Por Edwin Hounnou
O Tribunal Judicial Provincial de Gaza (TJPG) julgou e condenou os polícias da GOE – Grupo de Operações Especiais – que, no dia 07 de Outubro de 2019, na Cidade de Xai-Xai, assassinaram, com uma rajada de tiros, Anastácio Matavele, um defensor publico e diretor executivo do Fórum das Organizações Não Governamentais (FONGA) que saia de mais uma sessão de formação de observadores eleitorais. Saliente-se que é pela primeira vez que um caso do género (assassinato de uma figura pública por agentes do Estado) é julgado e condenado por um tribunal instituído. Em geral, os críticos ao regime do partido Frelimo são perseguidos, por vezes, mortos e os culpados não são conhecidos. A polícia tem feito muito pouco para que os assassinos sejam descobertos.
Para a descoberta imediata da verdade, valeu o acidente da viatura que transportava os polícias -assassinos. De outra sorte, estaríamos a ouvir, ao presente momento, aquela ladainha de que “ a polícia está no encalço dos assassinos" até o caso desaparecer no horizonte da memória dos familiares, amigos e da sociedade. Não se pode dizer que o julgamento célere que houve tivesse sido devido à pronta colaboração das autoridades. Foi por um mero acaso e nada tem a ver com a boa vontade de nenhuma instituição.
O TJPG tudo fez para pôr o Estado fora da questão. Não insinuamos que os polícias-assassinos tivessem recebido ordens de alguém para matar, porém, usaram armas do Estado, tiradas do Estado e defendidos por um advogado do Estado, de seu nome Elísio de Sousa. Assim sendo, por que argumentos a juíza afastou o Estado da responsabilidade de indemnização à família? Não entendemos a lógica da juíza. A conclusão que se pode aferir é a presença da “mão externa" na justiça que continua a manter as instituições públicas de partidarizadas, incluindo os tribunais. Existem honrosas excepções de magistrados que, por sua conta e risco, seguem a lei e a sua consciência profissional.
O chefe deles, ora escondido em parte incerta de Gaza, disse aos seus subordinados para se prepararem para uma missão de ordem superior. O TJPG não quis aprofundar quem havia dado ordens superiores, talvez por temer em remexer o entulho de lixo. Os polícias foram cumprir a tal missão dada superiormente, fazendo-se transportar numa viatura de um edil e depois foram devolver as armas ao armazém. Os polícias são funcionários do Estado, as armas são do Estado, o quartel de onde as armas foram requisitadas pertence ao Estado. O advogado de defesa dos assassinos é funcionário do Estado, pago por impostos dos cidadãos. Não é compreensível que o Estado seja ilibado da indemnização, a menos que estejamos a viver num Estado falhado.
O polícia-chefe foragido diz, em áudio disseminado nas redes sociais, que prefere se entregar à justiça para contar toda a verdade deste episódio diabólico, intimidador e ele teme pela sua vida a continuar camuflado num beco. Poderá ser eliminado para que a verdade não seja conhecida. Diz ele, no áudio, que teve que se mudar do esconderijo onde os seus comparsas o haviam colocado para um outro lugar, por conhecer o que os seus comparsas podem fazer. A partir do seu novo esconderijo, pede protecção a quem acha que lhe pode oferecer segurança. Ele prefere ser julgado e ser condenado a viver num buraco onde ninguém o pode ver nem visitar.
O TJPG prestou um mau serviço público, fez aumentar a desconfiança que se tem em relação à justiça. Não fez nada para que os mandantes do crime fossem descobertos. Fez vista grossa para ocultar para ocultar. Não se pode dizer que a justiça foi feita enquanto os mandantes continuarem impunes. Os polícias-assassinos não acordaram e decidiram matar Matavele. Que mal fez aos polícias ao ponto de lhe tirarem a vida? Matavele era observador eleitoral e activista social. Por onde entram esses na vida da sua vítima. O trabalho de Matavele cruzava o caminho ou interesses desses polícias? Não conseguimos descortinar o mistério que motivou os polícias a regarem de balas sobre Matavele. A juíza Ana Liquidão conseguiu enxergar o que toda a sociedade (des)conseguiu ver – a partir do nada os policiais começaram a odiar Matavele. Isso é pura mentira. O TJPG enganou meio mundo. Quem deu a ordem aos polícias para assassinaram Matavele? Ninguém?! É falso.
O proprietário da viatura usada no crime foi ilibado e mandado em paz, alegando que já havia vendido a um dos assassinos. A titularidade de uma viatura é comprovada pelo título de propriedade ou, pelo menos, petisco comprovativos de compra e venda, se a transação estiver a ser feita em tranches. A viatura continua a pertencer, para todos efeitos, a Henriques Machava, presidente do Conselho autárquico de Chibuto e irmão do antigo secretário-geral do partido Frelimo. Esses atributos devem ter mexido com a juíza a concluir pela maneira parcial como conduziu o julgamento. Todos os sinais indicavam que muita gente seria implicada, mas, valeu a artimanha da juíza Ana Liquidão que se deu por satisfeita pelo simples palavreado de esconde-esconde a verdade, julgando que teria convencido a todo o mundo.
A juíza Ana Liquidão ajudou a golpear a justiça devido à sua falta de coragem para enfrentar os tubarões de quem recebeu ordens para conduzir o julgamento nos moldes em que o fez – parcial, insegura e escondendo os mandantes do crime. O Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique estava convencido de que os seus policiais agiram em nome do Estado, por isso, despachou um seu advogado para defender os seus homens.
Não estamos a insinuar que os polícias-assassinos tivessem recebido ordens do Estado para matarem Anastácio Matavele, todavia, o modus operandi desses policiais não se pode dissociar do Estado. A tentativa de separar a responsabilidade desses polícias é negar a lógica dos factos. É afirmar que é o Sol que gira à volta da Terra e não o contrário, como a Ciência o demonstra. Estamos no fim da linha da lógica. Enquanto persistir a partidarização das instituições públicas, não teremos justiça social. Estão a matar o Estado de Direito. Estão a matar a galinhas dos ovos de ouro.
Nós não temos formação em Direito mas vemos que a juíza cometeu um erro grave. Apesar desta mancha, conhecemos magistrados que pautam pela lei e conduzem-se pela sua consciência profissional. Nem todos são papagaios. Sentimo-nos orgulhosos dos magistrados verticais que elevam a nossa autoestima, enquanto os invertebrados só nos metem nojo pela sua falta de verticalidade e brio profissional. Esses magistrados com outras agendas seriam mais úteis à sociedade se seguissem outras ocupações mais interessantes para si e não a de fazer a administração da justiça. Esta profissão exige coragem, integridade e valores ético-morais.
A nossa justiça, muitas vezes, defende os ricos e poderosos, a vida de uma pessoa da classe baixa-média ou mesmo sem referencias, custa um milhão e meio de meticais e um olho de alguém da classe politico-económicas, alegadamente, vítima de agressão, custa cerca de 300 milhões de meticais. A injustiça divide o rico dos pobres, o poderoso dos fracos. A injustiça divide o país, cria confusão no seio do povo. A injustiça é semente da discórdia. Os poderosos devem parar de dar ordens aos tribunais para que os juízes possam trabalhar livres das influências políticas.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 08.07.2020