EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (24)
Sabe, Presidente: ontem, logo cedo, ligou-me o meu primo de Manjacaze. Estava completamente bêbado. Até dava para sentir-lhe o cheiro da aguardente de massala pelo telefone-essas coisas de tecnologia; não sabia que transportam também o cheiro.
Coitado do primo, disse que não dormia desde às 20 horas da quarta-feira. Esteve antes na vila. E foi lá que em casa de conhecidos viu e ouviu o Presidente, pela televisão, a dizer que o Estado de Emergência chegou ao fim. Mal o senhor terminou a sua comunicação à nação, arrastou os amigos até Macuácua, o nosso Posto Administrativo.
Desenterrou a primeirinha guardada para ilustres visitantes e ficaram a beber pela noite fora. Diz ele que agora que acabou o Estado de Emergência, estamos em Estado de Dúvida, o mais perigoso dos estágios, segundo ele. Até chamou-me à Manjacaze para juntos devorarmos os cabritos que o nosso falecido avô nos deixou como herança.
São tempos de incerteza. E ele tem razão. Sofreu muito com os Mahindras na vila durante a vigência do Estado de Emergência. Nessa altura o estado tinha nome. E agora que é de dúvida? Não é sinal de que tudo vai piorar? Até podem vir arrancar os nossos cabritos.
Eu juntei-me ao medo dele e prometi que ia escrever ao Presidente, talvez de si obtenha alguma explicação. Agora pergunto, Presidente: como é que nós, o povo, nos devemos comportar? Continuamos em casa sem nada para comer ou podemos sair já para a rua desenrascar qualquer coisa?
É que não adianta nada pôr máscara e lavar mil vezes as mãos quando estamos em casa confinados e sem nada para enganar o estômago. É tragicómico!
O meu vizinho, o da barraca, abriu na quarta-feira depois da comunicação à nação. Beberam perdidamente.
Abriram volume daquelas músicas típicas das Lilocas e companhia. E estragaram-me o dia porque apesar de não ter nada à mesa, ainda tenho a coragem de ouvir Wagner- a cavalgada das valquírias. Além de tudo, eu sou sensível ao “Pandza”. Provoca-me bílis, náuseas! Mas bom: eles estavam felizes ou assustados.
Dói esta incerteza. Estado de Dúvida. Será que vamos sobreviver, Presidente?
Por favor, Presidente, escreva-me. Não consigo viver nesta incerteza.
E o meu primo então: até é capaz de devorar os nossos cabritos por causa do medo que tomou conta de si. Espero uma resposta urgente. O primo e eu estamos assustados!
DN – 31.07.2020