EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (34)
Bom dia, Presidente. Fico muito contente em saber que enquanto o mundo se debate com um inimigo comum e implacável- a Covid-19-, aqui, ou concretamente na sua família, as coisas andam diferentes. Tudo prospera. Os cães estão gordinhos. As crianças estão bem rechonchudos. É o que se quer.
É muito bom que os filhos do meu empregado estejam bem. Conto com isso para que o meu empregado se esmere no trabalho. Ah, já agora: comprei palha-de-aço para aquelas panelas escurecidas como o breu (cozinhar a lenha?!). Acho que em dois tempos consegue pô-las novinhas como se acabadas de comprar. Está muito motivado. Quando eu disser: “Nyusi limpa o chão”, não vai resmungar. “Nyusi, hoje não tenho dinheiro de ‘chapa’. Terá que fazer os 20 km a pé (só ida) para ir buscar moelas e patinhas de galinha naquele nigeriano amigo do patrão. Diga-lhe para pôr na minha conta”, até há-de ir a correr. Assim é que é. É bom ter um empregado motivado. Eu sou seu patrão mas não sei tudo. Também patrão não significa dominar tudo.
Por isso, empregado, peço-lhe encarecidamente que me ensine a sua técnica de poupar. O pouco que eu lhe pago, em suas mãos, vira milagre. Se lhe pago cinco mil meticais quando houver nesse mês- em duas semanas já chega a um milhão. Daqui a pouco vejo que o patrão será o senhor. Como é que consegue, do nada, multiplicar desse jeito o dinheiro? Esse truque, empregado, tem que me ensinar. Em nome das nossas boas relações. Há mais de cinco anos que trabalha aqui em casa! ´
Por exemplo: soube que o seu filho mais novo, o Angelino, comprou uma Mclaren por qualquer coisa como 500 mil dólares norte-americanos. E não fiquei com inveja. Senti-me importante. É um luxo ter um empregado como o senhor cujos filhos andam de carros top de gama.
Parece que estou a ver os invejosos dos meus vizinhos no dia em que o Angelino lhe trará aqui em casa dessa viatura nova. Vão se morder! Até dirão: “Ah, mas o patrão dele anda no ‘My Love’. Ah, porque o quintal do patrão é de espinhosas…”. Onde é que eles entram na minha relação com o meu empregado? É por isso que lhes andam partir pernas com os tais de esquadrões da morte! Eu sei que estradas deste País não são adequadas para aquele luxuoso carro do Angelino.
Mas isso não é problema dele. Angelino não tem que construir estradas. Não tem que distribuir paracetamol nos nossos hospitais. Não tem que comprar açúcar para que os que fogem da guerra, em Cabo Delgado, consigam, pelo menos, tomar uma chávena de chá. Angelino não está para isso. Muito menos o pai. Cada um com a sua sina.
Se Angelino antecipou-se à estrada, ou seja, preferiu comprar a Mclaren e a estrada (se houver) encontrar- lhe- á pelo caminho, o problema é dele. É como quem primeiro compra mobília para enfeitar o espaço da futura casa. Devíamos até invejar- lhe a ousadiaː sabe que ali onde tem a sua mobilia, um dia haverá casa.
Põe roupa nova, sapatos e tudo, depois é que vai tomar banho!
Estou muito feliz por si. Não vai atrasar mais ao trabalho. Tenha uma boa manhã, empregado. E cumprimentos ao Angelino. Esse miúdo vai longe.
DN – 23.10.2020