Por Francisco Nota Moisés
Foi em Outubro de 1986 quando me encontrei com o reverendo Chakanza na região de Chire na Zambézia. Antes da sua conversão ao Cristianismo tinha sido um dos mais famosos curandeiros do Malawi que atravessa rios e lagos a pé Eu acabava de regressar de Morrumbala na Zambézia onde tinha tido o prazer de me encontrar com Afonso Dhlakama, comandante em chefe da Renamo, que vinha de Mutarara, Tete, onde as suas forças tinham fortemente sacudido a tropa de Samora Machel, uns poucos dias antes da morte do dirigente da Frelimo.
A minha partida de Morrumbala foi precipitada visto que devia estar no Malawi. O meu visto de turista tinha caducado. Os malawianos admitiram-me ao seu pais, onde o meu pai nasceu quando o território era colonia britânica de Niassalândia, como um turista e não faziam ideia de que eu tencionava ir as zonas libertadas da Renamo em Moçambique. Resolvi o problema do visto com mentiras e elogios do Malawi como sendo um pais muito belo, o que é verdade.
Mal que desci da motorizada do Dhlakama que gostava de se referir a mim como "o meu amigo Nota" conduzido pelo comandante Alberto, o vice em comando do General Evaristo Meque na Zambézia, deparei-me com o reverendo Chakanza, que evangelizava as populações nas zonas da Renamo, particularmente na zona do Chire na Zambézia. Ele estava muito aflito e não tinha vontade de comer a comida que os guerrilheiros da base de Chire lhe tinham preparado.
Depois do comandante da base nos apresentar, o reverendo não perdeu tempo: "Irmão Moisés," disse com muita fé. "estou aflito. Um dos nossos irmãos evangelistas, um dos refugiados moçambicanos que entram para pregar a palavra de Deus, foi preso aqui na Zambézia pela Renamo, visto que, por ciúme, alguns dos nossos irmãos evangelistas refugiados moçambicanos informaram a Renamo que ele é um agente da Frelimo. Como homem de Deus, juro que ele não é um agente da Frelimo. Conheço-o muito bem. Vim aqui para tentar falar com os comandantes a ver se podem interceder com o General Calisto para libertá-lo." Parecia que o comandante e o homem das comunicações receavam enviar uma mensagem sobre o assunto para o General Calisto.
"Penso que vi o homem ontem com os seus punhos atado com uma corda que parecia ter sido feita de palha."
"É esse mesmo." Convoquei o comandante e o homem das comunicações e disse-lhes para enviarem uma mensagem em meu nome para General Calisto, pedindo lhe para libertar o homem. Depois duma hora recebemos uma mensagem do General Calisto dizendo que o homem já tinha sido liberto, instruindo ao revendo Chakanza para aguardar a chegada do homem de Derre, a 100 quilómetros a oriente do Chire, onde a base provincial se encontrava para levá-lo para o Malawi, se quisesse. O reverendo saltou, gritando aleluia muitas vezes antes de se ajoelhar e de me pedir que fizesse o mesmo. Ajoelhei-me e ele rezou a Deus em inglês com muito fervor. Chakanza era um homem educado, apear de ter sido um curandeiro. Ele e eu falávamos em inglês em vez da nossa língua sena.
Até alguns dias mais tarde, eu não fazia ideia da história de Chakanza. O reverendo que chamarei Hilary, um dos missionários brancos que o converteu, disse-me: " Convertemo-lo. Antes, ele era um curandeiro que atravessava rios e lagos a pé e deambulava nas noites na companhia de hienas enfeitiçadas."
Fiquei estupefacto. "Com que poder ele fazia isto?" perguntei. A resposta não demorou. "Claro, com o poder do Satanás," disse o missionário.
Não achei graça na resposta do missionário. Como sena e africano, eu sabia que ele atravessava rios e lagos a pé sem se afundar quando era possuído pelos espíritos dos seus antepassados. E ele perdeu a habilidade de faze-lo depois da sua conversão ao Cristianismo.
Obviamente, a história do Chakanza com que me encontrei na sua casa no Malawi depois de eu ter regularizado o problema do meu visto no Malawi é muito longa para ser contada em detalhes aqui. Contou-me que por impulso divino, ele entrava para evangelizar nas aldeias de Moçambique quando era muito perigoso fazê-lo. E um dia foi detido pela Frelimo e acusado de subversão imperialista e de propagar obscurantismo e metido na prisão. "Quando esperava na prisão, não sabendo o que iria me acontecer, um guarda prisional abriu-me a porta um dia por volta da meia noite e disse me para fugir visto que iria ser fuzilado na manhã do dia seguinte. Sai e andei toda a noite e estive de regresso no Malawi quando amanheceu no dia seguinte."
De regresso para um outro "turismo ao Malawi," desta feita em 1988, o reverendo Hilary, o missionário que convertera o antigo curandeiro malawiano, me informou que o reverendo Chakanza tinha morrido uma manhã depois de se queixar de dores de cabeça.
Fiquei triste. Muito triste.