ARQUIVO é uma publicação do Arquivo Histórico de Moçambique, editada em Maputo (Moçambique). Dedica parte da edição de Outubro de 1993 ao massacre de Mueda, publicando algumas entrevistas com pessoas que (afirmam) estiveram nos acontecimentos, e com apresentação de Yussuf Adam e Hilário Alumasse Dyuti.
Entre essas pessoas estava JACINTO OMAR da Aldeia de Muatide, Mueda, Cabo Delgado (10 de Julho de 1981) que declarou:
Quando os portugueses efectuaram o massacre de Mueda eu pessoalmente assisti. Nessa reunião estiveram todas as populações de toda a região. Estiveram ern Mueda velhos, mulheres e nós, jovens, que seguíamos os nossos pais. Quando começaram os disparos eu presenciei e tive que fugir. Corri até casa. Chegado a casa quis voltar de novo para Mueda mas os velhos disseram que não devia. Falaram comigo alguns velhos que também tinham estado em Mueda. Os velhos sabiam da perda de vidas em Mueda.
Depois disso, os velhos que haviam escapado ao massacre de Mueda, e mesmo aqueles que não tinham ido a Mueda, decidiram fazer várias notas e confiaram em mim para as levar para Dar-es-Salaam Tanzania). Os velhos disseram que tinham confiança em mim por eu ser esperto. E disseram também que comigo era possível fazer chegar as notas ao destino na Tanzania. Na Tanzania, cheguei primeiro a Lindi, onde deixei a primeira nota. Depois fui para Dar-es-Salaam deixar outra nota e finalmente fui para Tanga deixar a última nota. Quando eu passava as pessoas perguntavam sobre o massacre de Mueda e eu explicava. Depois disso regressei de novo para aqui. Logo a seguir ao meu regresso apareceu o senhor Ntwahumu que veio revistar as minhas malas, que continham roupa.
Ele estava a suspeitar que eu tivesse cartões da Frelimo. Na verdade eu tinha os cartões só que ele não os conseguiu localizar. A partir daí os velhos tiveram mais confiança na minha pessoa, por ver que o senhor Ntwahumu não conseguiu saber onde se encontravam os cartões da Frelimo. Os velhos diziam que eu era esperto demais e decidiram que eu fosse regularmente à Tanzania apresentar aos dirigentes os problemas que afectavam a vida de Moçambique. Portanto, os velhos depositaram toda a confiança em mim.
NOTA:
O sublinhado a vermelho é meu. A palavra FRELIMO nem sequer existia e só foi criada cerca de dois anos depois. Como é que já havia quem vendesse cartões da FRELIMO logo após o “Massacre de Mueda”? Mas é assim que os “historiadores” estão a escrever a História de Moçambique. A verticalidade custa caro e é feita de sacrifícios. E a sobrevivência fala mais alto...
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE