mês depois, a Procuradoria Geral da República (PGR) acusou oito arguidos pela sua morte, na sua maioria polícias.
Durante a instrução contraditória que terminou em fevereiro, a defesa solicitou os extratos das conversas telefónicas entre os arguidos, o que mereceu o silêncio do tribunal até hoje, segundo o Boletim dos Direitos Humanos do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD).
Este mutismo denuncia a atuação suspeita da justiça?
A justiça e a política da avestruz
Adriano Nuvunga é o diretor do CDD e interpreta "o silêncio, o desinteresse e a falta de seguimento das pistas no que diz respeito à busca de extratos de conversas telefónicas" como indícios "de que o tribunal não quer ouvir a verdade crua e nua sobre quem são os mandantes do assassinato bárbaro e macabro do Anastácio Matavele".
E Nuvunga vai mais longe ao acusar: "[O tribunal] está a aplicar aqui uma política de avestruz - está a esconder-se. Particularmente o Ministério Público não quer seguir as pistas que estão claras, que o advogado da família [Matavele] colocou bastante bem, e isso nos leva a pensar que provavelmente o tribunal tem a dimensão de que não é um crime público, é um crime de Estado".
Um crime do Estado
No seu Boletim dos Direitos Humanos, o CDD afirma que - perante a atitude do Comando Geral da Polícia de promover os agentes envolvidos no crime, a atuação parcial do Tribunal Judicial da Província de Gaza e a instrumentalização dos agentes detidos para desresponsabilizarem o Estado - a ONG continua a defender que o caso Matavele deva ser tratado à luz dos mecanismos internacionais de defesa dos direitos humanos de modo a responsabilizar o Estado moçambicano pelos atos dos seus agentes.
"Em relação aos mecanismos internacionais - muito em particular à Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que nós pensamos que deve, na verdade, ser acionada - eu receio, face a tudo o que temos estado a assistir, que não está a haver interesse por parte do Estado através dos tribunais de ver este caso ser esclarecido. Estamos claramente a dizer que este é um crime do Estado e sendo um crime do Estado quer dizer que foi pensado e orquestrado por pessoas que agem em nome do Estado", entende o diretor do CDD.
"Silêncio das autoridades é de cumplicidade"
E para Adriano Nuvunga, "assim sendo estão a renegar a justiça, é uma justiça recusada. Mas também de tudo vão fazer para que o caso fique em banho-maria como tantos outros que andam por aí. Então, nesse sentido, pensamos que, à luz do direito internacional, deve-se acionar estes mecanismos por forma a que se compreenda que a nossa preocupação é de que se vá negar a justiça perante um crime hediondo num contexto de eleições. E isso deve claramente ter espaço junto dos mecanismos internacionais, muito em particular os mecanismos africanos".
Mas a mudez não é apenas marca dos tribunais, as autoridades também preferem fechar-se em copas sobre este caso. Para Adriano Nuvunga, "o silencio das autoridades moçambicanas é de cumplicidade. E as evidências mostram que pessoas importantes participaram e orquestraram este assassinato e por isso vão ficando em silêncio a espera que o caso caia no esquecimento, o objetivo é esse."
"Não vamos deixar o caso cair no esquecimento"
Mas o CDD não pretende deixar o caso Matavele morrer. O seu diretor é categórico: "Matavele foi nosso colega e estamos aqui para dizer que não vamos deixar o caso Anastácio Matavele cair no esquecimento. Tem de haver justiça, tem de haver ressarcimento para a família. Mas, acima de tudo, tem de haver justiça no que diz respeito à responsabilização dos executantes e também dos mandantes, que sabemos que estão aí à monte".
O assassinato de Matavele é interpretado pela sociedade civil, e não só, como intimidação a quem monitora as eleições em Moçambique - um processo entendido como altamente viciado. O assassinato do observador eleitoral foi a maior mancha das eleições de 2019.
Matavele era diretor-executivo do Fórum das Organizações da Sociedade Civil na província de Gaza (FONGA). Foi também colaborador da ONG Sala da Paz.
DW – 08.04.2020