Por Marcelo Mosse
Quem nasceu nos princípios da década de 70, cresceu no respaldo libertário da Frelimo. A Independência apanhou-nos na infância e os livros escolares inundavam-nos tanto de fevereiros como de junhos e setembros. Neste último mês, celebrávamos a heroicidade dos combatentes da luta de libertação, a bravura do primeiro tiro, abnegada entrega do Destacamento Feminino.
A seguir do 25 de Junho, o de Setembro era uma data maior, pois tudo começou aqui. (Tudo é a libertação do colonialismo. A Frelimo foi genial na identificação do inimigo: a ideologia fascista do colonialismo português). Por isso, a data foi sempre destacada.
Depois da independência, vieram as FPLM (Forças Armadas de Libertação de Moçambique ) e, mais tarde, a Forças Armadas de Moçambique (FAM). Novos jovens trajando uniformes camuflado e pingos de chuva corporizam um exército que se viu entrincheirado numa guerra de agressão externa.
Uma vez, Samora Machel bancou uma parada militar. Na capa da “Tempo” (esse ícone do jornalismo), uma foto estampava a Avenida 25 de Setembro, na Baixa de Maputo, pejada de canhões e carros blindados e tanques, numa exibição inócua de poderio militar. O asfalto ficou destruído! O peso dos motores dos tanques de guerra e suas rodas de correntes sequenciais danificaram o esplendor duma das avenidas mais “inn” de Maputo.
Não importava! Nossa vida era a guerra. De desestabilização. O 25 de Setembro tornou-se num mote para moralizar as tropas. Mas, com uma guerra devastadora e fracticida, o Exército foi perdendo sua aura. O recrutamento de mancebos tornou-se brutal: operação tira-camisa. Jovens mal treinados foram lançados ao mato para impedir o progresso da Renamo.
E em meados de 80, a noção de um exército infiltrado, desmoralizado, compôs o intricado cenário que envolveu a trágica morte de Samora Machel. Os generais estavam se lixando para a guerra, avultando casos de corrupção. E traição! Um desmoronamento moral e ético total.
Com a transição democrática, a celebração do 25 de Setembro tornou-se coisa corriqueira, banal. E hoje, seus sabores se foram diluindo (já não tem gosto) à medida que os protagonistas do projecto libertário de Setembro de 1964 foram esvaziando o sentido da luta de libertação.
Cada vez mais, essa luta de libertação deixou de ser apenas isso: libertação. Seus protagonistas envenenaram-lhe o sentido. A prática mostrou uma apetência para a privatização do Estado. Quem foi a luta armada, tornou-se cidadão de primeira, uma espécie do antigo colono contra o qual combateram. E em certa medida o inimigo passou a ser a sociedade (como se nota com o actual projecto de expropriação de terras nos bairros costeiros de Pemba).
Esta percepção, não generalizável, algo exagerada, decorre da mais recente entrada em cena de Armando Guebuza. Sua participação na luta armada é usada como instrumento de dominação sobre o Estado e a sociedade, elevando-se ao pedestal da impunidade. Ele, que lutou para a construção de um novo Estado, está nos antípodas desse processo.
De um reacionarismo bacoco, Guebuza, autor moral da saga das "dívidas ocultas" (decorre noutros contextos um debate sobre a equiparação da grande corrupção aos crimes contra a humanidade), dilui todo o sentido da luta de libertação, do 25 de Setembro.
Esta data já foi mais saborosa!
(Cartamz.com)
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