Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Quando surge o mundo moderno, o objecto da ética muda e muda fundamentalmente, porque o que é que animava o pensamento grego, a certeza de que todos nós vivemos num mundo, que é finito e ordenado. E esse mundo finito e ordenado os gregos chamavam de cosmos. O que significa o mundo finito e ordenado? Significa, que ele tem um funcionamento e que as partes participam deste funcionamento.
Então, ética a partir do século [XVII] passa a ser um esforço, um esforço muito grande para encontrar «soluções e convivências» sem o cosmos. Ou seja, o que é que o homem do século [XVII] teve que aceitar. O facto de o universo não ser ordenado não significa, que não tenhamos que buscar uma vida a melhor possível e como vivemos com os outros, uma convivência a melhor possível. E o que é mais correcto, não é que o universo que era ordenado e por alguma intervenção divina ele se desordenou ele sempre foi desordenado. Então, o cosmos era uma tentativa de conferir pelo homem uma ordem à realidade, que a realidade ela mesma nunca teve.
Então, o que é que muda agora. Nós vamos ter que encontrar outras formas de ordenar o mundo, que não sejam cósmicas, mas que dependam da nossa própria «deliberação». Destarte, «a ética passa a ser uma reflexão sobre a nossa convivência aceitando, que nós vivemos e convivemos sem nenhuma ordem pré-existente e que pré-determina a nossa existência» [Clóvis de Barros]. Então, qual é a premissa?
A premissa é a de que, podemos viver duma forma não só…,mas também, podemos conviver de outras formas, portanto, a convivência a melhor forma de conviver dependerá da nossa inteligência antes não era destarte. Antes eu tinha que descobrir, eu tinha que descobrir uma finalidade que pré-existia a mim. Eu nasci para dar aulas então, essa relação a minha com dar aula é uma relação que justifica o ter nascido, ela é anterior a mim mesmo, então, o máximo que eu posso fazer é-me aperfeiçoar nessa actividade que se impõe a mim.
Na hora que isso desaparece ou que não tem cosmos, ficamos livres para discutir como queremos conviver e a ética longe de ser uma [tabela] decerto e/ou errado é uma «disposição» para essa discussão, portanto, para encontrar as melhores formas de convivência, discussão essa protagonizada por quem convive. Então, você percebe que o sentido da ética mudou completamente e o seu objecto, também.
Ou seja, a ética deixa de ser uma avaliação da vida como um pacote e passa a ser a avaliação de condutas isoladas, que é o sentido que você conhece e que te é mais familiar. Então, se eu lembrar a você, que «Ben Johnson» foi flagrado com «doping», do ponto de vista ético moderno é inaceitável, porque, o comportamento dele frauda uma situação de igualdade, que é fundamental no espaço competitivo [desportivo]. Então, o «doping» é uma traição às condições de convivência estabelecidas por quem convive.
Mas, na perspectiva grega em que a ética era luta pelo «desabrochar» mais excelente possível das próprias potencialidades eu me pergunto o que Aristóteles diria sobre o uso desta ou daquela substância com vistas a busca da [maximização] da potência daquilo, que é o seu talento específico.
Então, você percebe, que você mudou de paradigma e mudando de paradigma você muda até de conclusões, você muda de resultados e de reflexão. A ética sendo uma reflexão sobre como devemos agir, portanto, tendo por objecto condutas isoladas a primeira grande proposta para resolver essa «parada», para responder a pergunta o que é que uma conduta tem que ter para ser boa, da mesma maneira que nós respondemos a pergunta o que é que uma vida tem que ter para ser boa. A primeira resposta do ponto de vista «cronológico» é sem dúvidas nenhuma e esse é o segundo pacote do nosso guarda-chuva é uma resposta, que a filosofia chama de «consequencialista», mas que poderíamos para facilitar a vida de todo o mundo chamar de «ética de resultados», e qual é a ideia central e óbvia. A ideia de que, uma conduta é boa quando produz resultados bons, quando enseja [possibilita] bons resultados.
Hora! Quando você se depara com essa ideia, ou seja, a avaliação duma conduta pelo resultado qual é a primeira conclusão que você tem que fazer. Se uma conduta vale pelo seu resultado é porque ela não vale por ela mesma. Em outras palavras, se você estiver a avaliando a minha aula na perspectiva «consequencialista», você pode até ir tomar uma «fanta» e voltar no final da aula. Porquê! Porque o valor da minha aula não está no que eu estou fazendo, no que eu estou dizendo o valor da minha aula está no que vai acontecer depois, não vai acontecer como consequência, como resultado, como efeito da aula que é a causa.
Então, naturalmente a relação é óbvia: consequências boas condutas boas; consequências más condutas más. Ponto final!
Então, a pergunta que qualquer um, que agora tem que fazer, já que, o valor da conduta está na consequência é, qual a boa consequência? E é claro, que essa pergunta é uma pergunta, que possibilita debates acalorados até hoje. E porquê possibilita debates acalorados até hoje? Porque o «consequencialismo» é, uma maneira de pensar a ética presente até hoje e eu me atreveria até dizer, que para muitos o «consequencialismo» é a «tese ética hegemónica» tendo como seu nome fundador um indivíduo chamado Maquiavel e vou dar exemplo do quotidiano, que está presente o «consequencialismo».
Passeia minha infância na Rua Francisco Barreto [Somerlshild] na frente do Quartel. Na casa da minha mãe, tinha um quintal onde eu jogava a bola com os meus amigos. Um belo dia jogando a bola com os meus amigos, eu devia ter uns [8/9] anos, eu dei um chute e depois do chute ouviu-se um «estilhaço». A minha mãe chegou e disse. «Quito! Vai ver o que você fez!» Então, eu naquela idade, já propus uma singela reflexão: como eu posso ir ver o que eu já fiz, se o que eu já fiz jaz no passado e o que eu vou ver jaz, no futuro; provavelmente eu já mais encontrarei lá o que eu já tenha feito. Então, claro foi motivo para mais sapatadas.
Porque, o que a minha mãe queria dizer e o que ela deveria ter dito, não é «vai ver o que você fez». O que ela deveria ter dito é, «vai ver o que aconteceu por conta do que você fez». Vá ver a consequência, vá ver o efeito, vá ver o resultado. E o resultado foi a ruptura de um vaso de porcelana, que tinha sido trazido para minha mãe directo de N'twara [Tanzânia] e ali, então, o resultado conferiu ao valor do meu chute.
Mas, o «consequencialismo», hoje está em todo lugar. Por exemplo; o vendedor que sai para vender quando ele volta às [17] horas e está lá o dono da loja na porta e o que é que o dono na loja pergunta para o vendedor as [17] horas. Vendeu? E o vendedor diz; sim…, vendi e a conduta do vendedor é [avaliada] pelo resultado da venda.
Os «mambas», jogaram bem! Não sei, mas ganharam! Nessa coisa de futebol, você tem que ganhar se jogou bem, se jogou mal, a táctica e se você ganhar está tudo bom e se perder está tudo errado. Agora o resto pouco interessa…. Você vê, que o futebol prima pelo «consequencialsmo» radical.
O que é que começa a te inquietar. O que começa a te inquietar é que, se o resultado óbvio de que quem bate o penalti é fazer o golo, quem vende é vender, existem actividades cujo resultado bom não é tão óbvio assim. Então, vamos imaginar, que você queira julgar a minha aula a moda «consequencialista». Naturalmente, tem que avaliar as consequências. Então, alguém poderá dizer bom! A boa consequência é o aluno ter aprendido técnicas, que aplicados no mercado do trabalho permitirão ao aluno, sobreviver no mercado do trabalho é uma consequência até certo ponto muito plausível, mas eu te garanto se a consequência é essa a minha aula vale [zero]. Eu me gabo de não ensinar nada que seja aplicável, porque, quem for aplicar o que eu ensino será despedido.
Mas, alguém poderia dizer, não! Bom resultado não é esse. O bom resultado é o seguinte: é permitir ao aluno discutir criticamente as práticas do seu fazer profissional no sentido de aperfeiçoá-las, no sentido de torna-las mais adequadas às necessidades da sociedade. Ai a minha aula já não é mais «nociva». Mas, ai alguém poderia levantar não! Eu ainda vou mais longe, o bom resultado duma aula é permitir ao aluno discutir criticamente a sociedade aonde vive; ai a minha aula é excepcional o outro, também diria o bom resultado de uma aula é permitir ao aluno discutir criticamente a própria vida. Eu não sei se você percebeu, trocando os resultados troca o valor da aula. Então, a pergunta é, qual é o melhor resultado das condutas. Se eu tenho problema, que eu não vou julgar a conduta pela conduta, mas vou julgar pelo resultado, agora tem um outro problema. Qual é o critério de bom resultado, qual é o critério da boa consequência, já que, a ética aqui é «consequencialista»?
Então, é claro para responder isso, vão surgir duas grandes respostas diferentes, que são dois [2] pacotinhos dentro desse segundo pacote.
O primeiro pacotinho, que atende pelo nome de «pragmatismo», dirá o seguinte: «a boa conduta é aquela, cujo efeito é permitir ao agente conseguir o que ele quer». Eu vou repetir para você não provar. «A boa conduta é aquela, que permite ao agente conseguir o que ele quer». Qual é o bom resultado é você conseguir o que você quer no momento de agir. Naturalmente, isso significa o quê! Uma boa campanha política, duma equipa de marketing é eleição. Elegeu, ganhou e vendeu. «Pragmatismo» é isso. É conseguir o que eu quero, conseguir agindo, portanto, eu só posso ter agido bem.
E qual é o grande argumento do «pragmático»: ninguém nunca poderá dizer, que eu agi mal tendo conseguido o que eu queria conseguir. Mais do que isso, ninguém nunca poderá dizer, que eu agi bem no fracasso, na derrota e no insucesso. Naturalmente, os exemplos são muitos no caso de Maquiavel: «a boa conduta do soberano é aumentar o poder que tem, porque, o poder é o trofeu do campo político». E é claro no caso do «pragmatismo» a boa aula é o professor, conseguir o que ele quer com aquela aula e o professor pode ter muitas pretensões para uma aula como por exemplo; a própria fama, ao próprio reconhecimento, o próprio aplauso dos alunos, e…,etc…etc.
É claro, que essa maneira de ver a ética nos coloca numa situação muito curiosa. Porquê! Porque se a ética, «é a inteligência do homem no sentido de melhorar a convivência» o «pragmatismo» nos aproxima demais do estado de [natureza], da relação do leopardo com a sua presa. Onde é que o leopardo agiu bem? Quando conseguiu capturar a sua presa. Então, você percebe que o «pragmatismo» é uma forma, é uma «tese de ética» de dever ser muito próxima da nossa perspectiva mais animal.
Então, naturalmente qual é o grande problema disso. O grande argumento contra o «pragmatismo» é que, o outro é apenas instrumento do seu próprio sucesso, o outro não tem «valor» em si. Ou seja, o «valor» do outro depende do seu próprio sucesso, o outro é instrumentalizado, o outro é coisificado em nome do teu próprio triunfo e da tua própria vitória.
Foi exactamente, com base nesse argumento, que surgiu uma segunda proposta «consequencialista» que vai dizer o seguinte: «a boa consequência não é a satisfação e a vitória de quem agiu; a boa consequência é outra. A boa consequência é a felicidade do maior número». E quem vai propor isso, vai acabar recebendo o nome de «utilitarista».
Então, o «pragmatismo e o utilitarismo» são as duas grandes correntes éticas «consequencialistas». Para o «pragmatismo» o critério da boa consequência é o sucesso do agente. Para o «utilitarismo» o critério da boa consequência é a felicidade do maior número, que pode não [coincidir] claro com o sucesso do agente. Exemplo de aplicação de «utilitarista» no mundo contemporâneo: primeiro paradigma da responsabilidade social. Se o lucro da empresa é uma perspectiva «pragmática» a responsabilidade social é uma perspectiva «utilitária». Felicidade do maior número é o que está por trás das propostas e responsabilidade social.
Exemplo número dois [2]; você está numa Escola, numa Faculdade, e aí você é avaliado pelo aluno. A avaliação, que o aluno faz do professor é certamente muito mais cheia de «consequências» do que, a avaliação contrária que o professor faz do aluno e ai passa um teste de satisfação [bom, óptimo e mau] é o valor do professor. Aplicação do «utilitarismo» a felicidade do maior número [80%] acharam, que o professor é óptimo então, ele é porreiro.
Bom! Nesse momento você poderia virar para mim e dizer. Bom…, a aula acabou resolvemos o problema, mas o que é que eu tenho para ti dizer. É que, essa maneira
de pensar tem muitos furos e eles são muitos e vou oferecer dois ou três, só para você ficar convencido.
[continua próxima semana]
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo, [14] de Junho 20[20]