Por Francisco Nota Moisés
Se o malogrado Daviz Simango nasceu em 1964 como foi reportado, ele tinha apenas quatro anos quando o vi e vi o seu irmão em Dar Es Salaam em 1968. Aquele tempo eu era um jovem em folha e não um bengalense que sou agora, embora não acarrete e não me apoie numa bengala ainda. Já está perto e não muito longe para isto. Mas estou vivo, de boa saúde e com energia como o General Mariano Nhongo disse recentemente sobre si próprio quando se fez ouvir depois dum certo silêncio.
Estava ainda a crescer quando saí de Moçambique em 1967. Era ainda miúdo durante os 4 anos que estive no Seminário de Zobué. O ano que entrei no então seminário, era o menor de todos os rapazes. Havia dois rapazes com nomes de família Nota, um rapaz de Murraça em Sofala, maior do que eu, a quem todos os seminaristas chamavam Nota e eu era chamado Notinha por todos, que era para que os estudantes distinguissem que Nota, se um de nós cometesse uma malandrice ou asneira qualquer. Mas não havia espaço para malandrices ou asneiras no seminário onde existia uma disciplina de ferro de tipo espartano e passávamos a fazer vezes sem conta dia para além de ginásticas diárias por uma hora de tempo nas manhãs. De maneira que não havia nenhum gorducho, excepto caso genito, e barrigudos como a tropa de Felipe Nyusi está cheia deles e de barrigudas incluindo o próprio Nyusi que é o comandante em chefe deles barrigudos.
Nunca gostava de jogar o futebol e o seminário tinha três campos de futebol: um para os menores donde nunca saí para o campo seguinte durante a minha estadia naquela escola, o outro para os médios, e o terceiro para os grandes ou os maiores. Fingia não me sentir bem quando se tratava de ir jogar futebol e passava o tempo a ler. Era no campo dos grandes onde os mais crescidos jogavam. Era também lá onde desafios com equipas externas, geralmente dos soldados da tropa portuguesa e o seminário tomavam lugar. E às vezes quando uma equipa de futebol de Mwanza no Malawi vinha para desafios contra nós.
A equipa dos seminaristas sempre ganhava contra a tropa e também sempre batemos os malawianos, incluindo quando uma vez a nossa equipa foi desafiar os malawianos em Mwanza no seu próprio território. Jovens malawianos que não podiam compreender que nós os colonizados podíamos os vencer, eles os independentes, não acharam graça na sua derrota apesar da agressividade dum dos seus jogadores chamando Banda, cujo nome era também o nome do presidente do seu país. De regresso ao seminário, os dois camiões arranjados pelo chefe do posto da administração portuguesa de Zóbuè para nos tomar para os Malawi foram apedrejados, mas as pedras dos jovens malawianos não acertavam contra veículos em movimento, pelo que nenhum de nós ficou ferido ou recebeu uma pedrada e ficou ferido.
Entre os soldados portugueses que vinham havia pretos, homens em boa forma militar, mas nenhum deles jogava. Eram os brancos que jogavam e os pretos estavam mais interessados em se aproximar de nós e a falar connosco e alguns deles de Sofala ou Tete tinham familiares entre os seminaristas. Todos eles tinham estado no Norte onde tinham combatido terroristas, às vezes designados insurrectos ou bandoleiros, vindos da Tanzânia e estavam cheios de desprezo contra os turras. Eles nos contavam sobre os combates contra os turras.
A regra no seminário era que não se luta, ninguém insulta e despreza qualquer outro. Mas o dia em que havia jogos entre equipas dos rapazes médios organizadas para desafios entre os rapazes de Sofala e Tete, havia realmente guerra de gritos e palavras duras entre os sofalenses e os tetenses e s vezes mesmo empurrões que não resultavam em trocas de punhos. Tais ocasiões eram as únicas quando se admitia tais diferenças e o seminário estremecia com vocês de sofalenses e tetenses a se confrontar visto que os derrotados ficavam zangados com os vencedores.
Regressando ao assunto do malogrado Daviz Simango. Ele era tão miúdo que ninguém dentre nós os estudantes do tal instituto moçambicano falou com ele no dia que eles apareceram naquela na escola da Frelimo. Ele e o seu irmão brincavam no fim dum dos corredores. Era o tempo em que batalhávamos contra a liderança de Eduardo Mondlane e o pai deles Uria Simango se alinhava com o grupo de Mondlane de que ele não gostava. E no fim e ao cabo, foi a sua vacilação que o desvaloriza e de que Samora Machel e Marcelino dos Santos se aproveitaram para não admitir que ele sucedesse a Mondlane. Falarei brevemente disto quando escreverei sobre o chamado Triunvirato da Frelimo, que não foi nada mais do que uma brincadeira de mau gosto contra Uria Simango.
Foi em Nairobi numa atmosfera muito livre que continuei a crescer e me tornei adulto. Lembro-me um dia não ter sido admitido entrar num cinema para ver um filme que continha cenas de amor carnal que era para adultos com a idade de 17 anos. E o vendedor de bilhetes me disse em Swahili: "wewe mtoto kama wewe unataka nini hapa? Kwenda. Rudi nyumbani (o que um miúdo como tu queres aqui? Vai-te embora para casa.") O meu argumento de que eu tinha a idade para ver o filme, não me valeu nada. E o homem já com um tom zangado e uma cara de poucos amigos e gesticulando com os braços para o ar para reforçar a sua ordem que eu partisse, disse: "Ondoka hapa (safas-te daqui."). E daí saí, abatido e regressei a casa para fazer aquilo que sabia fazer melhor: ler e estudar.