SERNIC revista domicílio da deputada
- buscas culminaram com confiscação de passaportes, computadores, telefones celulares e cadernos de notas
- a deputada da Renamo é acusada de crime de conspiração contra a segurança do Estado
Está cada vez mais a apertar-se o cerco jurídico/ político contra a deputada Ivone Soares, antiga chefe da bancada da Renamo na Assembleia da República e uma das vozes mais importantes dentro do maior partido da oposição.
Não são conhecidas as razões de fundo para a operação, mas a residência da deputada foi alvo de buscas, liderada por uma equipa do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), que alegou estar a “cumprir ordens superiores”. A 9 de Julho passado, a casa da deputada na Matola, mais concretamente no bairro de Fomento, foi alvo de buscas dirigidas por duas dezenas de agentes do SERNIC, com um mandado de busca exarado pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM).
No mandado, a deputada é acusada de um crime de conspiração contra a segurança do Estado. Os agentes do SERNIC foram a casa da deputada à procura de documentos/elementos que possam ser usados como provas na acusação.
Ao que o SAVANA apurou, os agentes chegaram com o objectivo de localizar armas que, eventualmente, possam estar armazenadas em casa da parlamentar. Em Janeiro deste ano, Ivone Soares foi ouvida na Procuradoria Geral da República (PGR) pela procuradora-adjunta, Amabélia Chuquela.
Ivone Soares respondia na qualidade de declarante, num processo relacionado com o alegado financiamento logístico à Junta Militar da Renamo, liderada por Mariano Nyongo. Para além de Ivone Soares, foram também ouvidos no mesmo processo Manuel Bissopo, António Muchanga e José Manteigas, apontados por seis homens supostamente pertencentes à Renamo, detidos em finais do ano passado na Zambézia, quando, supostamente, faziam recrutamento de jovens para se juntarem às fileiras da ala militar liderada por Mariano Nyongo.
A ida dos deputados à PGR foi, na altura, politicamente vista como um expediente que tinha a cumplicidade de Ossufo Momade, que estaria determinado em queimar/ afastar do caminho, opositores internos, que alegadamente contestavam a forma como estava a gerir o partido.
Na altura, estavam a ser internamente referenciadas na Renamo discretas manifestações de insatisfação em relação àquilo que consideravam ser a “fraca” liderança do partido exercida por Ossufo Momade.
Segundo fontes próximas do assunto, as ligações de Ivone Soares à Junta Militar, arquitectadas pela PGR, faziam parte dos cálculos de Ossufo Momade, tendo em vista um esforço para afastar uma “forte oposição interna” .
A Frelimo também é referenciada como vendo com bons olhos uma eventual luta interna na Renamo, capaz de vir a fragilizar o maior partido da oposição, sobretudo, nos próximos pleitos eleitorais, altura em que o partido governamental se apresentará com um novo candidato nas eleições de 2024.
Buscas da SERNIC
O SAVANA sabe que a casa da deputada foi cercada por 15 agentes do SERNIC e apenas cinco entraram no interior da residência. Segundo apurou o jornal, foram confiscados todos os telefones ceIvone Soares acossada lulares usados pela deputada, três passaportes (diplomático, ordinário e um atribuído na qualidade de deputada do parlamento pan-africano), máquinas fotográficas, vídeos do casamento, máquinas de filmar, computadores e cadernos de notas.
Um dos computadores confiscados é do esposo, o economista e pesquisador independente Thomas Selemane. Os agentes também queriam confiscar os passaportes dos filhos, mas recuaram após insistentes interpelações do advogado sobre se não estariam a “ir longe demais”.
O advogado da deputada é Simeão Cuamba, um veterano na barra de Maputo. Ao que o SAVANA apurou, até ao momento, desconhece-se quem está a liderar o processo. Na PGR ninguém fala do assunto. Os agentes quando questionados pelo advogado sobre as buscas numa jurisdição que não pertence ao TJCM e também o facto de ser uma deputada e de o mandado ter de vir do Tribunal Supremo, consultado o Parlamento, os agentes simplesmente disseram estar a “cumprir ordens superiores”.
O Estatuto do Deputado no número um do artigo 13, diz que “nenhum deputado pode ser detido ou preso, salvo em caso de flagrante delito, ou submetido a julgamento sem consentimento da Assembleia da República”. O número três do mesmo artigo diz que “o deputado goza de foro especial e é julgado pelo Tribunal Supremo”.
Contacto feito na PGR pelo advogado da deputada foi-lhe dito que a instituição dirigida por Beatriz Buchili desconhecia a operação. Também houve esforços para se chegar ao Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael, mas não resultou.
Ao que o SAVANA apurou, o Presidente Nyusi tem conhecimento desse assunto, mas estará a adoptar uma atitude “comedida”.
Na operação para compreender a dimensão do caso, o SAVANA sabe que também foi envolvido Mirko Manzoni, o enviado pessoal do Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres. Manzoni é chefe do grupo de contacto nas negociações entre a Renamo e o Governo que culminaram com a assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional a 6 de Agosto de 2019.
Manzoni terá prometido ajudar neste intricado dossier com contornos políticos. A Renamo e Ossufo Momade também foram avisados das movimentações da justiça em torno da deputada Ivone Soares, mas ainda não reagiram. O jornal apurou que o Parlamento também foi informado, porém ainda não se mexeu. Embora tenha tentado, o SAVANA não conseguiu o pronunciamento de Ivone Soares.
Ligações com Nyongo
O VI congresso da Renamo, realizado em Janeiro de 2019, na Gorongosa, elegeu Ossufo Momade, como Presidente da Renamo, mas afastou na Comissão Política Nacional (CPN), um lugar reservado à chefe de bancada parlamentar do partido na Assembleia da República, que na altura era ocupado por Ivone Soares.
A saída/afastamento de Ivone Soares da CPN foi motivo de apreensão interna e externa, dado o seu crédito e popularidade, sobretudo, junto da camada mais jovem da ala militar da Renamo.
Com Mariano Nyongo a contestar publicamente a direcção de Ossufo Momade e a desencadear incursões armadas na zona centro do país, o presidente da Renamo terá solicitado os préstimos de Ivone Soares para tentar uma negociação/reaproximação com o líder da autoproclamada Junta Militar.
Nyongo era um dos militares mais próximos de Afonso Dhlakama, por seu turno familiar de Ivone, a quem incumbiu das missões mais delicadas na difícil relação com a administração Guebuza, em 2013-2014.
A ideia de Momade era ajudar a encontrar pontes necessárias para o reaproximar a Mariano Nyongo, num esforço para a construção de consensos. Fontes próximas de Ivone Soares fazem notar que o pedido de Momade foi uma “estratégia” para colocar a deputada em contacto com Nyongo e mais tarde alegar-se que é apoiante da Junta, tendo como base os registos de conversas telefónicas.
Já antes havia sido feita a tentativa de colar Soares a Elias Dhlakama, o candidato derrotado na luta pela liderança no congresso da Gorongosa. Segundo fontes internas na Renamo, a ausência de uma forte reacção da direcção do partido, logo após tomar conhecimento das buscas policiais feitas na residência da deputada, reforça a ideia de “perseguição política” dentro e fora da Renamo.
Ivone Soares, que agora é uma simples deputada da Assembleia da República, tem tido até agora uma actuação muito discreta nos trabalhos do parlamento.
SAVANA – 21.08.2020