Por Edwin Hounnou
Desde os primórdios da democracia multipartidária, introduzida pela guerra dos 16 anos, a manutenção no poder do único partido que governa o país de 1975 até ao presente momento, se assenta na composição criteriosa e, especificamente, orientada dos órgãos eleitorais, designadamente, a Comissão Nacional de Eleições, CNE, e do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, STAE. O esquema está concertado de tal forma que o partido seja irremovível do poder e o papel de guardião está reservado aos órgãos eleitorais. Quem desejar chegar ao poder de Estado tem que desmantelar o actual modelo da CNE e do STAE. Sem alterar a composição e o funcionamento da CNE e desmamar o STAE do governo, as eleições continuarão sendo uma grande farsa.
Desdentando a CNE e o STAE, a polícia, os tribunais, GD's, os secretários de bairros apanham pela tabela. As demais instituições públicas que apoiam as falcatruas não terão suporte para continuarem a jogar as suas investidas contra os adversários do regime. Enquanto os órgãos eleitorais organizam as fraudes a polícia e os tribunais sufocam os opositores do regime, assim como aconteceu nas eleições do Uganda em que um veterano “vence" as eleições pela sexta vez. A frente única eleitoral pode não se mostrar eficaz enquanto persistir o actual modelo da CNE e do STAE, concebidos para burlar toda a sociedade. O segredo das fraudes reside na CNE e no STAE que organizam aldrabices e proclamam indivíduos e partidos ilegítimos como vencedores de qualquer coisa.
A única experiência que a Frelimo tem demonstrado possuir, que nós admiramos, é a sua capacidade de delinquir o povo e, nos momentos de abalos, manter uma aparente coesão. Isso até as gangues de mafiosos se unem em defesa comum, como se protegem os ladrões das dívidas odiosas. Grupos de mafiosos matam, roubam e se fazem de incapazes de fazer mal a uma mosca e, por vezes, fingem chorar pelas vidas das suas vítimas. Isso permite que a Frelimo nunca perca uma eleição e obtenha as vitórias retumbantes, esmagadoras e sufocantes, como eles próprios costumam cantar, quando bebem e comem um pouco mais. Até os funcionários públicos – professores, enfermeiros, etc - são cooptados como se todos fossem do partido no poder.
O câncer reside no tipo da CNE que é formada para atribuir a vitoria a quem já se encontra no poder e os partidos da oposição, incluindo a Renamo, servem para, apenas, deixar bonito o cenário da democracia a fim de agradar os parceiros de cooperação. Uma CNE dominada por um partido vai, logicamente, arbitrar a favor do seu partido. As nossas eleições são “para o inglês ver" porque não têm de democracia. A Renamo que tem (ainda tem?) O poder para forçar a justiça eleitoral, está satisfeita e tranquila pelo posto de segundo maior partido. A Renamo lutou para governar? Porque circunscrever-se a municípios e parlamento é muito pouco para um partido do tamanho da Renamo.
A Frelimo apercebeu que o povo acredita na ética de um dirigente religioso, por isso, indica seus líderes religiosos para presidirem a CNE. A CNE é uma encomenda envenenada e com uma figura religiosa à cabeça para fintar o povo. Todos os líderes religiosos que dirigiram a CNE penderam, escandalosamente, o fiel da balança para a Frelimo, criando, desse modo, convulsões sociais que algumas desaguaram em guerras e mortes de moçambicanos que clamavam pela justiça eleitoral. Porquê a Frelimo escolhe líderes religiosos para dirigir a CNE? A Frelimo sabe que o povo acredita na integridade moral de um homem de Deus – seja ele padre ou pastor (de clérgima - gola branca das vestes sacerdotais) ou bispo com solidéu à cabeça (chapéu vermelho que o bispo traz à cabeça). É tempo de o povo deixar de acreditar nas vestes das pessoas através das quais a Frelimo engana o povo.
Para a primeira CNE a Frelimo indicou o Professor Brazão Mazula, padre católico reduzido ao estado laico (previsto no Direito Canônico, cânones 290 a 293) e foi a única que não jogou gasolina à fogueira. A seguir foi Arão Litusuri, um pastor evangélico, andou a meter água do princípio ao fim. João Leopoldo, medico, depois agraciado por Filipe Nyusi com o posto de vice-ministro da Saúde, amputou a oposição de concorrer em nove dos 13 círculos eleitorais. Taimo Jamisse, um pastor metodista, no fim do seu mandato ganhou o cargo de reitor do Instituto Superior das Relações Internacionais.
Chegou a vez do Sheik Abdul Carimo que mandou carimbar o escândalo de Marromeu e permitiu que a população de Gaza fosse como estivesse em 2041, para ilustrar o mau trabalho deste sheik. Agora subiu ao trono de uma máquina de fraudes Dom Carlos Matsinhe, bispo da Igreja Anglicana dos Libombos. Vai mudar alguma coisa? Não sabemos. Chegou para mudar a maneira de trabalhar da CNE ou está aí para a vem matar a sua fome? Poderá sair de lá desacreditado como aconteceu com os seus anteriores colegas que deixaram a CNE pela porta pequena. Os líderes religiosos de hoje não têm carácter, almoçam com o bandido e jantam com o corrupto. No grupo que entregou Afonso Dhlakama à Frelimo, esteve um bispo anglicano de seu nome Dinis Sengulane.
Não acreditamos, tal Tomé, apóstolo de Cristo, embora se diga que a prática seja o critério da verdade. Diz-se, em contrapartida, que um gato escaldado até tem medo de água fria. Temos motivos de sobra para duvidar da honestidade e frontalidade do novo timoneiro da CNE até prova em contrário. Não temos nada contra ele, porém, a experiência nos permitir ajuizar que vai fazer o mesmo que os seus antecessores : favorecer o partido no poder. Desejaríamos que estivéssemos errados neste capítulo, mas a prática que acumulamos nos alerta que nada há-de mudar. Pode mudar para o pior porque se nota que o esforço para camuflar as dívidas ocultas seja gigantesco.
A Frelimo e o seu candidato serão, seguro, favorecidos. Se a Frelimo tivesse uma gotinha de dúvida sobre a fidelidade da figura que propõe, nem por alma do diabo, ocuparia aquele cargo de direcção de anunciar quem vai governar os quase 30 milhões de moçambicanos pelos próximos cinco anos. Os outros sempre anunciaram os resultados agradáveis ao Comité Central da Frelimo e não os apurados nas urnas. Não é por acaso que antes da votação, boletins de voto já abarrotam viaturas e os bolsos dos mais fervorosos da Frelimo enquanto carros da polícia vigiam para que não haja alteração da “ordem" a fim de que as eleições sejam tranquilas e garantam vitorias sufocantes.
Em democracia, as diferentes cores partidárias nos municípios e províncias transmitem confiança de que o país pertence a todos e não apenas a um grupo de indivíduos que se julgam abençoados para governar os outros por tempo indeterminado. Estamos convencidos de que não serão a batina, o cabeção, solidéu ou turbante que conferem a credibilidade à CNE para dirigir as eleições com isenção. O que está mal é o facto de a Frelimo sempre indicar os seus líderes religiosos para manipular e perverter a CNE.
O recurso às religiões põe em causa a laicidade do Estado, plasmada na Constituição. A sociedade civil tem muitas figuras íntegras e nos partidos políticos existem figuras admiradas pelo povo devido aos seus ensinamentos e verticalidade. Ocorrem-nos os nome, como por exemplo, de Teodato Hunguana para libertar os padres, pastores, sheiks e bispos para as suas ocupações eclesiásticas e parar de ser usados por mafiosos. Não basta ser religioso para ser íntegro e credível. Há vampiros de batina ou turbante ou de gravata que ateiam a esperança do povo e incineram nosso o direito de escolher.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 27.01.2021