Alguns ex-guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) que entregaram armas em junho, no processo de desmilitarização, regressaram à aldeia natal, mas temem agora ser alvo de uma nova ameaça.
Receiam que as forças estatais não consigam distinguir antigos guerrilheiros reintegrados na vida civil dos dissidentes da autoproclamada Junta Militar, que já mataram 24 pessoas na região no último ano.
São rebeldes que atuam nalgumas zonas do centro do país, liderados por Mariano Nhongo, fechados ao diálogo e alegando estar descontentes com o acordo de paz e com a liderança da Renamo.
A zona da aldeia de Cheadeia, no distrito de Nhamatanda, província de Sofala, tem sido um dos palcos desta violência.
Ali e noutros pontos, a Renamo acusa as forças estatais de estarem a raptar e a assassinar alguns dos seus membros – mas sem indicar casos concretos – ao realizar buscas por focos de reagrupamento de dissidentes filiados à Junta.
Por sua vez, as autoridades acusam os rebeldes da Renamo de estarem a assassinar dirigentes locais e a vandalizar infraestruturas públicas.
“Sempre que chegam as forças de defesa, nós temos medo, porque já não temos armas”, diz à Lusa João Ruben, 52 anos, 30 dos quais passados em várias bases da guerrilha, desmobilizado em junho, em Savane, distrito de Dondo (Sofala).
O ex-guerrilheiro conta que nas visitas à aldeia, em 1992, no fim da “guerra dos 16 anos” (designação dada à guerra civil moçambicana) e durante a trégua de 2016, ele e outros colegas de armas eram alvo de perseguição das forças estatais.
Receia que, agora, as mesmas forças não consigam distinguir os guerrilheiros reintegrados dos dissidentes da Junta.
“Nós fomos desmobilizados para nossas casas. À chegada [à aldeia], o hospital foi queimado e chegaram as forças de intervenção rápida (UIR)”, descreve, para ilustrar uma situação em que teve medo.
João Ruben expressa um sentimento generalizado entre os regressados, embora manifeste confiança numa reconciliação para breve.
Para Jossias Combo, outro ex-guerrilheiro e homem da escolta do então líder da Renamo, Afonso Dhlakama, falta uma verdadeira reconciliação para que a sua reintegração se transforme em tranquilidade e paz.
Num português falado com dificuldade, tenta traduzir de forma simples o que o atormenta.
Receia que os dissidentes da Renamo entrem na aldeia: a Junta “estraga, e não satisfeito, o Governo entra também”.
No meio do conflito, os desmobilizados não querem ser um dano colateral só porque a Junta também carrega o nome do maior partido da oposição, apesar de ter uma posição oposta.
Vários guerrilheiros, prosseguiu, até dormem nas matas com a família devido à alegada onda de perseguição e assassínios dos membros do partido, falada, mas que ninguém consegue confirmar.
Este sentimento de insegurança dos ex-guerrilheiros desmobilizados levou a Renamo a desenvolver uma série de campanhas de sensibilização nas aldeias onde estão a ser reintegrados.
As sessões tentam assegurar que há condições para viverem sem se esconder das autoridades e sem medo de perseguição.
Em declarações à Lusa, Albertina Sibanda, delegada política distrital da Renamo em Nhamatanda, disse que os ex-guerrilheiros tem experiência de viver como civis, mas a sua inserção política é fundamental para que não sejam confundidos com integrantes da Junta Militar.
“Desta vez, o Governo deve posicionar-se. Quando eles [ex-guerrilheiros] dizem que têm medo, é porque quando o grupo de Nhongo entra na zona, o Governo, ao reagir, não os consegue separar e diz que todos são da Renamo” explica.
“Esses da defesa [estatal], quando entram, incomodam-nos, dizendo que como são desmobilizados são capazes de apoiar o grupo de Nhongo”, insistiu a responsável.
A Lusa tentou ouvir as autoridades locais, nomeadamente o administrador distrital de Nhamatanda, mas não obteve resposta.
Os ex-guerrilheiros recém-chegados a Cheadeia fazem parte de um grupo de cerca de 300 da base de Savane que beneficiou da segunda fase do processo de Desmobilização, Desarmamento e Reintegração (DDR) social, reiniciado em 04 de junho, depois de estar vários meses paralisado.
O DDR resulta do acordo de paz assinado em agosto de 2019 entre o Presidente da República, Filpe Nyusi, e o presidente da Renamo, Ossufo Momade.
LUSA – 01.08.2020