Como qualquer outro povo, os amakhuwa do Norte de Moçambique, de tradição matrilinear, procuram dar uma explicação plausível acerca da origem e evolução do universo, dando uma interpretação de tipo religioso à génese das coisas. Tais coisas emanaram dos Namúli, uma cadeia montanhosa que se estende desde o norte da província da Zambézia, no distrito de Gurué até à província de Nampula, no distrito de Ribaué. Conta a lenda que foi nos montes Namúli, onde uma divindade criou todas as coisas usando raízes do imbondeiro (baobá), árvore frondosa e de presença dominadora. Dos Namúli foram criados os primeiros humanos, hoje considerados como makholo (pais primordiais e/ou antepassados) dos mahimo (clãs) existente entre os amakhuwa.
O que foi emanado pelos Namuli deve estar em harmonia. É esta a filosofia de base dos Amakhuwa, embora hoje as influências da modernidade tenham desviado deste princípio fundamental. Em paralelo ao mito fundador, existe uma lista considerável de ritos celebrados ao longo da vida dos amakhuwa. Todos eles visam a inserção da pessoa na sua comunidade de pertença, garantindo assim aquela coesão e harmonia social que representam o marco identitário mais característico da cultura dos amakhuwa. O principal desses rituais é representado pelos ritos de iniciação, que marcam a transição da idade infantil à adulta, e são celebrados quer na vertente feminina, quer masculina. Neste texto iremos abordar apenas os primeiros, por sinal os que mais discussões e críticas têm levantado por parte das organizações, nacionais e internacionais, que lutam em prol dos direitos das mulheres e, no geral, dos direitos humanos individuais.
O rito de iniciação feminino (Winela emwali) se inscreve numa ótica de continuidade dos ensinamentos da cultura e do bom comportamento, cuja primeira transmissão é feita pela mãe, diariamente. O rito, portanto, vai insistir num pano de fundo de uma pessoa jovem, mas já sensibilizada e preparada para receber outros ensinamentos, desta vez por obra de mulheres externas à mãe e que lhe irão introduzir na vida adulta. Para que uma rapariga seja submetida a Wineliwa emwali (ritos de iniciação feminino) é necessário e indispensável que ela tenha a wona mweri (menarca). Enquanto o dia das cerimónias não chega, os familiares vão criando todas as condições necessárias, desde comida, bebidas, roupas e construção de cabanas onde irão decorrer as cerimónias.
Depois de uma refeição comunitária, as meninas, ao longo da tarde, são levadas para um espaço reservado e relativamente isolado, que pode ser um lugar com casas abandonadas ou em cabanas improvisadas. Os ritos femininos duram duas noites e três dias. Os aconselhamentos só acontecem ao longo da noite, enquanto durante o dia as pessoas dormem. Uma tal opção é devida ao fato de os ensinamentos transmitidos serem considerados sagrados, portanto precisando de calma, tranquilidade e muito silêncio e concentração, funciona como forma de respeito pela herança herdada pelos antepassados. A transmissão dos conhecimentos durante os rituais é feita por meio da música, ou seja, cantada e acompanhada por dança, dividindo o grupo em dois coros. Os ensinamentos ligados ao rito consistem em explicar o que é a menstruação, como cuidar da saúde, qual o comportamento perante os homens, como se vestir, como cuidar do lar, com noções de educação da sexualidade feminina, ou seja, o conhecimento completo do corpo de uma mulher, tais como a proibição do incesto e do adultério no geral. Nos ritos que sofreram a influência da religião cristã foram abolidas algumas partes consideradas contrárias aos ensinamentos desta fé, como por exemplo uso de palavrões e objetos com formas de órgãos genitais masculinos. Nos ritos celebrados consoante a tradição, as meninas são pintadas com farinha, vestidas de farrapos, deixando os corpos seminus, com acompanhamento de cantos e palavras insultuosos, que desempenham a função de tornar as meninas humildes. O mesmo acontece com os ritos masculinos.
Na cultura dos amakhuwa o termo dos ritos de iniciação não significa necessariamente iniciar a procurar marido. No geral, a vida das meninas continua normalmente, e só as que decidem – devido a razões alheias aos ritos em si, como as más condições económicas, ou a conflitos com os pais – entrar no lar é que podem fazer isso. O rito de iniciação, portanto, não empurra a menina para o lar, mas lhe entrega a condição de mulher adulta e madura.
Por outra, dados demonstram que na região norte de Moçambique a questão dos casamentos prematuros e indesejados é que é mais difusa e prejudicial para a vida das meninas a nível nacional. Entretanto, esta situação não pode ser atribuída automaticamente aos ritos de iniciação de forma que deveriam ser investigadas as condições socioeconómicas em que a maioria das famílias, no Norte do país, se depara, vendo como única saída para diminuir o peso dos gastos a alocação da filha recém-iniciada num novo lar.
Fora as violações gritantes dos direitos da rapariga que ainda, em algumas circunstâncias (cada vez mais raras) se manifestam ao longo dos ritos de iniciação, que entretanto nunca, na variável Makhuwa, prevêm práticas como a infibulação, a questão que deve ser colocada, em termos de direitos humanos, é a seguinte: será que tais direitos são apenas de tipo individual, ou é necessário considerar também a perspectiva coletiva, segundo afirma a própria Carta de Banjul de 1981? Preservar a identidade de um povo e de uma cultura constitui um direito fundamental, que passa também mediante os ritos de iniciação. São estes, em muitas culturas e organizações humanas (tais como a mafia u a maçonaria) que assinalam e reforçam a identidade local de um certo grupo, o que também representa um direito humano fundamental, que deve andar de acordo, sem chocar, com a tutela dos direitos humanos de cada pessoa, a partir dos das jovens mulheres africanas.