Por Edwin Hounnou
Está a correr, nas redes sociais, um vídeo que mostra quatro indivíduos trajados de farda das tropas nacionais a escoltarem e a chicotear uma senhora de seu nome Paulina Chitai, 48 anos, nua, com os seios descaídos e a conduzirem para um lugar onde seria assassinada. No vídeo ouvem-se vozes a ordenaram a senhora para se dirigir junto a uma mangueira. Uma torrente de insultos dos homens fardados, falando em português, em kimwane, língua que se fala em toda a zona costeira de Cabo Delgado, e changana, língua dominante da região Sul do país, chamando a vítima de Al-Shabab. Depois das chicotadas, a crivaram com 36 balas de AKM. Mesmo já sem vida, continuaram a disparar contra o cadáver. Disparar contra uma pessoa morta, é um acto satânico.
Paulina Chitai foi encontrada quando por militares na companhia do seu filho, Moisés Mtupa, 12 anos, à procura de lenha, foi interpelada e acusada como sendo al-shabab. Os assassinos espancaram o miúdo até à morte e violaram, sexualmente, a vítima. Depois de violentada, escoltaram-na até ao local do assassinato cobarde e diabólico.
A Aministia Internacional denunciou que, em Cabo Delgado, ocorrem graves violações de direitos humanos o que provocou um cínico desmentido do Ministério da Defesa, empurrando culpas para os terroristas, antes de qualquer investigação por mais leve que fosse, formando uma “comissãozinha" para ludibriar os mais distraídos.
O ministro do Interior sacode culpas por cima dos terroristas, sem investigar, parecendo estar a palestrar para imbecis. O ministro da Defesa Nacional avisou que vai apresentar os fabricantes dos vídeos chocantes que circulam nas redes sociais. Isso é conversa para distrair a plateia. As caras dos assassinos estão patentes no vídeo e foram reconhecidas. Segundo fontes seguras, já não pertencem ao mundo dos vivos, para não “piarem”.
O que faz o Ministério da Defesa correr com desmentidos antes de investigar? Quando se trata de uma instituição com a missão especial de defender a pátria, as populações e as instituições públicas, as responsabilidades são acrescidas. Não devem criar dúvidas. Sobre quem anda a matar a população, em Cabo Delgado, temos mais dúvidas que certezas dos desmentidos oficiais. Se o vídeo for postado agora, em menos de uma hora, o Ministério da Defesa já tem o desmentido pronto. Tem medo da verdade? Tudo feito às pressas de coisas que não convencem a ninguém. Nem ao mais ingênuo cidadão do nosso país se deixará levar com trocadilhos de palavras dos ministros ou dos seus porta-vozes. O povo quer a verdade e não dos desmentidos feitos a 100 a hora.
Sobre a persistência das violações dos direitos humanos e da luta contra a liberdade de expressão, de opinião e, agora também, da imprensa que começa com o fogo posto na redacção do Canal de Moçambique, marca a viragem radical contra tudo quanto seja democrático. Não se pode acreditar que os autores desses ataques estejam sozinhos. Alguém muito importante lhes indica os alvos a atacarem.
Se o Presidente Filipe Nyusi não age contra esses grupos, seremos forçados a concluir que estejam ao serviço e actuam sob o seu comando, tanto o G40 como os esquadrões da morte são instrumentos do poder instituído. Se o Presidente Nyusi não se distanciar desses grupos de malfeitores e assassinos, concluiremos que cumprem ordens. Agindo o Presidente contra e se os ataques prosseguirem, não teremos mais dúvidas de que se trata de grupos internos do seu partido para sabotar a sua governação. Ou age, distanciando-se dos malfeitores, ou fica calado, deixando-se confundir com os malfeitores e inimigos do povo. Presidente tem a liberdade de escolher de que lado deseja ser visto.
A nossa experiência militar permite-nos que o que se vê no vídeo não pode ser uma acção de um grupo de soldados indisciplinados. Nenhum soldado pode regar com balas a um cidadão sem anuência do seu comandante. Cada bala tem quer ser justificada perante ao seu chefe imediato. É assim como funciona um comando militar disciplinado, bem treinado e com um comando funcional. Um grupo de maltrapilhos pode açoitar e regar de balas a uma pessoa desarmada, ainda por cima, uma mulher despida e em prantos. Isso podia ser feito por um grupo de delinquentes inchados até à cabeça de pretensões de valentes de meia tigela que se atiram contra uma mulher indefesa.
Estando em Tete como militar, visitámos a aldeia Wiriamu, onde ocorreu o massacre. ouvimos estórias mirabolantes e arrepiantes da actuação do exército colonial. Os soldados colonialistas meteram nas palhotas alguns dos residentes daquela que “desconseguiram", trancaram as portas e atearam fogo. Algumas crianças, não foram encurralados com os pais, começaram a chorar e para fazê-las calar, os militares colocaram-lhes na boca a ponta da arma G3, como se fosse um biberon e puxavam pelo gatilho e a bala saiu pela nuca. Estamos a voltar ao passado de massacres e violações?
Por muitos desmentidos sejam propagados pelo Ministério da Defesa, estão patentes as evidências de que se trata de um grupo de militares das FADM que protagonizou aquele acto bárbaro, o que prova as acusações da Aministia Internacional de que há graves violações dos direitos humanos.
Em toda a nossa carreira militar, nunca vimos nem nunca ouvimos falar de tanta crueldade assim que faz arrepiar os cabelos. Um exército cruel não pode defender a pátria. Não pode defender o povo agredido porque exército) é um agressor por excelência. As forças armadas de um país deve demarcar-se dos terroristas. O povo deve ser a sua primeira prioridade e não o transforma em seu inimigo nem lhe aponta a arma. Isso de descarregar balas sobre um morto é coisa de terroristas.
Aos terroristas não se pode exigir para respeitarem os direitos humanos que a sua essência é matar, porém, ao Estado moçambicano exigimos que respeite, de maneira escrupulosa, os direitos humanos, o direito à vida. Ninguém paga imposto para o governo comprar armas, pagar salários aos militares que viram o cano das armas contra o povo. O povo lutou para não ser morto por uma arma G3 empunhada por militares coloniais e continua ainda a lutar para não ser fuzilado por uma AKM pelos seus filhos.
O povo não lutou para trocar o seu algoz, lutou para viver livre de todos os opressores, sejam brancos ou pretos, estrangeiros ou nacionais. Se a luta de libertação tivesse sido feito com massacres contra a população, a guerra não teria terminado em 1974 porque o povo não teria apoiado os guerrilheiros que volta e meia virassem os canos das armas contra si. A FRELIMO - não Frelimo - teria sido, copiosamente, derrotada pelo exército colonial, se se tivesse comportado como esses assassinos que aparecem no vídeo.
O povo lutou por uma coisa melhor e não para ter bandidos e assassinos. O povo não se deve resignar a viver oprimido e com medo das armas. O povo não tem para onde fugir, está na sua terra. É urgente que o Ministério da Defesa faça uma investigação seria para que a gente fique a saber quem anda a matar a população e sejam, criminalmente, responsabilizados. A verdade tem que se vingar. Não se enferruja. Por muito que tentem esconder, saberemos quem anda a matar a população indefesa em Cabo Delgado.
Sabemos que os terroristas matam a população, resta-nos saber se, também, as nossas “gloriosas" FADM também fazem o mesmo. Este é o maior vídeo que ansiamos ver : quem mata a população? - Respondam-nos com factos e não com desmentidos! Nosso país é carcomido por corruptos e dilacerado por terroristas de lá e de cá.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 23.09.2020