EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (54)
À hora que lhe escrevo esta carta, Presidente, o distrito de Palma está incomunicável, em consequência de ter sido fustigado pelos ataques “jihadistas” esta quarta-feira. E entraram no distrito à luz do dia. Desafiando tudo e todos. Este distrito está sob pressão, desde o início de Janeiro.
O curioso é que Palma foi atacado exactamente no dia em que se anunciou a retoma da construção no complexo de gás natural na região, trabalhos esses que estavam interrompidos desde Janeiro, na sequência de um ataque dos “jihadistas” próximo do estaleiro.
A população está em debandada. E só pode esconder-se nas matas até que a situação volte à normalidade. Que sina!
Palma dista 363 km de Pemba, o porto seguro para os que fogem dos terroristas. Logo é inalcançável a pé. Até onde sei, os acessos rodoviários a Pemba-para quem sai de Palma- estão bloqueados, incluindo a ligação via Pundanhar, a única que tem estado transitável.
E nesses ataques, o exército governamental sempre corre atrás do prejuízo. Serve de bombeiro. Apaga sempre o fogo, quando puder ou quando este for brando. Nunca nos antecipamos.
Jamais ouvimos que as Forças de Defesa e Segurança abortaram um ataque em qualquer ponto de Cabo Delgado. Afinal, não é nestas circunstâncias em que a inteligência militar se faz sentir? O Serviço de Informação e de Segurança do Estado (SISE) tem-se revelado lento na reacção e parco na previsão.
Neste conflito, é como se ele fosse inexistente. A sua única fama é de ter ex-quadros superiores envolvidos nas dívidas ocultas, o vergonhoso calote. Ou melhor: o SISE preocupa-se mais em proteger a Frelimo.
É a sobrevivência dos camaradas que assegura. As falhas do SISE, no conflito de Cabo Delgado, incluem a falta de informações e de operacionalidade desde o início da insurreição, incapacidade de previsão e desconsideração de avisos sobre a radicalização e crescente descontentamento na província, há vários anos.
Em vez disso, o foco têm sido as ameaças internas à Frelimo. Estado para o nosso SISE é o Presidente da República e a sua família e mais um punhado que vai à mesma igreja com eles.
O SISE nunca prestou qualquer informação aos moçambicanos. Mesmo o calote, quando questionado disse tratar-se de informação classificada- o nosso dinheiro?. Nem ao Parlamento, órgão de soberania, presta contas.
E no âmbito desse seu estatuto especial, o SISE só presta contas a um único órgão de soberania: o Presidente da República. E este, por sua vez, tem super-poderes, determinados pela Constituição, no âmbito do modelo presidencialista que vigora no País.
E o facto de o Presidente da República, único órgão de soberania a quem o SISE presta contas, ter o privilégio de não responder ao Parlamento, expõe as limitações deste órgão. Portanto, quem vai dizer o povo e, principalmente, a população de Cabo Delgado o que se passa na sua província?
Desde 2017 que estão a ser fustigados não sabem por quem e muito menos porquê. Ninguém mais trabalha a terra, abandonaram as suas pobres palhotas e pequenos animais, mas nunca ouvimos que os interesses dos generais da Frelimo, em Cabo Delgado, foram beliscados.
DN – 26.03.2021