Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Hoje vou falar de um livro, que trata de um assunto muito interessante de uma mulher especial. Ângela Davis, mulher negra, intelectual e activista.
Vou tentar contar um pouquinho da história dessa «grande personalidade». A história dessa grande mulher é tão interessante, que merece tomar um pouquinho de atenção. E antes de eu falar da sua grande obra «Mulheres, Raça e Classe» aliás, sua obra, que devia ser exigida e estudada em qualquer Universidade no País.
Primeiramente, abordarei a vida d’Ângela Davis e alguns aspectos interessantes da sua obra, que eu julgo ser necessária para o debate actual como por exemplo, no percurso de luta de homens e mulheres, negros e brancos por um mundo de mais justiça e menos violência. Debate esse infelizmente ainda muito actual e que tem promovido muita violência contra certos corpos. Sobretudo contra corpos de mulheres e de negros, esses mesmos corpos [sujeito/indivíduos], que quando lutam contra essas mesma violência sofrem ainda mais agressões e perseguições.
Destarte, eu proponho dividir a minha exposição em três [3] partes. Na primeira parte da minha exposição eu vou falar sobre quem é ela Ângela Davis, na segunda parte eu vou apresentar para vocês alguns motivos do porquê ler essa belíssima obra d’Ângela Davis e finalmente na terceira e última vou tentar discutir um pouquinho a respeito da sua obra «Mulheres, Raça e Classe».
Então, essa é a linha de pensamento que vou tentar seguir aqui.
Mais…, quem é Ângela Davis? Ângela Davis é mulher negra americana, intelectual e activista. Uma das «maiores personalidades» dos nossos tempos, que optou pelo lado do caminho da luta por justiça social e o mundo hostil as mulheres e aos negros. Símbolo de resistência e luta nos anos [60] do século passado.
Foi em Birmingham [Alabama] Estados Unidos [EU], palco de «segregação e conflitos raciais», que nasceu Ângela Davis em [26] de Janeiro de 19[44], aliás em pleno auge da organização americana racista e criminosa klu klux klan. Desde muito cedo ainda adolescente Ângela Davis presenciou várias cenas de violência contra o povo negro inclusive a «explosão duma Igreja», que terminou matando quadro [4] de suas jovens amigas.
Ângela Davis, cursou filosofia nas mais renomadas Universidades do mundo e foi aluna de grandes filósofos como por exemplo, o «Jean-Paul Sartre e Herbert Marcuse», também foi Professora nas mais conceituadas Universidades. Ângela Davis é uma grande intelectual, mas é sobretudo uma grande activista, por isso vale destacar que a Ângela Davis se associou a um dos movimentos anti-racistas mais importantes dos EU, que é o partido dos «Panteras Negras» para auto defesa. Não bem um partido oficial ou que disputa eleições, mas sobretudo um movimento para sobrevivência. Por ter aderido ao partido a Ângela Davis foi afastada do cargo de Professora de filosofia na Universidade de Califórnia e ainda foi perseguida pela poderosíssima FBI considerado um dos dez [10] criminosos mais perigosos nos EU.
De uma forma bem justa, quase sem provas, mas duma maneira bem espectacular, ela lutou contra as injustiças, que o sistema prisional praticava contra os negros. Aliás, ela se «destacou» muito nesse assunto, mesmo porque, ela conheceu o sistema prisional de perto, uma vez que, ela acabou presa em 19[71] considerada uma «terrorista de alta perigosidade» até uma vez um jornalista pergunta para Ângela Davis quando estava presa, se por acaso esse movimento dos «Panteras Negras» não era um movimento muito violento até tentando quase que deslegitimar a causa. E aí a Ângela Davis fica «indignada» e começa a relatar para o jornalista todo o [processo de violência] que ela viveu por ser negra desde a sua infância até a sua adolescência.
Aliás, foi exactamente de uma posição de «indignação» e contrária e uma das mais cruéis violências que surge o movimento dos «Panteras Negras». No entanto, os povos negros, que lutavam contra o racismo inclusive quando adoptavam estratégias de paz como por exemplo, o caso do líder moral «Martin Luther King» acabavam mortos e massacrados. E ainda hoje existe um certo discurso tentando legitimar essas
mortes. A prisão da Ângela Davis causou uma revolta mundial e gerou a campanha Free Ângela [libertem Ângela Davis], mas somente depois de um [1] ano e meio é que ela foi considerada inocente e finalmente libertada.
Hoje Ângela Davis é conhecida e reconhecida mundialmente sendo uma das maiores representantes do feminismo negro, admirada tanto por suas «práticas libertárias quão por suas obras teóricas».
Mas…, porquê ler Ângela Davis. Ângela Davis tem uma «trajectória impar» e na condição de mulher intelectual e activista, vivendo em uma sociedade como a dos EU, ela consegue nos trazer várias reflexões a cerca da sociedade, abordando isso, tanto de maneira sociológica como filosófica e como histórica ela consegue nos mostrar os problemas e as injustiças sociais que nós ainda podemos encontrar nos nossos dias.
A obra d’Ângela Davis, consegue trazer narrativas para pensarmos a sociedade e isso pode ajudar no amadurecimento da sua cultura geral, já que, envolve também esse «pensamento multidisciplinar». Com essa leitura é possível, você ter algum conhecimento sobre a escravidão, sobre o racismo nos EU, também sobre a condição das mulheres, dos pobres e dos negros, mas sobretudo, sobre as lutas de resistências feministas e abolicionistas nos EU. Vale destacar que essa obra se refere aos anos [80] do século passado ao contexto dos EU.
A obra «Mulheres, Raça e Classe» foi escrita na década de [80] do século passado trata-se de um compilado de artigos, que abordam vários temas sobretudo relacionados a dominação e a violência, que incorre nos corpos de mulheres, de pobres e de negros. Esses artigos d’Ângela Davis revelam as lutas, que a população mais vulnerável teve, que organizar para conseguir sobreviver. Então, os artigos falam por exemplo; da escravidão, de feminismo, das lutas abolicionistas, das lutas feministas e até mesmo de alguns conflitos, que houveram simplesmente por as pessoas não aceitarem que as mulheres e os negros são portadores de direitos básicos.
Ou seja, a obra procura mostrar que as lutas são diferentes. Ou seja, existe um contexto específico de luta por «dignidade» existe um tipo de opressão que é impar, que é diferente para cada um, dado que, a sociedade inseria as pessoas de maneira diferente em certos espaços da sociedade. Destarte, os homens negros possuem um contexto diverso das mulheres brancas e as mulheres negras, também possuem um contexto específico, a luta é diferente conforme o contexto, mas as explorações entrecruzam o tempo todo. À sociedade vai impondo certas condições sobre certos corpos como por exemplo; de mulheres, de negros ou de pobres e essas pessoas estão actuando junto o tempo todo então as histórias vão se misturando. Destarte, na verdade, existe o contexto diferente, mas o contexto em si não está separado eles se entrecruzam o tempo todo.
Mas, se a luta é diversa é que somente o devir [progresso] histórico resultou em demandas diversas, isso não quer dizer, que os agentes que lutam contra essas opressões, precisam ser os mesmos agentes, que sofrem essa opressão. Ou seja, desde que estabelecida a especificidade de cada luta, a Ângela Davis parece deixar claro, tantos homens, quantas mulheres, negros quanto brancos são agentes importantes nesse processo de transformação e justiça social.
É esse «pensamento multidisciplinar» que os artigos se entrecruzam, revelam não duma forma tão clara e tão didáctica, mesmo porque, a obra pode ser aproveitada [discutida] de diversas formas, ela oferece várias abordagens e várias leituras.
Mas, interessa-me o lado sociológico que é o que vou tentar reportar aqui.
Talvez, não por acaso a obra já se inicia com o artigo a respeito da escravidão. Pois, se nós queremos compreender como se organizam as relações de poder, as relações económicas, e as relações sociais nós devemos tentar compreender a raiz disso tudo. Ou seja, de que maneira que se estruturam essas relações. Na verdade, a Ângela Davis está mais preocupada em compreender a condição das mulheres escravizadas, dado, que os «pesquisadores e os historiadores» deixam muito a desejar nesse sentido. Ariscando-se, pesquisando, buscando uma fonte aqui, e outra ali a Ângela Davis consegue nos trazer alguns «apontamentos» interessantes para compreendermos a luta dessas mulheres.
Ela revela, que a relação privada dos povos escravizados garantia uma certa «igualdade» entre homens e mulheres e até garantia um certo destaque entre os papéis femininos. Na realidade, na esfera do trabalho escravo, essa «igualdade» já existia, uma vez que, as mulheres eram consideradas propriedades iguais aos homens. Elas eram um pouco desprovidas de género, pois, a caracterização da «fragilidade» normalmente era só designada às mulheres brancas. Elas trabalhavam e carregavam peso igual aos dos homens, o género na verdade, só aparecia quando elas eram punidas, porque ai além de mutiladas e chicoteadas elas também eram estupradas.
As mulheres, também eram utilizadas como reprodutoras, como fonte de mão-de-obra, mas mesmo que elas estivessem «gestantes» elas trabalhavam igualmente com o[s] homen[s] aliás, elas também não podiam cuidar do filho quando esse filho nascia mesmo porquê o filho era considerado propriedade do senhor incluindo a sexualidade.
Mas, toda essa igualdade gerou insubmissão e resistência por parte das mulheres escravizadas, sendo possível identificar várias lideranças femininas no processo e luta contra a escravidão; destaque então para «Harriet Tubman», que liderou a fuga de centenas de pessoas escravizadas facto, que passa despercebido do imaginário popular, que mantém a ideologia da mulher como submisso e conformista. Este estereótipo pode ser identificado até mesmo na literatura abolicionista.
A Ângela Davis cita «A Cabana do Pai Tomas» e da «Harriet Elizabeth Beecher Stowe», o qual ela descreve mulheres e negros de uma forma bem estereotipada, claro talvez isso fosse necessário para causar uma certa empatia dos brancos. A Ângela Davis segue então, com outros artigos enfatizando sobretudo, a luta das mulheres negras, enfatizando aquilo, que os livros de história normalmente não enfatizam, que é o protagonismo de mulheres e de negros e sobretudo de mulheres negras.
Um dos seus artigos narra a luta pelos direitos políticos de mulheres, que contou inclusive com auxílio de muito homens, aliás esse movimento de luta pelo direito ao voto se uniu ao «movimento abolicionista». Ou seja, encontramos ai, homens e mulheres, brancos e negros lutando pelo fim do «sistema perverso da escravidão». Mas, claro, que as coisas não são tão simples destarte nesses mesmos espaços, também se constituíam narrativas machistas e racistas.
Então, sobressaem as diferentes demandas, as rupturas, as particularidades construídas pelas dinâmicas sociais. Por exemplo; apesar das mulheres brancas terem-se unido ao «movimento abolicionista» e até terem organizado convenções para a causa e terem existido diversas mulheres brancas corajosas envolvidas nesse caso, aliás, Ângela Davis cita nomes de várias dessas mulheres, apesar disso, as mulheres ficaram furiosas quando elas souberam, que o direito ao voto chegaria primeiro para os homens negros do que para as mulheres. Porém, para as mulheres negras o direito ao voto para os homens negros já representavam um grande avanço.
As mulheres brancas lutavam pelo trabalho, pelo direito ao trabalho e o direito ao trabalho em condições de «igualdade» com o homem. Mas, no caso das mulheres negras, elas já tinham o trabalho como um dever e não como um direito e já era em condições de «igualdade» com o homem negro e elas não achavam isso lá muito vantajoso.
A luta feminista pelo direito a «maternidade voluntária» foi uma grande conquista para as mulheres, para as mulheres brancas. Enquanto, as mulheres brancas lutavam arduamente e legitimamente contra a «maternidade compulsória», ou seja, pelo direito de escolha, pelo direito de escolher não ser mãe, as mulheres negras viviam traumatizadas pela «esterilização compulsória» parte duma política racista e eugénica de [busca] por uma suposta «purificação racial». As mulheres negras, talvez coubessem uma maior preocupação em relação ao direito de ser mãe, enquanto, as mulheres brancas se união para combater o estupro e lutavam para aumentar penalizar do estuprador, as mulheres negras compreendiam essa questão duma maneira muito mais complexa, uma vez que, elas sabiam que esse aumento da penalização, recairia somente para o homem negro e não exactamente de homem negro estuprador [es], mas de homem negro [s] acusado [s] às vezes injustamente de estupro.
A coisa parece um pouco simples, mas não é tanto. A Ângela Davis consegue identificar e mostrar-nos em diversas «literaturas e pesquisas», a construção da figura de um homem negro, como um potencial estuprador, ou seja, uma «figura selvagem» portadora de violência, e de uma certa híper-sexualidade própria a sua raça. Alguns diziam baseado na limitada teoria do «Darwinismo social» que…, os homens negros eram seres selvagens e violentos e que teriam desenvolvido uma híper-sexualidade para compensar o alto índice de mortalidade que existia no continente africano. Destarte, muitas vezes os homens negros eram acusados de estupro como uma forma de legitimar aos «linchamento», que muitas vezes ocorria contra comunidade negra, ou, ainda para perpetuar a escravidão negra só que agora por meio da prisão. Lembrando, que a mesma «emenda abolicionista», que aboliu o trabalho escravo, permitiu o trabalho escravo dentro da prisão e coincidentemente a maior parte dos homens presos eram negros.
Esse «mito» da híper-sexualidade, também recaia sobre as mulheres negras, já que, elas eram acusadas de serem «promíscuas e provocantes». Destarte, muitas vezes elas sofriam o estupro e eram «culpabilizadas» por esses estupros. Ou seja, formava-se ali uma ideologia, que culpabilizava homens negros nem sempre estupradores e inocentava homens brancos às vezes estupradores. De facto, os dados prisionais da época deixavam claro essa distorção, de modo que, para as mulheres negras, primeiramente era necessário desfazer esse mal-entendido racista para depois puder combater o machismo, que deixava os estupradores impunes.
Destarte, Ângela Davis por meio duma narrativa «densa e bem elaborada», que extrapola os limites da minha exposição, nos revela como que se forma os «arranjos sociais», que possibilitam violência a certos corpos ou grupo de pessoas nos dando bases para entender, também e…, porque não a nossa realidade.
Enfim, devo lembrar-vos, que a obra é densa e…, merecia o blog todo, pois, proporciona várias reflexões e possibilita diversas abordagens.
Mas…, vocês me dêem licença eu fico por aqui.
Até outro dia!
Manuel Bernardo Gondola
Em, Maputo, [05] de Julho 20[20]