Jorge, Manuel e Rufino perseguiram o mesmo sonho de milhões de moçambicanos, atravessando a fronteira para procurar melhores condições de vida na África do Sul, mas se fosse hoje não fariam esse caminho, porque a "terra do 'rand' [moeda moçambicana] capotou".
Jorge Mabjaia, 58 anos, deixou, em 1990, quatro filhos, a mulher grávida e 350 blocos de construção que juntou com o salário de professor primário em Moçambique, para emigrar.
Em Alexander, na África do Sul, começou por ser alfaiate e depois passou a pintor numa empresa de construção de um empresário português, mas pressentiu dias piores e decidiu voltar a Maputo e recomeçar com as economias que juntou.
O seu último emprego na África do Sul acabou em 2010, seguiram-se pequenos trabalhos por conta própria e a situação ficou insustentável.
"Aquela empresa que eu deixei [por falência] era uma empresa grande, mas já não existia [porque fechou] e eu nem aproveitei os meus recursos, aqueles valores que eu descontei [para a Segurança Social], porque aquilo 'capotou' de uma maneira que não ajudava em nada", conta Jorge Mabjaia.
Ainda tentou empregar-se noutros trabalhos, mas só conseguia colocações precárias e de curta duração.
"Percebia que aquilo já não estava bom", relata.
Mas uma década de permanência no país permitiu a Jorge Mabjaia juntar poupanças para comprar dois carros e construir duas casas, uma delas "muito sofisticada", como descreve o próprio.
"Pela minha avaliação, consigo dizer que atingi o meu objetivo: os meus filhos estudaram, todos os meus filhos fizeram a 12.ª classe, três estão licenciados. Quando eu saí, depois de ter trabalhado nove anos na educação, só tinha 350 blocos de dez [centímetros de largura]. Foi o que consegui fazer de importante com o salário da educação", repete, encostado ao lado de fora da cabina do seu automóvel ligeiro de carga (caixa aberta).
É com a carrinha que faz transporte de carga para manter o seu sustento e da família.
Jorge Mabjaia é duro quando avalia a situação na África do Sul de hoje.
"Aquilo já é um desastre. Para quem pensa 'agora eu quero ir para a África do Sul procurar emprego', está a queimar tempo, mais vale desenrascar-se aqui", diz.
Sobre um possível regresso, é perentório: "Não, não há essa hipótese".
Os sul-africanos disputam empregos precários que antes recusavam e deixavam para estrangeiros, relata.
"Os moçambicanos é que ensinaram os sul-africanos a vender na rua, a vender tomate e cebola", mas agora são hostilizados pelos seus concorrentes, ressalva.
Também Manuel Munhice, 48 anos, diz que a África do Sul que o seduziu e o fez deixar Maputo - rumando para o Soweto em 1994 - ficou no passado, porque a economia sul-africana já não produz tanto emprego como na altura em que fez milhares de moçambicanos migrarem ilegalmente para a terra de Nelson Mandela.
Emigrar "foi uma maneira de tentar criar as melhores condições de vida, por causa das dificuldades", relata Manuel Munhice, que ficou por lá "mais ou menos duas décadas".
Após trabalhar numa fábrica de produtos alimentares para criança, numa outra de montagem de tetos e por fim numa metalúrgica, ficou sem emprego e decidiu comprar uma máquina de fazer sorvetes com a qual se aguentou nos primeiros meses, após o regresso à capital moçambicana.
"A empresa [metalúrgica], em 2013, encerrou, fomos indemnizados e tentei noutras indústrias, mas as coisas não deram certo", narra.
De regresso a Maputo em 2014, continuou com a venda de sorvetes, acabando por vender a máquina e juntar economias para comprar um veículo ligeiro de caixa aberta com o qual transporta mercadorias.
"Vi que isto [de continuar na África do Sul] não é vida, é melhor eu estar perto de casa. Aquele pouco que se consegue dá para nós dividirmos e decidi largar a África do Sul", frisou.
Rufino Manhiça, 45 anos, também "atravessou a fronteira" para a África do Sul em 1999. Foi jardineiro, motorista, segurança, soldador e supervisor de manutenção numa organização-não governamental (ONG).
A vontade de viver com a mulher e com os dois filhos em Maputo foi mais forte do que o "luxo" que tinha em Pretória e decidiu voltar à terra natal em 2011.
"Em casa, é sempre casa. Eu vivia no luxo, mas a minha família só aproveitava esse luxo quando estava comigo", narrou.
Com o dinheiro que juntou na África do Sul comprou o terreno onde ergueu a sua casa e com os conhecimentos de soldadura conseguiu emprego numa empresa que presta serviços de logística numa multinacional.
"Posso dizer que na base da fé, foi fácil [ter emprego em Moçambique], não vou mentir, se não Deus vai-me castigar", relata.
Para os jovens que ainda acreditam no "mito" da prosperidade na África do Sul, Manhiça não tem dúvidas de que emigrar hoje para aquele país sem qualificações e sem garantias de permanência legal é um erro.
"A África do Sul não é aquela de ontem, daquele tempo dos nossos avós. Mais vale a pena ter uma banquinha [de venda de produtos] aqui na rua e lutar com [a burocracia do] do município", conclui.
A África do Sul, a maior economia da região, acolhe mais de dois milhões de moçambicanos que trabalham nas minas, campos agrícolas e comércio informal.
LUSA – 31.10.2020