Por Edwin Hounnou
Trégua é a suspensão das hostilidades militares entre os beligerantes. Não há emboscadas contra ninguém. Pessoas e viaturas circulam sem medo serem crivadas de balas. Os camponeses voltam às lides agrícolas. Os pastores levam o seu gado ao pasto. As pessoas dormem nas suas casas com a certeza de que não serão assassinadas pelos os esquadrões da morte. As armas se calam para dar tempo aos envolvidos na guerra para conversarem e ultrapassarem as suas divergências. As pessoas cantam e dançam ao rufar do batuque, sem medo que as armas foram depostas para dar lugar à paz. Ao primeiro cantar do galo, os camponeses vão às machambas. Com o despontar dos raios do Sol, os meninos vão correndo à escola para aprender a ler, escrever e estudar a vida.
A trégua decretada pelo Presidente da República, ainda que a partir de um encontro entre os seus camaradas poderia ser um ponto de partida, suspenderia as operações militares entre as forças governamentais e a guerrilha da Junta Militar da Renamo (JMRenamo), se houvesse sinceridade teríamos resgatado a paz. Porém, o sangue de inocentes continua a regar as nossas estradas e aldeias. Os deslocados chegam, em massa, aos locais mais seguros, deixando para trás suas machambas, animais e campas dos seus antepassados. A tal Paz Definitiva e Reconciliação Nacional parece não ter passado de uma montanha que pariu um rato.
A busca da paz é um acto de heroísmo e não uma acção que se anuncia a partir de comitês de partidos políticos. Não custa concluir a falta da vontade política pela paz. Anotemos as declarações do Presidente da República: “Não vamos continuar a assistir e a mimar assassinos. Nós não gostaríamos de embarcar para a força, mas se for necessário, em defesa do povo deste País, cumprirmos o que a lei manda – defesa de Moçambique”. Este pensamento não reconciliatório é muito lamentável, principalmente quando vem de um chefe de estado.
Era suposto que a trégua aproximasse as partes em conflito. A guerra do Centro foi provocada pelo Presidente da República e pela liderança da Renamo devido ao excesso de secretismo como trataram a questão da paz. A JMRenamo ataca o povo que viaja nos autocarros e queima centros de saúde que socorre quando tem dor de cabeça, é vítima de malária diarreia ou quando uma mãe vai dar à luz o seu filho. Põe fogo às escolas que iluminam as mentes das crianças e onde estudam o presente e o futuro. Pedimos a responsabilidade ao governo que tem a obrigação de proteger e de defender o povo. Ninguém vai exigir responsabilidade à Renamo de Ossufo Momade nem a JMRenamo.
Olhamos para o governo para que garanta a paz e tranquilidade no país. Se Filipe Nyusi aldrabou Ossufo Momade, vendeu-lhe gato por lebre, isso pouco ou nada diz ao povo. Se o desmobilizado da Renamo recebe oito mil meticais e 10 chapas de zinco para reiniciar a vida depois de largos anos de luta pela democracia, isso pouco diz ao povo.
O povo quer o fim da guerra, como disse alguém de Cabo Delgado que não quer apoios mas quer que o fim da guerra e, segundo informações a circular nas redes sociais, mais tarde, esse “atrevido" foi achado sem pescoço nem língua. Falar, em democracia, é um direito que assiste aos cidadãos, mas nosso país é um grande risco. Quem teria feito isso : os insurgentes ou as FDS?
A pergunta vai para Procuradoria-Geral da República que tem a missão de advogado do Estado. O Estado não é, apenas, o governo, os ministérios, vice-ministros, governadores, secretários de Estado e administradores de distrito. O povo e o território são, também, parte do Estado. Logo, o assassinato do cidadão que disse a Nyusi que não queria apoios, mas o fim da guerra, deve ser esclarecido para que a liberdade de expressão não seja uma sentença de morte.
Pelas declarações do líder da JMRenamo, podemos chegar à conclusão de que a trégua anunciada por Filipe Nyusi foi uma trompeta no deserto, não produziu nenhum efeito. A outra parte (JMRenamo) nem foi contactada para o início de qualquer diálogo. Nhongo disse que durante os sete dias de trégua, houve sucessivas perseguições aos guerrilheiros da JMRenamo, por isso, fracassou todo o tipo de aproximação entre o governo e a liderança da guerrilha. “Não havia trégua e não há trégua. Dentro deste ano pode não haver trégua. Nem no próximo ano pode não haver trégua” – disse o general Nhongo.
Continuando, disse que teve “demoradas conversações” semana finda com o enviado especial do Secretário-geral das Nações Unidas, Mirko Manzoni, a quem denunciou a violação da trégua ao registar novos casos de raptos e assassinatos, durante os sete dias do cessar-fogo pela trégua. “Eu falei ao embaixador Mirko Manzoni, expliquei que amigo já não tem mais serviço aqui. Você só está a passear. Não está a fazer nada”, disse Nhongo. “Esse nosso irmão Filipe Nyusi, é batoteiro. Ele sabe que quando divulgar o nosso documento as queixas que fazemos contra ele serão conhecidas, por ter “rasgado” o que já tinha acordado com Afonso Dhlakama e ter implementado um acordo viciado que assinou com Ossufo Momade”. Portanto, não houve nenhuma aproximação entre as partes beligerantes. Alguns querem guerra por esta dar muito dinheiro aos intermediários logísticos.
Interpretando bem as preocupações da JMRenamo, a questão levantada por Mariano Nhongo é de que havia um pré-acordo estabelecido entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama. Como Dhlakama já não está entre os vivos, Nyusi viciou esse pré-acordo e a Renamo saiu prejudicada. O tira-teimas seria a divulgação desse pré-acordo para que a gente possa saber quem está a jogar gasolina sobre a paz.
Na opinião de Nhongo, se há quem se beneficiou com esse novo acordo, para além da Frelimo, é Ossufo Momade e a sua turma. É este o motivo fundamental que resulta na dissidência da Renamo e empurrou a zona Centro do país para mais uma guerra. Mariano Nhongo exige que o pré-acordo seja divulgado para que todos o possam avaliar. Então, o pais entrou num beco sem saída? – Julgamos que nem tudo está perdido. Os moçambicanos querem paz. Querem sossego. Poucos ganham com a guerra enquanto com a paz ganhamos todos nós.
É preciso dialogar com honestidade e não aquela coisa de piscar à direita enquanto vai virar para esquerda ou vice-versa. Fazendo boladas, pode-se ganhar hoje mas o problema vai surgir nos dias subsequentes. Negociando a pensar no país e não nos interesses de um grupo. Enquanto não se priorizar os interesses dos moçambicanos, o país irá de guerra em guerra, parecendo que os moçambicanos foram condenados para viverem sempre se guerreando uns contra os outros. Ninguém nasce predestinado para fazer guerra. É a maneira errada de dirigir a coisa pública que origina guerras.
O que nos trama, o que trama o nosso país é a sobreposição de interesses. Os interesses de grupos sempre se sobrepõem aos da maioria. Desde a independência nacional o país nunca teve uma agenda nacional, nunca se bateu pela reconciliação dos moçambicanos. Vivemos sempre divididos pela forma como uns querem o poder a fim de se enriquecerem sem o merecer. A causa da nossa pobreza somos nós mesmos e não outros. Não é o colonialismo. São os nossos governantes.
Quem está a “fritar” o país não é o colono branco, esse se foi há 45 anos, nem são as potências estrangeiras que “sorvem" os nossos recursos naturais, mas alguns dos que, ontem, impunham armas para combater o sistema colonial. São os moçambicanos que se julgam no direito de subjugar outros moçambicanos por terem “vencido" uma eleição e ficam com tudo. São os que, depois de fraudes eleitorais, cantam que ganharam com uma vitória retumbante e sufocante e, assim, fazem uma gestão ruinosa do país como se fosse de sua coutada.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 11.11.2020