O maior impacto do coronavírus vai sentir-se nas economias africanas. Lentamente, alguns países reabrem
“Os europeus estão preocupados connosco, mas nós estamos preocupados com eles”, disse o académico senegalês Felwine Sarr no momento em que, chegados a meio de maio, os números confirmaram que a maioria dos países africanos não tem a quantidade de casos de covid-19 que a Organização Mundial de Saúde (OMS) projetou para 2020, até 44 milhões. Mais importante é que os 54 países do continente somem tão poucas mortes: entre 1300 milhões de pessoas, 17% da população mundial, África mal conta 1% do total de infeções (47.953, números da OMS a 13 de maio) e menos de 1% da soma global de mortes (1488) por coronavírus.
No mês passado, a presidente da Comissão Europeia anunciou um pacote de €15 mil milhões destinados a auxílio a países pobres na luta contra o coronavírus, grande parte do qual visava África. “Só venceremos esta batalha com uma resposta global coordenada”, disse Ursula von der Leyen.
Temia-se que os sistemas de saúde africanos, com poucos recursos ou vulneráveis, na maioria dos casos, soçobrassem rapidamente face a altos números de pessoas infetadas por coronavírus. No início de abril, o “Financial Times” reportava que a Serra Leoa dispunha de um único ventilador para a sua população de 7,5 milhões de pessoas, a República Centro-Africana de três e o Burkina Faso de 11. O próprio acesso a oxigénio pode ser uma dificuldade em muitos locais, bem como fazer chegar cuidados médicos a populações que vivem em comunidades afastadas dos centros hospitalares.
Há quem atribua o baixo número de infetados à falta de informação ou à baixa taxa de testes realizados, e é verdade que o continente é muito desigual. Mas a resposta à pergunta mais evidente — porquê? — pode começar na rapidez de reação e concertação de esforços para lá das fronteiras nacionais. “Tem sido impressionante a coordenação entre países”, atesta Trudie Lang, professora de Saúde Global na Universidade de Oxford.
A história recente das epidemias em África está a ser capitalizada no combate à covid-19. A experiência deixada por flagelos como o vírus ébola, que em 2014 pôs de rastos a economia dos três países afetados na África Ocidental (Guiné-Conacri, Serra Leoa e Libéria), conta na luta presente. Os centros para o controlo e prevenção da doença datam de então e agem prontamente em caso de epidemia, fornecendo informação comprovada para coordenação da ação entre responsáveis pela saúde pública nos países e com outros institutos similares que já antes existiam no continente.
Sabe-se muito pouco sobre o impacto real das estações do ano ou das temperaturas no comportamento do vírus, além de especulações. Pode acontecer que os africanos tenham maior resistência ao coronavírus, na medida em que o sistema imunitário das pessoas varia consoante o contexto em que se encontram. Em expectativa, joga também a favor dos africanos o facto de a maioria da população ser muito jovem. Porém, não há certezas.
Rapidez e planeamento
A pandemia chega a África em quarto lugar, diferida do epicentro na Ásia e depois de se ter abatido sobre a Europa e a América. Uma coisa é certa: “África já ensinou qualquer coisa aos outros continentes quando reconheceu a gravidade da situação sem demoras e planeou com rapidez para o pior cenário”, diz Trudie Lang ao jornal britânico “The Guardian”. Recorda o grande peso das doenças infecciosas na saúde pública dos países africanos, sublinhando que isso os deixa abertos a uma rápida coordenação além-fronteiras.
A celeridade na aplicação das medidas de distanciamento social e de confinamento, acompanhadas pela desburocratização das ajudas sociais nalguns países, foram algumas das vantagens apontadas ao Expresso pelo economista Carlos Lopes, alto representante da União Africana para a União Europeia.
O perito, natural da Guiné-Bissau, destacou o sistema de triagem original que a África do Sul aplicou na identificação das comunidades mais passíveis de risco de contágio, as quais são testadas de seguida; o sofisticado pacote de medidas de apoio social de Marrocos; a antecipação do Ruanda a cancelar voos de e para a China quando ainda não havia um único caso no país, e a “invejável situação da Maurícia”, país insular que já começou a aliviar o confinamento. Só na quarta-feira passada se registou o primeiro caso de covid-19 no Lesoto, o último de todos os países africanos a ser atingido.
Após períodos de encerramento mais ou menos prolongados desde que foi detetado o primeiro caso no continente, em 25 de fevereiro, na Argélia, segue-se a incerteza da reabertura. Lá, como noutras latitudes, experimenta-se.
O impacto da pandemia nas economias africanas vai contribuir para a maior crise económica dos últimos 30 anos. Seca prolongada na África Austral, cheias na África Oriental, invasão de gafanhotos no Corno de África e conflitos na região do Sahel criam insegurança alimentar. Soma-se a crise sanitária. O economista diz que a previsão do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional de que a economia do continente, no seu todo, encolha 2,6% é demasiado otimista, por contar com retoma já a partir do final de 2020. “O crescimento em 2021 será ainda muito débil.”
EXPRESSO(Lisboa) – 16.05.2020
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