O antigo procurador-geral da República Augusto Paulino defende que o Estado deve pagar integralmente as dívidas ocultas, empréstimos considerados ilegais pelo Conselho Constitucional (CC) e repudiadas por organizações da sociedade civil.
Augusto Paulino expõe a tese no seu novo livro “My love da fofoca jurídica 2″, colocado esta semana à venda nas livrarias do país.
Paulino, um dos juízes mais conhecidos em Moçambique, advoga que a obrigação de o Estado moçambicano pagar as dívidas ocultas é imposta pela própria lei.
“O princípio geral consta do n.º 2 do artigo 58 da Constituição da República de Moçambique, ao estabelecer que: ´O Estado é responsável pelos danos causados por atos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos da lei`”, defende Augusto Paulino.
Após reembolsar o valor dos empréstimos aos credores, Moçambique tem o direito de exigir o ressarcimento pelos danos causados junto dos autores das dívidas.
“Tal enquadra-se no domínio da relação entre os servidores e o seu Estado, havendo, pois, lugar ao direito de regresso”, sublinha.
Augusto Paulino frisa que o CC merece “o respeito religioso de todos”, mas se abstém de julgar o acórdão da entidade, que julgou as dívidas ocultas inconstitucionais.
“A importância do Conselho Constitucional como órgão de soberania do Estado que lida e cuida das matérias de natureza jurídico-constitucional faz dele uma instituição que, em princípio, merece respeito religioso de todos nós”, sublinha.
As dívidas ocultas estão relacionadas com empréstimos de cerca de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) contraídas entre 2013 a 2014 em forma de crédito junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo governo moçambicano da altura, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
A operação acentuou uma crise financeira que levou Moçambique a entrar em incumprimento no pagamento aos credores internacionais (‘default’) e consequente afastamento dos mercados financeiros internacionais.
As dividas são alvo de processos judicias em Moçambique e nos EUA, devido a indícios de atividade ilícita na operação.
Outro capítulo na obra “My love da fofoca jurídica 2″ é sobre a xenofobia na África do Sul contra imigrantes moçambicanos, que se expressa em ações violentas de forma recorrente naquele país.
Sobre essa realidade, Augusto Paulino considera chocante a violência de comunidades da população negra sul-africana contra moçambicanos, tendo em conta que Moçambique apoiou a luta contra o antigo sistema político de discriminação racial, o “apartheid”.
“Custa-nos crer que assim seja, fundamentalmente, contra moçambicanos, tendo em conta as raízes histórico-culturais entre África do Sul e Moçambique”, observa
Os povos de Moçambique e da África do Sul, continua, estão ligados por tradições culturais e históricas, sublinhou.
Augusto Paulino foi Procurador-Geral da República de Moçambique entre 2007 e 2014.
Antes, ficou conhecido por ter julgado o caso Cardoso, em que condenou a pesadas penas de prisão os autores morais e materiais do homicídio do jornalista Carlos Cardoso, que investigava um caso de saque de fundos do antigo Banco Comercial de Moçambique (BCM).
Lusa – 23.04.2020