Para a ativista moçambicana Fátima Mimbire, a PGR devia ir mais longe nas investigações a David Simango, ex-presidente do munícipio de Maputo que responde por um crime de corrupção. "Pode-se chegar a muito mais", diz.
Em Moçambique, um membro sénior do partido no poder está a responder, desde o passado dia 11, por um suposto crime de corrupção. David Simango terá recebido como "pagamento" um apartamento de luxo, por via da sua esposa, por supostas "facilidades" prestadas a elites ligadas à FRELIMO, partido no poder, para a construção de um prédio de luxo. Na altura, Simango era presidente do município de Maputo. Entre outras coisas, é acusado de crime de abuso de função.
A DW África ouviu a ativista social moçambicana Fátima Mimbire sobre o caso Simango.
DW África: Este processo do Ministério Público será genuíno ou visa apenas "mostrar serviço"?
Fátima Mimbire (FM): Até pode ser uma tentativa de mostrar serviço mas eu acho que tentativas como esta vale a pena do que não mostrar serviço. O ponto central aqui é que o processo que pesa sobre o indivíduo, na altura detentor de poder público, se calhar é um processo muito pequeno para a dimensão daquilo que nós cidadãos, munícipes de Maputo, sabemos que foram as arbitrariedades que foram cometidas. Não se trata só de ter recebido um apartamento num prédio de luxo em troca de favores. Há muito mais do que isso. Nós sabemos que há situações de desapropriação de terras que aconteceram aqui no município de Maputo.
Sabemos que há terrenos que foram atribuídos em zonas proibidas, houve obras que foram autorizadas e que não deviam ser realizadas. Portanto, o processo não é só aquele. Se calhar o que a Procuradoria-Geral da República encontrou foi evidência daquele caso, mas se houver interesse, se fizerem mais investigações, acho que se pode chegar a muito mais.
Para mim, é importante que ainda que sejam casos de demonstração de algum serviço, o facto de ser David Simango - que foi ministro, foi governador, um líder sénior do partido no poder, presidente do município por dez anos - o facto de ser um indivíduo dessa envergadura é claro que não estamos a falar de um casinho. É preciso trabalhar muito mais para podermos ter um caso robusto que passe uma mensagem que precisamos passar para a sociedade sobretudo ao nível de grupos detentores de poderes públicos. Penso que a Procuradoria deveria aproveitar este momento e que não se fique só pelo indivíduo que está em causa, o David Simango, mas também os corruptores. Pela primeira vez temos corruptores graúdos, que são visíveis, que tem também obrigações ao nível do próprio partido.
DW África: Então, este caso pode levar-nos a concluir que estamos diante de uma renovação do Ministério Público em Moçambique e também do sistema de justiça?
FM: Eu gostaria de ser bastante otimista nesses termos porque acho que tudo o que nós precisamos enquanto sociedade é de acreditar em alguma coisa. Obviamente que nós temos vários sinais em contramão da Procuradoria-Geral da República de várias outras circunstâncias. Há casos em que a PGR devia ser exigente, atuar de forma célere e não o fez… mas se calhar agora estão a tentar lavar essa imagem trazendo um caso, que não é um caso pequeno.
DW África: Este caso Simango começa a deitar por terra a tese de que a justiça é seletiva em Moçambique? Lembramos o caso das dívidas ocultas que levou muito tempo a chegar à mesa do Ministério Público e serem tomadas as devidas medidas…
FM: Sim, a justiça não pode ser seletiva. E eu espero que de facto não tenha sido fruto de uma concertação politico-partidária, mas sim que seja fruto de um trabalho investigativo, genuíno, honesto, um trabalho de brio profissional que tenha sido feito e que fez com que se chegasse a esta situação.
DW – 23.12.2020