Recusa ao Malawi de navegação no rio Chire e recusa em discutir exploração conjunta do gás com a Tanzânia são alguns motivos que podem dificultar o apoio da SADC no combate à insurgência em Cabo Delgado, diz analista.
Há muito tempo que diversos setores defendem e têm pressionado por uma intervenção militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) no conflito armado em Cabo Delgado, norte de Moçambique. Finalmente em finais de agosto, o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, confirmou tal pretensão da organização regional, mas sem avançar detalhes.
Sobre a demora ou hesitação da SADC em intervir o analista alemão Andre Thomashausen lembra que entre os "países irmãos" "há muita divisão. O Malawi não tem boas relações com Moçambique, porque Moçambique recusa-lhe o direito de navegação no rio Chire. E o vizinho do norte, a Tanzânia, tem um contencioso muito sério com Moçambique, porque metade da jazida de gás encontra-se em águas territoriais da Tanzânia e há muitos anos Moçambique recusa-se a discutir uma zona de exploração conjunta ou medidas que possam corresponder a essa realidade. Então, esses dois países iriam se opôr a uma intervenção da SADC".
Irmandade problemática na SADC
E o analista alemão acrescenta que "provavelmente a Zâmbia também, e outros países da SADC, tem as suas dificuldades e a África do Sul tem as suas dificuldades."
Por isso supõe-se que a difícil "irmandade" na SADC pode ter os seus impactos negativos para um apoio regional para Cabo Delgado. Por seu lado, Moçambique tem preferido até agora optar por mercenários. As autoridades tratam esta aposta com um assunto tabú e por isso não se sabe o que motiva esta preferência.
Moçambique e o embaraço com os vizinhos
Mas Calton Cadeado, especialista em paz e segurança, alerta: "Repare numa coisa, Moçambique foi primeiro a procura de uma solução externa, primeiro na Rússia depois é que veio aqui para a SADC. Isso per si já cria um embaraço com os vizinhos".
E o especialista recorda que "há muito tempo que a SADC vinha pressionando Moçambique para declarar a situação de terrorismo, mas Moçambique sempre optou por uma abordagem gradualista e isso criou um certo mal estar, um desconforto. Os vizinhos querem apoiar, mas sentem a dificuldade do lado de Moçambique".
Para Thomashausen, Moçambique, país que considera muito pobre, debate-se com o dilema da soberania, facto que pode estar a contribuir para não pedir apoios.
Apoio genuíno da Tanzânia?
E caso se efetive a ação militar da SADC no norte de Moçambique, poderia esperar-se um apoio genuino da Tanzânia, país que estaria a disputar a maior riqueza da região, o gás, com Moçambique?
"Mas se for isso do lado da Tanzânia [não dar apoio bem intencionado] seria um erro estratégico e de cálculo que pode ser contra a Tanzânia a médio prazo, porque a Tanzânia tem o problema dos al-shabab a norte e pode ter problemas de terrorismo se este grupo se agigantar", começa por responder Cadeado.
E alerta que "se se agigantar não é garantido que [o al-shabab] vai permanecer só em Moçambique, sobretudo se persistir a ideia de que a Tanzânia está a dar apoio a estes grupos. E o país não pode rexalar porque tem problemas como Malawi que se pode tornar um problema amanhã".
O que ganharia o exército sul-africano com a intervenção?
E em meio a polémica irmandade na SADC, a África do Sul é dos poucos a mostrar solidariedade para com o seu vizinho, ofereceu as suas forças para combater os insurgentes. Pretória aguarda apenas que Maputo se pronuncie.
Contudo, a nível doméstico, esse é uma tema que não reúne consenso em Pretória. Enquanto políticos se opõem a uma intervenção militar, a ala castrense sul-africana faz justamente o contrário, segundo Thomashausen.
"Os militares estão a favor porque uma intervenção em Moçambique justificaria um pedido de aumento para o orçamento, um pedido urgente para modernização de equipamento", afirma.
Thomashausen revela que "neste momento a África do Sul só tem um avião de transporte em funcionamento, um C-130. E para além dos três helicopteros que tem no Congo só tem mais seis que poderiam ser utilizados na missão em Cabo Delgado".
Mas não basta apenas querer apoio, é preciso ter condições para receber determinado tipo de apoio militar, o que não é o caso de Moçambique.
"Só que para haver operações desse tipo seria preciso uma base logística, porque em Cabo Delgado até a gasolina para a aviação falta e não há apoio técnico para manutenção."
DW – 29.09.2020