Euclídio Mapulasse, o “operacional do banco do meio” em depoimento ao Tribunal do Xai Xai, na primeira audiência do julgamento do homicício de Anastácio Matavele
Em cenário de restricções decorrentes do covid-19, arrancou esta terça-feira, na cidade do Xai-Xai, o julgamento dos réus acusados de estarem implicados no assassinato do activista Anastácio Matavele a 7 de Outubro de 2019, uma semana antes das eleições gerais em Moçambique.
Apesar de uma assinalável concentração de pessoas no recinto circundante do Tribunal Provincial de Gaza, na rua principal da cidade do Xai Xai (que é também um troço da N1), as entradas na sala de audiências processaram-se por lista previamente elaborada, pois o julgamento era suposto ter apenas 20 pessoas presentes, incluindo todos os agentes no processo.
Como também é mandatório, todos os presentes tinham máscaras de protecção. Imagens só foram permitidas no início do julgamento. As câmaras foram retiradas quando começou a audição de Euiclídio Mapulasse, 34 anos, 11 ao serviço da polícia, 1o. Cabo na UIR (Unidade de Intervenção Rápida) e um “Não sei, não sei” Euclídio Mapulasse, o “operacional do banco do meio” em depoimento ao Tribunal do Xai Xai, na primeira audiência do julgamento do homicício de Anastácio Matavele dos ocupantes da viatura Toyota MarkX utilizada para a aproximação ao carro de Matavele, no final da manhã do fatídico dia 7 de Outubro, por sinal dia feriado na capital de Gaza.
Ana Liquidão, a juíza de Direito que lida com a causa, começou pelo fim. Mapulasse reconheceu sem rodeios que eram um dos ocupantes da viatura e que participou no assassinato de Anastácio Matavele. Os detalhes foram bem mais difíceis de terem respostas conclusivas, como muitos “não sei”, alguns “não me recordo” e também longos silêncios desafiando os inquiridores.
Na rota dos detalhes da operação revelados em primeira mão pelo SAVANA, Euclídio, que se apresentou no tribunal de fato presidiário laranja a “havaianas” de borracha azuis, disse que a 19 de Setembro (de 2019) foi chamado pelo chefe de pelotão Agapito Matavele que lhe comunicou que se preparasse “para uma missão”, tirou-o do habitual regime de turnos e mandou-o levantar uma pistola no armeiro à guarda de Justino Muchanga, também arguido no processo.
Na sua versão, disse que desconhecia a missão que iria executar até ao momento dos disparos fatais sobre Matavele. Inquirido sobre reuniões que manteve com os outros quatro colegas envolvidos no assassinato disse que a 4,5 e 6 encontraram-se para “beber cerveja”, primeiro no Centro Social da Repartição de Recrutamento (militar) e depois numa barraca com o nome de “Xirico”.
Aquiesceu que no primeiro encontro reconheceu no recinto Tudelo Guirrugo, o comandante da companhia dos GOE (Grupos de Operações Especiais), também arguido no processo, mas afastou-se das declarações produzidas para os autos em que afirmou que Guirrugo tinha distribuído senhas de combustível ao grupo.
Num outro momento contraditório, Mapulasse disse desconhecer quem era Alfredo Augusto Chichongue, aparentemente um funcionário da Frelimo que, durante os interrogatórios, Mapulasse disse ter aparecido na barraca “Xirico” a distribuirbonés, camisetes e capulanas do partido.
No acidente em que se envolveu a viatura do atentado, um dos polícias feridos envergava uma camisete da Frelimo por debaixo da camisa e o carro foi fotografado com vários auto-colantes da Frelimo.
Mapulasse também se afastou de declarações produzidas nos interrogatórios segundo as quais o atentado deveria ter ocorrido antes, mas não foi possível “porque o Chefe de Estado estava de visita a Gaza”.
Ele também não quis dizer se continuava ou não a receber o seu salário, o número da sua conta bancária e o banco para onde é enviado o montante. Disse que está a ser alvo de um processo disciplinar conduzido pelo inspector principal Albino Nhanombe, da corporação policial.
A acusação judicial indica como ocupantes da viatura MarkX que participou no homicídio cinco elementos da UIR: o chefe de pelotão Agapito Matavele (ora foragido), Edson Silica, Euclídio Mapulasse, Nóbrega Chaúque e Martins Williamo. Todos eles levantaram pistolas norinco de 9mm (fabrico chinês) no armeiro da UIR à excepção de Williamo que recebeu uma metralhadora AK-47 (munições de 7,62mm).
Mapulasse disse que conservou a pistola na sua caserna “numa pasta” até a retirar do quartel a 6 de Outubro. A arma estava num estojo preto e tinha estampado o nome do agente. No dia em que foi perpetrado o crime, Mapulasse foi recolhido em sua casa por volta das 04 horas da manhã por Edson Silica e Nóbrega Chaúque.
Edson vinha ao volante. Por seu turno Chaúque, segundo consta dos autos, pediu emprestado o Toyota MarkX a Ricardo Manganhe, o professor do Chibato que adquiriu a viatura em prestações ao edil da cidade, Henriques Machava.
À data do crime, a viatura continuava em nome de Machava e não tinha qualquer tipo de seguro. Na presente acusação não consta o nome de Machava mas Manganhe é um dos arguidos.
O MarkX e os seus cinco ocupantes, no dia do crime, foram colocar-se inicialmente junto ao Motel Concha, na N1, um local onde a vítima era suposto passar. Gorado o objectivo, Edson conduziu a viatura para a a estrada da praia do Xai-Xai, junto à fábrica de caju Mocita.
Antes do inditoso Matavele sair da reunião com observadores eleitorais, “os cinco” ainda foram de passeio à praia do Xai-Xai. De regresso, perseguem a viatura Izuzu do activista e quando estão lado a lado, disparam pelo menos 13 projécteis à ordem de “disparar” dada pelo chefe de pelotão Agapito, isto na versão de Mapulasse.
Ele disse ao tribunal que não chegou a disparar “porque estava no banco do meio” e “não tinha como”. Os autos não revelam se a arma de Mapulasse foi ou não utilizada. Ele disse que viu Agapito e Williamo a disparar. Agapito está neste momento foragido e Williamo faleceu na sequência do capontamento do MarkX, depois do atentado.
Respondem como arguidos neste julgamento, dois dos três sobreviventes no acidente do MarkX, os comandantes do GOE e da UIR em Gaza, respectivamente Tudelo Guirrugo e Alfredo Macuacua, o chefe do armeiro, Justino Muchanga, o chefe do Estado Maior da UIR em Gaza, Januário Rungo e o “dono” da viatura Ricardo Manganhe.
São advogados de defesa Alicege de Jesus, Albino Faduco, Arlindo José, Alberto Nola e Noé Vasco Sitoe. À última hora não compareceu o causídico Elísio de Sousa, situação que provocou o atraso de 90 minutos no início da sessão, uma vez que o defensor oficioso nomeado em sua substituição pediu tempo para consultar o processo.
Constituiram-se em assistentes da família de Anastácio Matavel os advogados Flávio Menete e Félix Mukaxe. Os assistentes têm uma acção por conta do crime de homicídio e uma acção contra o Estado exigindo uma indemnização para a família por, na sua argumentação, terem sido agentes numa missão do Estado os autores do assassinato do activista de Gaza.
O Ministério Público é representado por Luis Vianheque e Leonardo Cumbe. A juíza de Direito Ana Liquidão é acompanhada por dois juízes eleitos.
O julgamento continua esta quinta-feira e tem sessões marcadas para as próximas duas semanas. (Fernando Lima em Xai Xai)
MEDIA FAX – 13.05.2020