Está em crescendo o coro de vozes que defendem uma urgente intervenção militar multilateral, em Cabo Delgado, numa altura que o radicalismo islâmico ganha forma, em contraste com a capacidade humana e material das forças governamentais, inclusive dos mercenários da Dyck Advisory Group (DAG).
Enquanto Filipe Nyusi se aconselhava junto da Troika, em Maputo, no passado 14 de dezembro, em Harare, o exército zimbabweano estava de malas aviadas, pronto para viajar com destino a Cabo Delgado.
Emmanuel Mnangagwa estava convencido de que da reunião de Maputo, sairia aval para o envio da tropa, sentimento similar terão tido Ciryl Ramaphosa, Mogweetsi Masisi e inclusive Samina Hassan, da Tanzânia. Se enganaram, redondamente. O exército zimbabweano teve de se desfazer das malas, enquanto aguarda novas ordens, que podem emergir em janeiro, quando da cimeira extraordinária da SADC, especificamente para tratar da crise em Cabo Delgado.
Até porque a pressão por uma intervenção militar estrangeira multilateral, em Cabo Delgado, tem sido evidente, sustentada pela teoria, segundo a qual, na guerra contra o terrorismo, nenhum Estado é suficientemente capaz de derrotar o inimigo. No Mali e na Nigéria, tem sido notável que a ausência de um plano estratégico que conte com a intervenção internacional, deu azo ao actual estado da crise, com o radicalismo islâmico a ganhar pujança e a se internacionalizar.
Os líderes da SADC temem precisamente isso. Depois da tomada de uma considerável parcela de Cabo Delgado, teme-se que o inimigo vire os canos para se expandir por outras partes de Moçambique e da região. O Zimbabwe, que tem no porto da Beira e no corredor com o mesmo nome, fonte para se abastecer, é dos países mais preocupados com o evoluir da guerra em Cabo Delgado.
Não surpreende, pois, que Harare se tenha precipitado a discutir os prós e os contra do envio da tropa para aquela parte de Moçambique, para isso dependendo do aval do executivo de Filipe Nyusi, que já tornou público não estar suficientemente animado em abrir portas a uma intervenção militar estrangeira. A África do Sul está hesitante numa posição que leve ao envio do exército a Cabo Delgado, ainda assim, tem pressionado num plano estratégico, tendo pela frente, as sucessivas hesitações do governo-Nyusi.
Recentemente, lembre-se, Jaime Neto dissipou as dúvidas que ainda existiam, em relação ao plano estratégico para a guerra terrorista, quando no encerramento do conselho coordenador do Ministério da Defesa Nacional, onde orientou os oficiais superiores a elaborarem plano a ter como foco Cabo Delgado e válido para 2021.
Quase por essas alturas, o presidente Nyusi a lembrar o respeito pela soberania do país, mas confiando nos veteranos da guerra colonial no auxílio às forças governamentais.
O senador democrata norte-americano, Bob Menendez, critica o uso de milícias numa guerra onde as próprias forças governamentais são fracas, quanto mais as milícias. Na opinião do senador norte-americano, "é trágico ver um país que parecia estar no auge da transformação ser arrastado de volta ao conflito".
Ajudar inocentes e promover a estabilidade
Bob Menendez sublinha a "obrigação" que o governo de Moçambique tem de investir nos próprios cidadãos e reintroduzir uma porção significativa das receitas do gás natural nas províncias onde as reservas naturais se encontram. Para o senador, os Estados Unidos têm "interesse em ajudar a apoiar pessoas inocentes e em sofrimento e em promover a estabilidade".
Agir rapidamente
O patrão dos mercenários sul-africanos que combatem ao lado das for ças governamentais, em Cabo Delgado, Lionel Dyck, alerta que “se não resolvermos isso [guerra terrorista] vai se espalhar para o sul rapidamente e isso será uma catástrofe para toda a região”. Dyck falava numa recente entrevista concedida a um jornal zimbabweano. Revela que o DAG tem em mãos uma aposta extremamente elevada, mas lamenta o facto de as forças governamentais não estarem preparadas e de poucos recursos.
“Temos de agir rapidamente”, alerta o coronel Lionel Dick, antigo militar da Rodésia do Sul, mais tarde do exército do Zimbabwe, homem da confiança da Frelimo, desde os tempos da guerra civil, em Moçambique.
“Algumas das atrocidades cometidas são diferentes de tudo que eu já ví antes e já ví muitas guerras, em muitos lugares diferentes”, frisa, antes de falar do massacre que se seguiu ao ataque ao Posto de Polícia de Quissanga. O referido massacre, de acordo com Dyck, envolveu a mutilação de corpos, cortes de membros “e acreditamos que os agressores comeram algumas das partes dos corpos”, conta o patrão dos mercenários que se encontram em Cabo Delgado.
Apesar da barbárie, o inimigo é organizado, motivado e bem equipado, em contraponto à situação em que se encontram as forças governamentais, os próprios mercenários, segundo conta o próprio Lionel Dyck.
Os sul-africanos operam em Cabo Delgado com dois helicópteros Gazelle, dois ultraleves ‘Bathawk’, um velho helicóptero de marca Allouette, danificado, e duas aeronaves de asa fixa. Há ainda a registar um helicópetro abatido e destruído. Em termos de recursos humanos, 30 homens e em terra quase não possue ninguém e tem uma capacidade limitada de recolha de informação, no terreno.
Por tudo isto, de acordo ainda com Lionel Dyck, a um jornal zimbabweano, “atacamos os campos do inimigo pelo ar e estamos a usar aeronaves para interditar” que este tenha acesso aos suprimentos, por terra e pelo mar. “Tivemos sucesso em desacelerar o avanço inimigo”, mas “esta guerra está longe de ser ganha”, sublinha a mesma fonte, antes de sugerir um programa de selecção e treinamento, “imediatamente, para que possamos colocar bons homens no terreno e conduzir a guerra contra o inimigo, pelo ar e por terra”, assinala. Adicionalmente, “pretendemos movimentar a nossa base de operações para estar mais próxima de Mocímboa da Praia”.
EXPRESSO – 22.12.2020