Extremistas tentam doutrinar povo. Peritos acusam Governo de inércia e desinformação
JOSÉ PEDRO TAVARES
Há 60 anos, a 19 de junho de 1960, as forças portuguesas abriram fogo sobre uma multidão que pedia ao governador de Mueda, na província de Cabo Delgado (norte de Moçambique), melhores condições e justiça. Mataram centenas de pessoas num dos mais brutais episódios da história colonial. Para muitos, este momento esteve na base do movimento que levou à independência. Agora o país vê-se ameaçado por um movimento terrorista: o ramo centro-africano do Daesh, que semeia o caos e o terror nessa mesma região.
Nos últimos anos, Maputo tentou minorar o problema de segurança na província mais pobre do país falando de insurgência “sem rosto nem mensagem”. Jornalistas que relatavam a situação foram perseguidos. Um deles, Ibrahim Abou Baruko, está desaparecido, depois de ter sido detido. Só este ano o Presidente Filipe Nyusi reconheceu “uma ameaça terrorista”, que poderá exigir “ajuda internacional”.
O movimento rebelde apoderou-se de material de guerra em março e abril, ao ocupar por horas vilas importantes da província, como Mocímboa da Praia (30 mil habitantes), Quissanga e Muidumbe. No final de maio, a vila de Macomia, intersecção estratégica a meio da estrada asfaltada que liga o norte ao sul da província, a 200 km da capital, Pemba, foi ocupada três dias pelo autoproclamado Estado Islâmico da Província da África Central (EIPAC). Os jiadistas saquearam um banco e lojas e vandalizaram infraestruturas, incluindo o centro de saúde. Dezenas de habitantes foram decapitados e muitas raparigas raptadas.
O bispo brasileiro de Pemba, D. Luíz Fernando Lisboa, lançou há dias um apelo desesperado: “Precisamos de ajuda e da solidariedade internacional! Metade da província está destroçada […], grupos armados queimam casas, matam pessoas e decepam cabeças.” Segundo ele, os ataques causaram cerca de mil mortos e 200 mil deslocados: 10% da população da província. “Milhares de pessoas continuam escondidas no mato, com medo de voltar para as suas aldeias, aterrorizados com a violência.”
Os analistas coincidem na leitura: o que começou por ser um movimento de jovens locais, recém-regressados a Moçambique depois de estudar na madrassa de um líder carismático no Quénia, e que tentaram estabelecer a sua lei em Mocímboa da Praia mas foram escorraçados para o mato, transformou-se aos poucos numa insurgência com ramificações internacionais. De início dedicavam-se a ataques em pequena escala, de subsistência, pilhagem e vingança. Com a chegada de militantes do Congo e da vizinha Tanzânia, os ataques ganharam envergadura e foram reivindicados pelo EIPAC, que tenta doutrinar as populações e controlar o território. O diretor do Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique, Salvador Forquilha, explicou esta semana num webinar que “um fenómeno inicialmente isolado e mal organizado criou raiz em grupos marginalizados pelo Estado, especialmente gente jovem e muçulmanos mais conservadores”.
Adriano Nuvunga, diretor da ONG Centro para a Democracia e Desenvolvimento, fala de “corrupção militar, conflitos étnicos entre os maconde, privilegiados pelo Estado, e os macua, na pobreza, mas também luta interna entre grandes chefes com interesses políticos e económicos no acesso aos contratos de segurança com as multinacionais do gás natural”. A província, rica em recursos naturais, atraiu investimentos de €22 mil milhões por parte de multinacionais, hoje congelados.
“O Estado Islâmico parece ser o chapéu utilizado e pode recrudescer para uma situação de franchising, mas isso não explica o conflito”, disse Nuvunga numa recente entrevista. Este é “complexo na origem, desencadeado por fatores étnicos, históricos, sociais e políticos”, explicou Forquilha, docente na Universidade Eduardo Mondlane.
No terreno são evidentes as dificuldades das autoridades. “Os insurgentes quase não têm tido oposição por parte das Forças Armadas”, afirma o investigador Sérgio Chichava, autor do relatório “Quem é o inimigo que ataca Cabo Delgado?”, publicado em abril. O ministro da Defesa, Jaime Neto, anunciou a eliminação de centenas de terroristas e confirmou que dois cabecilhas tanzanianos foram também mortos.
EXPRESSO(Lisboa) – 19.06.2020
NOTA: Aconselho a José Pedro Tavares ver sobre o Massacre de Mueda https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2020/06/massacre-de-mueda-em-16-de-junho-de-1960-uma-das-maiores-mentiras-da-frelimo.html
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE