Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
A raça é o elemento central de formação do mundo ocidental, isso desde o século [XV] para o século [XVI], quando há um encontro entre os europeus com o território africano, e posteriormente a colonização das Américas. É raça e eu me apoio em Munanga, que sustenta as desigualdades, as diferenças sociais, as hierarquias, a exclusão é através da raça que se definem valores, critérios para atribuir status e privilégios. Portanto, esse é um conceito central para tentarmos [diluir] ou pelo menos, tratar um pouco dessa questão do racismo, através do conceito de negritude.
O primeiro ponto para entendermos esse conceito é pensarmos na questão da identidade do Professor Kabengele Munanga, que vai dividir a questão da identidade em três critérios: o primeiro critério é histórico é, como os indivíduos criam laços associativos entre si, através duma história comum. Eles se veem como uma comunidade, como um grupo, como uma coesão, porque eles participaram do mesmo processo histórico, eles possuem uma personalidade colectiva, eles atribuem entre si memórias em comuns isso, cria o elemento de coesão e de unidade.
Esse elemento histórico, e eu me apoio em Munanga, seria àquele que foi dissolvido ou exterminado durante o processo de colonização. É retirar a história daqueles negros, separá-los de suas famílias, desenraíza-los, ensina-los outra língua, ensina-los outra religião. A história forja a identidade quando você retira a história dum grupo você aliena ou está alienando esse grupo.
Um segundo ponto para tratar sobre a identidade, seria a questão linguística, e Munanga, vai ser muito claro e objectivo. Um terceiro aspecto para discutir a questão identitária é no âmbito da ideologia, como esses grupos [povos] passaram por um longo processo histórico de desenraizamento, de escravização, de violência moral, física e de exploração económica, isso criou em determinados momentos situações de resistência tanto que, falamos ardentemente das formas de resistência, de estratégias utilizadas pelos escravos como forma de romper os grilhões que os aprisionavam. Isso, era uma forma de tratar a comunidade por eixo de racionalidade, encontramos aí alguns argumentos para falar de identidade: histórias, língua, religião e ideologia.
Mas, o principal aspecto que devemos levantar de acordo com Munanga é que, essa identidade foi aprisionada, foi constantemente excluída, foi negada para esse corpo sobretudo a partir do século [XV] e [XVI] com o imperialismo e as múltiplas formas de colonização da terra, colonização do corpo e colonização da alma, esse processo que para os autores da decolonialidade como; Walter Mignolo e Aníbal Quinjano vão chamar modernidade e colonialidade.
Quando Munanga, trata da questão de raça vai afirmar que está associada directamente ao conceito de racismo. A raça não existe como uma forma abstracta apenas como classificação. Ou seja, a raça foi utilizada como uma forma de relacionamento social é uma categoria, que conforma o comportamento dos sujeitos é uma categoria ideológica, é uma categoria que tem reflexões nas situações políticas do quotidiano, é uma categoria de dominação, de exclusão e de controlo social. Ao mesmo tempo, que raça pode ser utilizada como uma forma de folclorização, a ideia de democracia racial, de miscigenação onde se negam os conflitos, as divergências e os contrastes dum encontro entre o mundo; dum homem branco e esse mundo dum homem para falar dum encontro mais amistoso, de um encontro mais sensual que teria reflectido numa nação, que não corresponderia a ideia de racismo. Essa é uma ideia de folclorização, que acaba sendo repercutida, também no âmbito da dominação e da sujeição social.
Um principal aspecto para pensar nessa relação raça e racismo é como a raça tem um ponto objectivo de ataque que é a cor da pele. Ela se utiliza da biologia para tentar classificar corpos [indivíduos], através da sua inferiorização e é esse modelo que foi utilizado pelos europeus.
O segundo processo de colonização é, o modelo que retirava o aspecto negativo da cor da pele e traduzia aspecto negativo dentro da personalidade, da mentalidade, do psicológico, da história e da cultura dos negros. Então, essa de inferioridade vinculada a raça, ela saia do corpo, mas tendo como seu principal aspecto o corpo para chegar e alcançar, também o espírito dos indivíduos por assim dizer, toda a sua condição humana nas diversas esferas. Esse é um ponto central e o primeiro na obra de Munanga, a questão identitária como essa identidade de corpo negro foi negada.
Ele passa desse primeiro ponto para discutir um segundo aspecto, que é a formação do conceito de negritude. E para pensar esse conceito de negritude inicialmente Munanga, vai pensar sobre as condições históricas como foi que surgiu essa ideia, essa reflexão que o negro era inferior ao branco.
Para Munanga, isso começa a surgir a partir do século [XV] e [XVI], através da literatura, dos escritos, das imagens da forma como o olhar europeu construiu a imagem do outro dentro dessa relação conflituosa de alteridade. O europeu tendo maior domínio técnico e de armamento ou maior domínio bélico, ele conseguiu se utilizar duma alibi [justificativa] ideológica para tentar garantir, também a sua dominação simbólica sobre o outro era o mecanismo de tentar ensinar o outro que ele era inferior, portanto ele deveria aceitar o seu papel social de escravizado e o seu novo papel de receber a religião cristã.
Isso, acontece desde o século [XV] para o século [XVI], através da construção do que nas Ciências Sociais e eu me apoio em Munanga chama de representação; é uma representação eurocêntrica sobre o negro, essa representação se faz nos quadros, na literatura, nas cartas e ela tem um processo como que evolutivo.
Essa determinação de inferioridade começa pela leitura do clima, que os negros eram inferiores, porque viviam num clima tropical, não só…mas também, começa por uma ideia de linhagem; afinal a linhagem dos europeus é uma linhagem do homem branco, ela não é uma linhagem que advém dos povos muçulmanos ou dos povos nativos dessas novas terras. Destarte, a ideia de raça vinculada ao sangue, também trás essa diferenciação.
Mas, o principal expoente dessa noção de raça no início da colonização e eu me apoio mais uma vez em Munanga é, a ideia das missões cristãs de que, o negro foi amaldiçoado, destarte como estaria no mito camítico filho de Noé, que foi amaldiçoado a se tornar escravo dos seus irmãos e esse mito é que teria passado ao negro a ideia de que, esse seria escravo do branco, teria aí no fundo a justificativa religiosa e Munanga vai demonstrar como é que essas justificativas vão se alterando no decorrer do tempo [história].
E, quando nós chegamos no século [XVIII], nós encontramos a leitura iluminista, que pensa esse mundo dos nativos como um mundo do natural, o mundo do ingénuo, mas ao mesmo tempo encontramos nos escritos de Voultaure a ideia de evolução. Os nativos das terras das Américas eram os mais ingénuos, os mais primitivos possivelmente nós, passaríamos para uma fase do bárbaro, do negro que, também iria se desenvolver até chegar ao estágio de civilização de ser estágio do europeu, de branco.
Note-se que, essa leitura vai ser capturada no século no século [XIX] pelo filósofo alemão Hegel, que vai falar, também sobre o processo de evolução da história, onde o selvagem chega até ao mundo civilizado, e o negro está dentro dessa história como que no meio do caminho. Ele é o bárbaro, ele é violento, ele é o preguiçoso, ele é o indolente, ele é aquele que provoca medo, ele é aquele feio e…etc.,etc.
E, quando nós chegamos no século [XIX], isso dentro dum século de produção industrial, de desenvolvimento de novas tecnologias que é o século do cientificismo nós, encontramos o racismo científico, através das teorias de evolução. É o estudo do corpo e também do crânio dos negros para tentar identificar aí as razões científicas, que explicassem o seu atraso e explicam a sua barbárie, a sua falta de desenvolvimento técnico e económico, e isso foi utilizado como uma justificativa de colonização ou de neocolonialismo no século [XIX].
Logo, àquilo que era a missão cristianizadora, ou seja, salvar as almas dos selvagens nos séculos [XVI] a século [XVIII] é substituída pela missão civilizadora. Nós vamos levar o progresso a esses povos, pois eles necessitam da nossa religião, da nossa ajuda, do nosso apoio. Destarte, o fardo do homem branco é ensinar os negros a se desenvolverem.
Quando nós falamos do racismo no mundo ocidental contemporâneo, e eu me apoio mais uma vez em Munanga, nós estamos falando das múltiplas estratégias ideológicas de construção de representações do outro, que ainda se sustentam e são internalizadas constantemente por múltiplas imagens, discursos e múltiplas formas de expressão de comunicação.
Atravessado esse primeiro momento de tentar explicitar como a imagem do negro foi e é construída Munanga, vai tentar passar por várias formas de assimilação e vai chamar atenção, sobretudo para as Colónias africanas do final do século [XIX] e no decorrer do século [XX].
O que acontece no decorrer desse processo de imperialismo, de colonização é a negação da história e logo da identidade do negro. Cria-se, a perspectiva de que, a história, a cultura, os valores do branco são superiores e por isso, eles precisam ser imitados tanto que, nas Colónias africanas no século [XI] e no século [XX] existia a técnica de assimilação; o negro que aprende a se vestir e a se comportar, a falar a língua do colonizador pode ascender socialmente.
Na verdade, essa técnica era utilizada como uma forma de [embranquecimento], o negro passasse a auto-julgar, a se auto-rejeitar, ele passa a olhar para si e vê dentro de si aquela inferioridade. Ele passa alienar-se, ou seja, a pensar que a sua história, a sua língua, as suas tradições são bárbaras, são selvagens e devem ser substituídas pela história do branco. Ele passa a se transportar para uma esfera de imitação, é preciso imitar as vestes, é preciso imitar a forma de andar, é preciso imitar os cabelos, é preciso imitar a alimentação e… sobretudo a língua do colonizador. Essa era uma técnica de negação e de alienação do negro no decorrer do processo de neocolonialismo e que Munanga, vai chamar atenção para quando essa assimilação vai ser rejeitada, quando é que o negro vai dar conta ou vai pensar sobre como ele têm perdido as suas raízes, como ele se tem distanciado da sua história e vai rejeitar essa assimilação.
Munanga, vai contar um pouco do que, seria essa história da colonização na África, falando de que, dentro dessas sociedades coloniais quem possuía os melhores cargos, as melhores funções eram os brancos oriundos da Metrópole, mas as camadas intermediarias, aquelas famílias negras que eram crioulas, mestiças que tinham propriedades, e também cargos burocráticos começaram a perceber pouco a pouco a sua distância social por mais que existisse uma imitação, uma tentativa de assimilação nunca conseguiam se nivelar ao nível do branco.
Até, porque a personalidade colonial ou o [sustentáculo] do colonialismo é justamente a manutenção das diferenças do status e privilégios pela cor da pele, porque é a cor da pele, que marca a distância social, a distância intelectual, e a distância mental aquilo que seria o negro e o branco. Sendo destarte, esses grupos intermediários na Colónia começam a perceber a frustração não apenas suas, mas também das massas populares, começam a se perceber esse desenraizamento a perda da história, eles começam a perceber ausência da cultura, a necessidade de recuperar os valores e as crenças dos seus ancestrais que é a marca original do que, seria o Continente africano.
Consequentemente, é dentro desse contexto que surge uma mentalidade colectiva; a ideia de resistência uma tentativa de evolução económica e política ao ponto de apontarem para o cenário de independência e de emancipação. Para pensarmos o conceito de negritude nós, estamos observando aqui como uma camada de intelectuais, de famílias, de grupos sociais começam a olhar para perda das suas raízes e a refletir sobre o retorno das suas origens, e essa é uma marca da negritude, é um retorno as origens e esse seria o terceiro ponto da obra de Munanga.
Munanga, vai terminar o seu livro sobre o conceito de negritude, partindo para nós pensarmos quais são os atributos dessa negritude e ele vai utilizar um intelectual chamado Aimé Cesaire, que vai dizer o seguinte: para nós pensarmos o que é essa negritude nós temos que pensar em três aspectos:
O primeiro é a identidade, é o negro reconhecer-se enquanto grupo através da cor da pele e saber, que foi através da cor da pele que ele passou por um processo de desenraizamento e de alienação. O outro aspecto para além da identidade é a fidelidade. A fidelidade, que seria a terra mãe, a África, daquele espaço de onde eles foram desenraizados, de reencontrar essa memória, símbolos que valorizam as suas tradições, as suas culturas e as suas formas de vida.
E, por fim solidariedade, que seria mobilização, consciência de acção. É reencontrar-se com seus pares e, a partir daí do sentimento de revolta em comum reafirmar a sua cor negra.
Repare! Munangá, chama atenção para uma inovação do conceito de raça, retirando o seu aspecto de racismo. A raça aqui é, enquanto aspecto de manutenção da cor negra é de afirmação, é de proposição [de actividade]. A raça se torna um aspecto de mobilização ao invés de observarmos a cor negra como atraso, como passado, como inferioridade, a cor negra é para valorizar o que ele chama de originalidade das raízes.
A cor negra, é ancestralidade, é a cultura oral, são os grandes Rios e Impérios, são as diversas tecnologias, as múltiplas formas de casamento, ou seja, uma cultura extremamente complexa, que existia e existe na África e que abarca o que seria esse passado ancestral dessas comunidades que ao redor do mundo, através da diáspora africana, sobretudo no momento posterior à colonização já na segunda metade do século [XX] e iniciou do século [XXI] começaram a se espalhar pelo mundo todo.
A negritude, e eu me apoio em Munanga é, uma questão de recuperar a identidade e subverter esse papel da cor pela personalidade. O grande aspecto que marcou a tradição ocidental foi olhar para o negro, através da sua cor, marcar a sua inferiorização cultural. A negritude é um movimento de afirmação é olhar para a cor e mobilizar essa cor para pensar o que é afirmação dessa cultura em seus múltiplos aspectos; a negritude é rejeitar a imitação, é rejeitar a assimilação e saber que dentro dessa cultura negra existem diversos elementos ao nível tecnológicos, ao nível mental, ao nível psicológico, ao nível religioso que são extremamente complexos e que não são inferiores ao mundo do branco. Pelo contrário, foi através das contradições que os intelectuais negros encontraram esse mundo dos brancos na primeira metade do século [XX] com múltiplas guerras, com crises económicas e civilização da barbárie que eles puderam observar as diferenças entre seus mundos e o mundo do outro. Essa relação de alteridade para pensar positividade do mundo negro.
É essa a afirmação do conceito de negritude, que ainda subsiste na nossa contemporaneidade, porque nós estamos observando diversos contextos pelos quais subsistem o racismo em algumas sociedades. O racismo ao nível individual [personalista], o racismo ao nível institucional, diversas Instituições pelas quais o negro acaba não adquirindo espaço basta pensarmos em Cursos universitários de advocacia, de medicina, tecnológico, que são ínfimos os números de negros dentro desses Cursos, e também ao nível estrutural.
É por isso, que o conceito de negritude e eu me apoio mais uma vez em Munanga, é extremamente importante para nós percebermos essas diferenças culturais e essa alteridade, não mais como uma forma de inferiorização, e de abertura para a normalização da dizimação do outro, mas como uma forma de expor diferenças culturais, as formas como essas culturas foram tratadas ao longo de um processo histórico de quatro/cinco séculos e que, esse processo histórico ainda sustenta algumas sociedades.
E nós devemos pensar, através da negritude o nosso olhar e criar uma espécie de [estranhamento] demonstrar, que a ideia de cor, de raça não existe biologicamente, mas ela existe política, ideológica e socialmente, por isso, ele deve ser restruturado. A pigmentavam da pele não deve mais dar conta dessa exclusão e marginalização.
Por fim, a negritude, e eu me apoio em Munanga, aponta para cor como um mecanismo, como uma forma de reafirmação de olhar para as origens, de valorizar o que é a sua originalidade não mais nesse sentido de nostalgia, num sentido de olhar para um passado [melancólico], mas como uma tarefa política do presente.
Os negros têm tradição, têm história, têm múltiplos valores que perpassaram processos históricos em comum e isso faz com que eles possam se articular.
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo [22] de Fereiro 20[21]