Dom João Carlos diz que “é preferível” falar pouco da Unidade Nacional e apostar em “pequenas coisas, que levam à inclusão”.
A combinação pobreza extrema e exclusão social e económica estimulam o extremismo islâmico em Cabo Delgado, que desestabiliza a precária ideia de ‘Unidade Nacional’ em Moçambique.
A posição é defendida pelo Bispo da Diocese de Chimoio, Dom João Carlos; e pelo advogado e antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), Gilberto Correia.
O religioso católico entende que a ‘Unidade Nacional’ continua um desafio em Moçambique, uma vez que o discurso está “desgastado” e inoperante para travar o aumento da pobreza e assimetrias regionais, que contribuiram para a radicalização de posições no Norte do país.
“Na luta contra a pobreza, que foi um slogan inicial do governo, houve muito empenho em todas as áreas, mas a verdade é que temos agora situações de pobreza nas cidades, evoluiu para situações gritantes…já não é pobreza nas zonas rurais, mas na cidade temos gente que passa fome mesmo” disse Dom Carlos.
Oportunidades
Perante oportunidades diferentes, muitos “cidadãos começam a dizer, ‘estamos juntos sim, mas quando chega o momento da partilha, nós ficamos de lado’”, disse Carlos, que sugere que “é preferível” falar pouco da Unidade Nacional e apostar em “pequenas coisas, que levam à inclusão”.
O advogado e antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), Gilberto Correia, observou também que existem há vários anos sinais de que a Unidade Nacional foi reduzida a discursos políticos, pois a prática não “corresponde a algo que esta a ser consolidado”.
“Já chamamos atenção que as nossas práticas políticas estariam a causar estragos ou danos na já frágil ‘Unidade Nacional’, que existe em Moçambique” disse Correia.
“A forma como se olha o relacionamento político entre o partido no poder e os partidos da oposição, a forma como o nosso sistema eleitoral é interpretado - no sentido de que quem ganha, ganha tudo, quem perde, perde tudo - e as recorrentes tensões pós-eleitorais são práticas de exclusão” acrescentou.
Para Gilberto Correia, “aqueles (insurgentes) em estado de desespero já não se sentem como indivíduos que devem defender um Moçambique uno, integro e indivisível, porque eles sentem-se totalmente excluídos”.
Por outro lado, Correia entende que a insurgência no Norte é também um “cocktail explosivo” entre interesses nacionais e estrangeiros, “por o terrorismo ser importado” e ter encontrado fragilidades, sociais e económicas entre os moçambicanos.
“A extrema pobreza, a falta absoluta de investimentos, de emprego, de meios de sobrevivência”, que atingem a população de Cabo Delgado não são problemas de estrangeiros, mas de moçambicanos e resolvem-se com investimentos e políticas que promovem a inclusão, disse o advogado.
Remendos
Ele repara que após vários anos sem se interessar em tentar equilibrar as “assimetrias e exclusão económica muito forte”, o Governo de Maputo criou a Agência de Desenvolvimento Integrado no Norte (ADIN), para tentar canalizar alguns projetos e “como sempre já é tarde (…) eu tenho duvidas que isso só resolva o problema”.
“As pessoas estão a abandonar (os distritos a norte de Cabo Delgado), não conseguem estar lá, como é que se vai criar projectos para que essas pessoas se sintam integradas e incluídas?” questionou Correia.
E o Bispo de Chimoio é pela conversão dos actores políticos, para que a ‘Unidade Nacional’, “com guerra e sem guerra” seja algo que permeia a vida dos moçambicanos.
VOA – 21.12.2020