Os ataques de grupos insurgentes no norte de Moçambique devem ser enfrentados a curto prazo por uma força militar regional para evitar que a situação fique fora de controlo, defende um relatório do Instituto Tony Blair hoje publicado.
O estudo do Instituto para a Transformação Global, fundado pelo antigo primeiro-ministro britânico, alerta para a urgência de uma intervenção perante a deterioração da situação na província de Cabo Delgado, que atribui ao grupo terrorista Ansar al-Sunna, afiliado aos extremistas islâmicos do autoproclamado Estado Islâmico.
"Desde os primeiros ataques em Mocimboa de Praia, no final de 2017, o grupo lança agora mais de 20 ataques por mês numa insurgência que abrange nove grandes cidades e municípios ao longo da costa de Cabo Delgado. Uma batalha pela cidade de Macomia, no final de maio, demonstrou a capacidade e ambição organizacional do grupo, além de uma escalada nos esforços contra-ofensivos do Governo”, refere o estudo.
A vila de Macomia, a 200 quilómetros da capital provincial (Pemba), foi ocupada durante três dias seguidos por grupos armados, que saquearam vários estabelecimentos comerciais e vandalizaram várias infraestruturas, incluindo o centro de saúde local.
No total, os ataques dos insurgentes em Cabo Delgado, província moçambicana onde avança o maior investimento privado de África para exploração de gás natural, já causaram pelo menos 600 mortos.
No documento são feitas várias recomendações a curto e longo prazo, com destaque para a necessidade de uma maior coordenação regional e internacional para combater esta ameaça, incluindo a mobilização de uma força militar com soldados africanos.
"Se um grupo usa armas, algumas das quais sofisticadas, e mata civis indiscriminadamente, não podemos dizer que meios militares não devem ser usados. A prioridade deve ser a mobilização de militares com recursos suficientes em termos de comunicação, informação e armas para conter a violência e impedir que o grupo mate civis inocentes e conquiste mais território”, afirmou à agência Lusa Bulama Bukarti, um dos autores do relatório.
Bukarti e o outro autor, Sandun Munasignhe, analisaram a evolução da atividade do grupo Ansar al-Sunna em Cabo Delgado, desde as raízes como um movimento religioso não violento até à conquista de território através de raptos, saques e assassinatos em massa.
A análise que os investigadores fazem é que esta é uma situação que tem paralelos com as atividades dos grupos Boko Haram na bacia do Lago Chade, o Jama'a Nusrat al-Islam wa al-Muslimin (JNIM) e o Estado Islâmico no Grande Saara (ISGS) no Sahel e o Al-Shabab na Somália.
"Esta é uma situação que pode potencialmente escalar para o que assistimos atualmente no este da Nigéria ou no Sahel se não for feito algo decisivo nos próximos 18 meses. Pensamos que está na altura de a comunidade internacional e parceiros regionais apoiarem o Governo de Moçambique na luta contra este grupo antes de a situação ficar fora de controlo”, disse Bukarti à Lusa.
Outras recomendações a curto prazo incluem apoio humanitário para os cerca de 200 mil deslocados.
Nas recomendações a longo prazo, os autores sugerem medidas para tentar combater as “narrativas ideológicas” dos extremistas islâmicos, que exploram questões como o desemprego, desigualdade, problemas sociopolíticos ou mesmo geográficos.
Em paralelo, dizem, o Governo moçambicano precisa de, com assistência internacional, enfrentar os fatores socioeconómicos das comunidades de Cabo Delgado através de intervenções para promover o desenvolvimento, educação e emprego.
LUSA – 19.06.2020