Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Necropolítica, é um conceito elaborado por Achille M’bembe [filósofo camaronês] onde ele se propõe analisar a forma com que um determinado Governo, determina como as pessoas vão viver e como elas vão morrer. É a política da morte, ou a política que faz o uso da morte.
Achelle M’bembe é uma referência académica no estudo pós-colonialismo, um teórico erudito, e pensador das grandes questões da história e da política africana, apesar dele próprio não se definir como teórico do pós-colonialismo. M’bembe é Professor de História e Ciência Política na Universidade em Virgínia, nos Estados Unidos e em Joanesburgo na África do Sul, além de ser um pesquisador frequentemente requisitado por várias Instituições de ensino superior ao redor do mundo.
Achille M’bembe têm algumas influências, que são importantes para que possamos entrar no seu pensamento e entender melhor o que ele chama de Necropolitica. Ele dialoga muito com Frantz Fannon, Sigmund Freud, e em especial com Michel Foucault.
E é dialogando com Foucault, é que encontramos a ignição dessa análise, dessa obra Necropolítica, porque nós temos em Foucault, o conceito de biopolítica e também nós encontramos na obra de Foucault a expressão bio poder.
Um primeiro ponto, que eu quero destacar da leitura do Necropolítica de Achille M’bembe, é a ideia de soberania. M’bembe vai dizer; soberania surge com a ideia de Estado-nação e esse Estado-nação surge na transição do século [XV] para [XVI] e se consolida no século [XIX], sobretudo após o evento máximo que é a Revolução francesa.
Na verdade, esse Estado-nação se consolida a partir de princípios universalistas, que seria a ideia de um homem livre, da igualdade, da fraternidade, da justiça, da lei. Seria a ideia de que, o Estado protege a vida. Então, a ideia de soberania seria uma ideia vinculada a racionalidade humana, o Estado surge como um ideal da razão, a razão que protege, a razão que protege a humanidade.
Destarte, Achille M’bembe, de certo modo vai contrariar essa ideia de soberania apontando, que pelo contrário, ao invés de nós estarmos falando de uma razão, que aponta para a vida poderíamos pensar no [necro], ou seja, numa razão política que aponta para a morte. M’bembe no seu livro cujo título acima atirei, vai demonstrar pouco a pouco, com alguns exemplos, que desde a Revolução francesa foram surgindo mecanismos para matar mais pessoas com menos esforços e isso através de diversos aparatos tecnológicos e matérias. No dizer de M’bembe, o Estado-nação na verdade, surge como modo de incutir medo, de incutir terror, de incutir a violência para consolidar o domínio de um determinado grupo social, ou duma determinada classe e garantir a consolidação de um certo status social.
Portanto, M’bembe faz no Necropolítica, uma crítica directa à ideia de soberania e apontando para alguns outros exemplos sobre esse período, que chamamos de idade moderna, quando vai trazer dois [2] exemplos: um seria o exemplo da escravidão. Ele diz, que a escravidão inserida nesse âmbito de Estado moderno, na verdade não aponta para a vida, ela é a negação da vida, ela é a apropriação do homem, ou do outro como um não humano, como de uma propriedade. O escravo seria o desterrado, o pária aquele, que não possuía direitos e que não teria estatuto de humano. Essa condição sua de não humano estaria associada ao viés, que seria racialista, sobretudo no século [XIX] associada ao biológico. Logo, não humano é um negro, e essa consideração podemos encontrar muito bem quando formos a fazer leitura do Crítica da Razão Negra.
O que é que M’bembe está pensando como Crítica da Razão Negra? para M’bembe a razão negra é a construção de enunciados, é a construção de narrativas, é a construção de discursos, de vozes; de vozes que endereçam uma classificação ou uma representação do outro, através de diários, de cartas, de fotografias, de Jornais, de literatura, ou seja, é uma representação que macula a imagem do outro, e que cria uma uniformidade, uma relação simétrica entre África, negro e selvajaria. É como se estivéssemos incutindo uma mentalidade; uma mentalidade que se apropria da modernidade ocidental, e da avaliação de um corpo [sujeito], que por natureza é um pária, é atrasado, arcaico, selvagem e esse corpo seria o negro, e esse negro estaria directamente associado a África. E aí estariam deitadas as raízes, do que, chamamos de racismo é por isso, que se podia matar o negro na colonia, na plantecion, porque ele era uma não humano.
Então, aí estaríamos vivendo sobre o que M’bembe, chama Estado de exceção. O Estado de exceção e eu me apoio em M’bembe é quando alguns grupos possuem direitos a vida, a proteção, enquanto outros grupos dentro desse Estado de conflito, de guerra onde se incuti a violência e o terror estão desprovidos desse privilégio da proteção. É aquele corpo sendo ameaçador pode ser destruído, pode ser exterminado é aí, que ele puxa a categoria do Michael Foucault a biopolítica. É o controle, é a vigilância, é a ideia de tentar domesticar o outro, e incutir no outro o medo, incutir no outro a condição, que ele pode a qualquer momento ser exterminado, porque ele não participa das regras, que organizam àquela sociedade. E duma forma bem objetiva e simples, quando Foucault fala de biopolítica e bio poder; Foucault está falando de formas de controle, que acabam disciplinando os corpos das pessoas. Isso, não aparece apenas nos padrões de beleza, isso não aparece apenas na disciplina com que as pessoas têm que empregar seus corpos no trabalho, mas diz respeito a todo um sistema de manutenção de poder e de controlo social, que Foucault analisou ao longo de sua obra Bio poder.
Destarte, uma sociedade escravista, é movida por uma classificação social; um melhor exemplo, como acontecia no apartheid na África da Sul, e M’bembe nos trás esse exemplo no Necropolítica, pois existiam certos grupos [definição de elite] protegidos por leis, que eram garantidos como cidadão com que obedeciam as normas, e por outro, grupo de pessoas, que não estavam sujeitos à proteção da lei, ou à proteção dessa razão; esses grupos podiam ser exterminados, violentados, enclausurados, presos, discriminados, podiam ser colocados como uma questão do [necro], e podiam até estar sujeitos ou subjugados à morte.
A morte do outro, é a condição pela qual se incute o terror para estabelecer uma ordem social que é vigente, e eu citei esse exemplo, porque M’bembe traz essa prerrogativa, para além da plantecion existe um outro meio, ou outro contexto, que seria o de neocolonialismo do século [XIX] onde novamente bio política; condição de exterminar o outro, que não é humano no caso o colonizado, indígena, o negro onde o [necro] se estabelece como uma razão negra, como uma ideia de uma soberania , que sobrevive a custa do sacrifício dos corpos, que são dados como corpos inferiores.
Em cima disso, M’bembe vai argumentar, que esse controle é mais cruel do que parece, porque ele acaba de facto, determinando como as pessoas vão viver e como elas vão morrer e quem serão esses, que vão viver e vão morrer. Destarte, um dos pontos fundamentais na obra Necropolítica, e que M’bembe faz questão de enfatizar, é a relação de metrópole e colónia, estabelecida ao longo da história em vários capítulos. Nessa relação M’bembe, pontua uma evidência histórica, que é a da violência com que os colonizadores sempre buscaram se impor em especial no continente africano, onde a morte fez parte do processo de dominação e não só…, nunca foi interesse da metrópole fornecer para colónia o mesmo tratamento.
Logo, nós temos a dignidade humana sendo respeitada até certo ponto dentro da metrópole e todo o tipo de atrocidade, violência e crueldade sendo cometida nas colónias. Na sequência, M’bembe nos apresenta a expressão cidade do colonizado.
Cidade do colonizado, deixa de ser algo a ser interpretado na sua literalidade como acima atirei sobre a relação entre a metrópole e colónia.
Cidade do colonizado, tem muito mais uma relação com áreas, que são consideradas negativas, que carregam estereótipos negativos, e que fazem com que as pessoas, que vivam nesses lugares, acabam carregando a imagem de não civilizados, de marginais, ou se é, como se as regras de convivência sociais fossem válidas fora do que ele chama de cidade do colonizado. Até para compreender melhor o conceito vale apena acompanhar àquilo, que Frantz Fannon diz sobre o assunto: «a cidade do colonizado, ou pelo menos a cidade indígena, a cidade negra, a medina, a reserva, é um lugar mal-afamado, povoado de homens mal-afamados. Aí se nasce não importa onde, não importa de quê. É um mundo sem intervalos, onde os homens estão uns sobre os outros, as casas umas sobres as outras. A cidade do colonizado é uma cidade faminta, faminta de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma cidade acocorada, uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada. É uma cidade de negros, uma cidade de árabes. O olhar que o colonizada lança para acidade do colono é um olhar de luxúria, um olhar de inveja. Sonhos de posse, todas as modalidades de posse: sentar-se à mesa do colono, deitar-se no leito do colono, com a mulher deste, se possível. O colonizado é um invejoso. O colono sabe disto; surpreendendo-lhe o olhar, constata amargamente, mas sempre alerta: eles querem tomar o nosso lugar».
Portanto, dentro do colonialismo existia a diferenciação entre quem era cidadão, entre quem era reconhecido pela metrópole e aquele outro, que era apenas um indígena, que não possuía o estatuto de cidadão, que era tido como arcaico, que não sabia falar a língua da metrópole, que não se comportava pelos métodos da metrópole, e para garantir a ordem, o policiamento dentro dessa sociedade colonial se punia; se punia esse corpo do corpo colonizado com a vigilância, mas também com a morte.
Repare! M’bembe, faz a questão inclusive de ao falar sobre Necropolítica mostrar, que é como se houvesse uma separação entre selvagens e civilizados, onde a violência e a morte são encaradas de uma forma na parte civilizada, urbanizada, detentora de infraestrutura, mas onde essas área marginalizadas, elas acabam lidando com a morte, ou sendo configuradas no quesito morte duma forma completamente diferente. Ou seja, a morte passa a ser tolerada em determinados lugares, quando o assunto se trata de determinados tipos de corpos, que são estigmatizados, mas a morte caba tendo uma repercussão completamente diferente e ela não é tolerada por exemplo; em áreas de grupos, que são considerados elitizados.
Por sinal, eu estive fazendo uma profunda leitura sobre M’bembe, e ele faz uma observação significativa sobre a perceção, que o Ocidente faz e tem de certa forma com o holocausto e sobre a história do Continente africano. O que M’bembe argumenta e nos mostra é que, o [genocídio] sempre foi uma realidade dentro do território africano, evidenciando o que ele chama de Necropolítica, mas quando as mesmas regras da Necropolítica foram aplicadas na Alemanha nazista, aí sim… parece que isso chamou atenção das pessoas por se tratar em especial de um território, que não é o território africano, e por se tratar em especial de um povo que não é povo negro.
Logo, a garantia da ordem social, existe quando existe um determinado grupo, que está sujeito a mutilação, ao sacrifício, ao extermínio para garantir essa ordem social. A soberania não traz a vida, ou a pacificação. A soberania vem pela morte, ela vem pelo [necro], e seria o próprio exemplo da luta entre palestina e Israel, que se dá desde o século [XX], onde Israel coloca os palestinos numa encruzilhada dentro da faixa de gaza, passam a utilizar métodos não apenas de tortura, mas de vigilância, de controlo, de policiamento, são esses múltiplos métodos com aparatos tecnológicos, que fazem com que, o outro, aquele, que é um estrangeiro, aquele que é negro, aquele que é etnia, o inferior seja constantemente vigiado e colocado em sujeição, é o que Achille M’bembe vai chamar de Necropolítica.
A Necropolítica, e eu me apoio mais uma vez em M’bembe, é uma política racional, que não aponta para a vida, mas para utilização de múltiplos métodos da tecnologia existentes no determinado contexto para colocar aquele outro, que é o seu inimigo sobre constante vigilância, policiamento, controle e… ainda mais, sobretudo coloca-los sobre a condição de ser exterminado. Essa é a condição do homem [neo], que poderíamos encontrar no filosófico italiano Georgi Agamben, aquele que não está protegido pela lei àquele, que os Estados Unidos chamariam de terrorista.
Destarte, pensando nessa classificação, o Necropolitica se torna central para avaliarmos a[s] nossa[s] sociedade[s], quando nós encontramos um Estado com seu aparato policial, que cria um traçado nas periferias urbanas. Se nós pegarmos os dados estatísticos, vamos ver que os assassinatos e sobretudo os encarceramentos se dão dentro duma faixa da população especifica de jovens, pobres e negros. Essa faixa populacional é a que passa pelo aparato da Necropolitica. É dentro dos subúrbios [favelas/mucecos], é que se deve vigiar, policiar, controlar, porque é lá , que está o inimigo, cria-se essa ideia pela impressa, proliferada pelos discursos mais conservadores, de que, pela violência, ou seja, pelo tiro, pelas armas e pelo extermínio, doutra comunidade/outro nós iremos pacificar a sociedade.
Na verdade, Achille M’bembe, no Necropolítica é extremamente instigante, uma vez que, ele nos faz pensar múltiplos conceitos, significados de soberania associado não a vida, mas a morte. Da mesma forma, ele demonstra, que a ideia de biopolítica, de extermínio, que é colocada em Foucault vai além. Ou seja, é todo um aparato técnico, todo um aparato material de vigilância e controlo sobre uma determinada parcela da população, que é dada como ilegítima, uma parcela da população, que ameaçaria a ordem e por isso, estaria sujeita ao seu próprio extermínio. Então, não há como negar, que se trata de um conceito Necropolitica e Necropoder com link’s fortíssimos dentro da realidade social, colocando dedos e feridas na sociedade, que são extremamente profundas como; os raptos, a corrupção, a exclusão social, a marginalidade, o racismo, o machismo.
Fenómenos aterrorizantes como; a homofobia, como xenofobia, feminicídio, também passam por esse viés. Ou seja, é como se a violência e a morte fossem até certo ponto legitimas em algumas circunstâncias para algumas pessoas e em outras circunstâncias e em contextos para outras pessoas, não!
M’bembe em Necropolítica, investiga formas únicas e novas de existência social, nas quais vasta populações são submetidas a condição de vida, que lhes conferem o estatuto de «mortos-vivos» explicando, que «sublinhei igualmente algumas das topografias recalcadas de crueldade (plantation e colonia, em particular) e sugeri, que o necropoder embaralha as fronteiras entre resistência e suicídio, sacrifício e redenção, mártir e liberdade. Embora o Estado tenha o dever de garantir saúde e segurança para todos (o direito á vida seja universal) a realidade social, num país como o Brasil por exemplo, é marcado por profundos contraste».
Por último, no dizer de M’bembe, o sistema capitalista é baseado na distribuição desigual da oportunidade de viver e de morrer. Essa lógica do sacrifício sempre esteve no coração do neoliberalismo, que deveríamos chamar de necroliberalismo, esse sistema sempre operou com a ideia de que, alguém vale mais do que os outros, quem não tem valor pode ser descartado.
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo, em [01] de Novembro, 20