Por Major Manuel Bernardo Gondola
Eu acho o António Gramsci [1891-1937] um dos maiores filósofos «contemporâneos» e que pelo qual eu tenho uma admiração muito grande. É uma admiração, que nunca acabou e pelo visto vai agora até ao final. Porquê! Por causa da actualidade do Gramsci, que é a questão que eu quero tratar neste texto.
O Gramsci é o «teórico» mais importante do comunismo depois do [Lénine e Estaline]. Para Gramsci a revolução não é uma revolução armada é uma revolução cultural e essa revolução tem que ser «coordenada» por aqueles, que estão por assim dizer, à frente do processo de tomada de poder: os intelectuais orgânicos. Então, os intelectuais orgânicos um grupo chamado partido político para que ajam politicamente, também formam os meios de comunicação, aqueles que vão ter a chamada opinião pública.
Da mesma forma, os intelectuais orgânicos formam a classe universitária para que ela «esclarecida» possa cada vez mais introjectar e formatar a hegemonia cultural num nível mais [alto] do que dos meios de comunicação.
Destarte, você tem acção política, acção social e acção intelectual, «coordenadas» por um mesmo grupo. Então, na sociedade é como se você tivesse uma pirâmide dividida em classes. Por exemplo, o Marx dividiu em dois andares e o Gramsci fez uma divisão bem maior, ele foi colocando indivíduo o que ele chamou de «superestruturas» por assim dizer impositivas; família, escola, igreja, sindicatos, «partidos políticos», Estado e economia.
Para Gramsci a revolução e a hegemonia não podem tomar de um momento para outro a economia para «mudar» os meios de produção como quis o Marx. A mudança de acordo com Gramsci não tem que vir de cima para baixo, mas de baixo para cima. Quer dizer, você tem que primeiro destruir a família, depois destruir a verdadeira educação, depois destruir a igreja, depois destruir os sindicatos a não ser o seu próprio, destruir os partidos políticos a não ser o seu próprio para que aí você tome o Estado e tomando o Estado você «paulatinamente» acabe com a oposição.
E, acabando com a oposição você conquiste hegemonicamente a sociedade hierárquica. Repare! O destruir aqui entenda-se por «aniquilar» a própria família, porque a família segundo Gramsci é uma estrutura moral burguesa. A moral cristã que é a base da família na civilização ocidental para Gramsci é uma moral burguesa.
Aonde começa a coisa de novo? É na cultura. A «reforma intelectual e moral» nos leva à própria ideia de cultura, que Gramsci incorpora em seu Caderno de Cárcere¹.
Nesse sentido, Gramsci combina uma [dupla] categorização da cultura: uma no sentido etnográfico e outra entendida como estruturas de conteúdo e representação. Logo, você precisa dar os livros certos para que as pessoas não «pensem diferente». Destarte, vocês não vão conhecer Platão, não vão conhecer o Sócrates, não vão conhecer Heráclito, não vão conhecer Hegel. Mas vocês vão ler o [Marx/Engels] e é a única coisa que vocês vão ler na vida na vida toda.
Então; absoluta, totalmente e integralmente toda «estratégica hegemónica» segundo Gramsci é nada mais, nada menos do que «manipulação». Quer dizer, ganha na política quem tiver maior poder de «manipulação», e chega o momento que a hegemonia é tão forte que ela domina, também os meios por assim dizer de produção e ai é o momento em que você encontra uma outra «estrutura paramilitar» para fazer face a «estrutura militar oficial» da superestrutura que é o Estado.
Por esta razão, conquistando os meios de produção, você conquista também os meios de garantir a sua «eficácia». E o que são meios de garantia «eficácia»? Se a cultura não der certo, agente tem força do nosso lado. Não é pelo título então, vai pela «porrada».
Por outro lado, o Comunismo, já era para Gramsci. Gramsci reconhece isso muitas vezes no seu texto, que não existe o Comunismo, só existe o Socialismo. Só que, o Socialismo não é uma divisão económica é uma divisão política. Gramsci sabe que só tem uma saída, que o Estado mantém esse sistema liberto.
Na verdade, Gramsci não tem a pretensão de «destruir» o Estado. Não! Ele não quer chegar ao Comunismo ele quer chegar ao Socialismo cientifico, só que por uma outra via, que é baseada na mesma estrutura marxista, mas dela «diverge», porque os meios são diferentes, ou seja, não a força pela força de [Lénine e Estaline], mas pela via cultural. Quer dizer, você modifica primeiro a «consciência» do ser humano, depois de modificar a «consciência» do ser humano, você tem integralmente o poder sobre ele.
E como é que Gramsci chama a mim/você nesse processo todo. Cobaias ou «idiotas uteis». Para Gramsci eu e você ou nós todos somos «idiotas úteis», porque nós somos cobaias dessa «estratégia» revolucionária hegemónica. Nós estamos «integralmente alienados» e não estamos percebendo nada.
E o que é «circular do silêncio» no texto de Gramsci. «Circular do silêncio» é o meio mais eficaz de calar a boca daqueles, que são opostos a hegemonia cultural. Logo, tudo que você está falando é uma «asneira ou uma conspiração».
Um exemplo a soruma: há anos a Assembleia da Republica [AR] discutiu pela «legalização» do consumo da soruma. Só que, essa questão tomou um corpo na opinião pública pelo seguinte sentido: «você é contra ou a favor do consumo da soruma, porque você acredita que usar a soruma é um “direito” ou um estado de alienação». Não é assim, que a questão foi colocada na opinião pública?
Só tem um aspecto, que ninguém colocou na altura que era o seguinte: «quem iria dominar a produção da soruma e seu comércio na altura caso fosse legalizado».
E agente chegava num monopólio e esse monopólio quem seria? Então, para que esse “direito” vingasse nós tínhamos, que aceitar que existisse um monopólio económico, que dominasse todos os meios de produção ao nível desse assunto.
Alguém falou isso no jornal ou na AR na altura? Não! Porquê que não falou! Porque se falace amanhecia morto no dia seguinte.
De facto, àqueles que estão interessados na «legalização» da droga no País, não estão tão interessados em reconhecer o maldito “direito”. Eles estão sim…, interessados e/ou preocupados em obter dinheiro, só que para isso, eles precisam de um meio cultural. E qual é o meio cultural. Dizer, que usar a soruma é um “direito” e fazer àqueles, que usam se tornarem ainda mais «dependentes» disso e portanto comprarem este produto.
Comprar este produto de quem! Deles e torna-los mais ricos. É assim como são as coisas. Então, está aqui um exemplo. Têm outros e vários exemplos, que terminaram em tragédia e…, certamente vocês conhecem.
Enfim…, para eles uma ou outra medida seremos «idiotas uteis» a não ser que alguns de nós estejam lá, no grupo.
n/b:
¹ O Gramsci foi fundador do Partido Comunista italiano. Curioso quem pegasse esses textos, se não fosse uma pessoa que conhecesse o contexto ou conhecesse um pouco o pensamento do Gramsci, ele ia imaginar que o Gramsci era um autor de livros. Mas…, a verdade, o Gramsci não escreveu livros, ele escreveu anotações dos cadernos do cárcere.
Manuel Bernardo Gondola
Maputo, 26 de Abril 20[20]