A nomeação de Isaltina Lucas para assessora do primeiro-ministro deixou vários setores ultrajados. É que, supostamente, Lucas terá recebido subornos no caso das "dívidas ocultas", o maior escândalo de corrupção do país.
Conhecida como "três beijos", Isaltina Lucas terá recebido cerca de três milhões de dólares de suborno, segundo uma folha de pagamentos apresentada em 2019 no julgamento de Jean Boustani nos EUA, um caso de crimes financeiros relacionado com as dívidas ocultas. A nomeação de Lucas escandalizou particularmente a sociedade civil.
Joaquim Oliveira, diretor de advocacia da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC) e membro de coordenação do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) entende que a indicação vai na "direção contrária" do que "é o desiderato deste Governo".
"Não faz absolutamente sentido nenhum", afirma.
Para Fátima Mimbire, ativista dos direitos humanos, "a nomeação da senhora Isaltina Lucas é, na verdade, uma demonstração claríssima de falta de ética e integridade dos nossos dirigentes do poder público."
Quando o Governo moçambicano avalizou as dívidas ocultas das empresas Ematum, MAM e Proindicus, avaliadas em cerca de dois mil milhões de euros, entre 2013 e 2014, Isaltina Lucas era a diretora Nacional do Tesouro. Fátima Mimbire recorda que "a senhora Isaltina é citada várias vezes em documentos que foram apresentados em sede do Tribunal de Brooklyn como tendo sido uma pessoa chave e instrumental para a viabilização do processo de endividamento oculto".
Governo está a "gozar" com os moçambicanos?
Embora não seja arguida no processo das dívidas ocultas em Mocambique, um processo aberto em 2019, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Tribunal Administrativo que a responsabilize financeiramente.
Sendo assim, a sua nomeação, quando o caso ainda não está devidamente esclarecido, não parecerá zombaria do Governo para com os moçambicanos?
"É uma demonstração clara de falta de respeito pelo povo moçambicano, pelo interesse do cumprimento e respeito das normas do nosso país", responde Fátima Mimbire.
E a ativista desconfia também das últimas nomeações da visada: "É preciso lembrar que, no início do mandato do Presidente Nyusi, foi nomeada para diretora do Instituto Nacional de Estatísticas e depois foi reconsiderada para vice-ministra das Finanças, numa clara situação de conflito de interesses, porque está a ser investigada pelas autoridades judiciais e ela voltou para o Ministério das Finanças com mais poderes, como vice-ministra."
Faltam quadros em Moçambique?
Uma pergunta que não quer calar é se faltam no país técnicos capacitados para ocupar altos cargos de direção, para o Governo de Nyusi insistir em nomear figuras suspeitas ou até comprovadamente criminosas, como já aconteceu no Ministério dos Transportes e Comunicações.
O membro do FMO, Joaquim Oliveira, responde negativamente e deixa claro que "existem muitos quadros de grande competência".
"Podem não ter confiança política que lhes outorgue possibilidades de ascender a esses quadros, mas existem quadros muito mais do que suficientes em Moçambique que podiam exercer essa função."
Para o diretor de advocacia do FDC, "isto pode significar alguma coisa": ou o Governo "está interessado em clarificar a questão das dívidas ocultas, ou ainda se trata de uma manobra ou estratégia de dilação ou ganho de tempo para o caso das dívidas ocultas tornar-se gradualmente esquecido, ou não agenda principal da sociedade civil, que quer ver este assunto esclarecido de uma vez por todas."
Contudo, Oliveira alerta que "todas as condições estão criadas para se clarificar este caso."
Nomeação com anuência do Presidente da República?
É normal que o Presidente Filipe Nyusi tenha consentido uma nomeação tão suspeita e controversa como esta?
O colaborador do FMO opina: "Nós sabemos que o Estado moçambicano, contrariando a PGR e o Conselho Constitucional, continua a pagar, ou a fazer o serviço da dívida em relação à Ematum, contrariando aquilo que foi a decisão do Conselho Constitucional. Neste caso específico, estamos a ver o caso da Isaltina, que é uma afronta àquilo que foi publicado até agora, pelo menos aquilo que é sabido pelos moçambicanos".
"Agora, se é normal o Presidente da República consentir isto aqui - ela é assessora do primeiro-ministro, pode dizer-se que é um cargo muito técnico, que não tem a ver com o Presidente da República, porque não é ele que nomeia os assessores do primeiro-ministro, esse é um outro nível. Seja como for, deve haver consultas ou anuência [do chefe de Estado] de alguma forma. Então, pode-se chegar à conclusão que isto não foi feito à revelia do Presidente da República", afirma Joaquim Oliveira.
A expetativa do membro do FMO em relação ao desfecho deste caso é esta: "Estamos simplesmente escandalizados e indignados, na esperança de um dia quem de direito venha a público explicar as razões que estiveram por detrás disto, para não alimentar especulações e páginas de jornais."
DW – 10.04.2020
NOTA: A única conclusão a tirar é que todos "comeram".
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE