Governo moçambicano rejeita apoios externos para combater terrorismo no norte porque teria de partilhar "segredos" constrangedores, entende o analista Raúl Braga Pires. Mas Governo defende ser respeito pela soberania.
Em entrevista à DW África, Raúl Pires, especialista nos PALOP com influência islâmica, antevê que a "desculpa" da soberania deixará de ter peso em 2021, pois o terrorismo subirá a um patamar de conflito regional.
DW África: Que preço Moçambique poderá pagar ao não aceitar o apoio militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), no combate ao terrorismo em Cabo Delgado?
Raúl Braga Pires (RBP): O preço a pagar é a situação como ela está, ou seja, imagino que numa evolução da situação de Cabo Delgado vai entrar num contexto internacional, isto é, em 2021 irá transbordar as fronteiras de Moçambique e irá subir para um patamar de um conflito regional, o que vai dar uma outra importância a questão.
Obviamente, enquanto estiver em Cabo Delgado e pela questão da soberania é um problema moçambicano, mas quando extravasar as fronteiras passará a ser um problema regional. É uma questão, em que todos os países estarão envolvidos e terão interesses em resolvê-lo o mais rápido possível.
DW África: Por enquanto parece-lhe que a SADC tem consciência de que isso se pode alastrar a curto prazo?
RP: Com certeza tem toda a consciência disso. Aliás, houve um ataque recentemente, no sul da Tanzânia, em que curiosamente o Ministério dos Negócios Estrangeiros da África do Sul emitiu imediatamente um comunicado. Isso é prova de que tem consciência e está preocupada que isso de possa chegar a um patamar regional.
DW África: Então, como é que se justifica a demora da SADCem reagir a situação dos ataques em Cabo Delgado?
RP: Precisamente porque ainda não é um problema regional, ou seja, ainda é um problema moçambicano, embora Moçambique não seja obrigado a convidar a entrada de forças estrangeiras para o seu território. No entanto, fica sempre bem que seja Moçambique a convidar, portanto, aquilo que tem acontecido é que a África do Sul tem-se colocado à disposição para ajudar no combate aos terroristas e Moçambique tem preferido a via dos contratos com as empresas de defesa e o pedido de armas. Por conseguinte não tem dado preferência a colaboração regional.
DW África: Porquê?
RP: Porque a partir do momento que entrarem tropas estrangeiras dentro do quadro da colaboração regional, Moçambique vai ter que partilhar os segredos militares e territoriais. E depois, para todos os efeitos, a partir do Rio Zambeze para a região norte do país é território dominado pela RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), e portanto, com a presença de uma força estrangeira, neste âmbito e neste território a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), sentir-se-ia desconfortável com isso.
A FRELIMO é um problema nesta questão, mas é quem tem também a chave para a resolução deste problema e até aqui tem optado por outras vias porque não quer dar a face. E não tem tido uma perspetiva holística para o fim do conflito.
DW África: Então, continuar a apostar em mercenários será uma questão do interesse da FRELIMO, mas que a longo prazo sairá caro para os cofres do Estado...
RBP: Claro que sim. E em 2021 creio que as coisas se vão alterar, porque vamos entrar num patamar regional e ao mesmo tempo este ano por exemplo, das leituras que se podem fazer das declarações do Ministério dos Negócios Estrangeiros angolanos, Angola é um país que tem estado a preparar-se a todos os níveis para se colocar à disposição e com soluções práticas para o problema do conflito em Cabo Delgado.
DW – 28.12.2020
NOTA: O termo “fragilidades” não será suave demais?
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE