Por Edwin Hounnou
No tribunal distrital de Dondo, aconteceu um insólito, um fenômeno raro como a passagem de um cometa a rocar a atmosfera terrestre que deixou meio mundo perplexo. O edil de Dondo, Manuel Chaparica, pelo partido partido governamental, contratou José Cheiro, primeiro-secretário do partido Frelimo do Distrito de Dondo, para seu assessor político. O contratado só aparecia nas instalações do município depois das 15.30 h, para assinar o livro de ponto, entrada e saída, quando os demais funcionários da instituição estavam a largar do serviço. A representante do Ministério Público, MP, Lizandra Santos viu que naquela contratação visava drenar fundos do Estado, como é prática corrente em sectores públicos ou em empresas participadas pelo Estado, onde os graúdos da Frelimo se penduram como administradores não-executivos de nada.
A procuradora Lizandra Santos, fazendo-se valer da lei, elaborou o respectivo processo-crime e remeteu-o ao tribunal para o competente julgamento, arrolando o edil e o primeiro-secretário como co-arguidos naquilo que chamou de processo de pagamentos ilícitos. À luz da lei, seria esse o caminho a seguir e não outro por que se enveredou, por ser ilegal, controverso e vergonhoso para uma magistrada que se preze como tal. Vale a pena aqui recordar aos que já não se lembram de que é a mesma procuradora que, em 2020, no julgamento, naquele mesmo tribunal, de seis supostos financiadores da Junta Militar da Renamo, se batia, sem quaisquer provas convincentes, para que os visados fossem condenados a qualquer preço e pela medida grande, procurando, dessa maneira, ter alguma visibilidade política até por motivos menos abonatórios e ridículos. A procuradora Lizandra Santos não conseguiu alcançar os seus intentos devido à inteligência do juiz da causa. Mesmo assim, não conformada, ela recorreu da sentença.
A magistrada Lizandra Santos volta, desta vez, a aparecer a retirar a acusação que havia deduzido e remetido ao tribunal contra aqueles dois camaradas, alegando que agiram daquela maneira por desconhecimento da lei. Não é preciso que alguém tenha passado por uma faculdade de Direito para saber que o desconhecimento da lei não constitui nenhum atenuante à condenação. Qualquer leigo em matéria de leis sabe muito bem que não se retiram nem se abrandam as consequências de um acto ilegal praticado por desconhecimento da lei. Lizandra Santos jogou muito baixo e provou que ela age ao sabor de recados dos políticos. Surpreendeu a todos pela negativa e a esse erro grave não se deve pela sua incompetência técnica. Ela cursou Direito, logo tem conhecimentos para não fazer aquilo que fez. Algo de muito grave deve estar por detrás dessa atitude. Ela estará a sonhar com um cargo à custa de obediência a um comando político?
Um magistrado do Ministério Público, por sinal nosso amigo, dizia que não escolheu cursar a Magistratura do Ministério Público porque muitos dessa classe são aliciados a servir interesses políticos, ou seja, não desejaria ser moço de recados da Frelimo. A situação pode piorar quando se tem problemas de carácter e aí lhe podem dizer para acusar a este ou aquele ou mesmo retirar uma acusação contra fulano e beltrano. É mesmo isso que estamos a assistir com a magistrada Lizandra Santos. Esse modo de trabalhar deve deixar toda a classe de magistrados do Ministério Público corada de vergonha, pois, retira-lhes o peso e respeito que a profissão confere. Um magistrado que recebe recados de políticos, suja a classe e mancha a profissão, demasiado nobre que não é para os fracos que recebem recados como devem conduzir um processo. A magistratura é para pessoas fortes e com caracter. Quem não tem capacidade para dizer “não”, aconselha-se a seguir uma outra profissão que não implica ter que receber recados de políticos, nem mesmo do mais alto magistrado da Nação.
Os seus superiores hierárquicos não se devem cobrir de silêncio, fingindo que nada de vergonhoso tenha acontecido. O procedimento da magistrada Lizandra Santos é muito mau e, sem mais delongas, medidas corretivas devem ser tomadas com a maior urgência possível antes que seja tarde demais porque a tecto da casa do Ministério Público, em Dondo, está chamas e caiu em descrédito. Diz-se que o Ministério Público é o advogado do Estado, porém, o que vemos, em Dondo, entra em contradição com o que a doutrina manda dizer. Gostaríamos de ver uma comissão de inquérito a trabalhar neste assunto para depois vir cá para fora explicar o que se passou. Não nos pugnamos para que os dois sejam condenados, mas, nos batemos para que tudo fique esclarecido.
Se os co-arguidos se sentem livres, então, têm culpa no cartório. Se tivessem a consciência tranquila deveriam exigir que o caso prosseguisse e fossem absolvidos pelo tribunal e não através de recados políticos. Em qualquer lugar para onde estiverem, serão vistos como uns fora-de-lei que se beneficiaram de pagamentos ilícitos e não condenados por se beneficiarem da simpatia de algum camarada com influência bastante. Vimos julgamentos de quadros superiores àqueles dois. O antigo chefe do Estado General, General Marcos Sebastião Mabote foi preso, acusado de ser o cabecilha de um golpe militar. Em sede de julgamento ficou provado que não passava de intrigas intestinais. Foi restituído à liberdade. O mesmo foi com o general José Moiane, foi solto e passou a levar a vida como um cidadão comum. Ninguém o apontava dedo como um golpista. O mesmo se passou com ex-ministro do Interior, Manuel António. A antiga ministra do Trabalho, Helena Taipo, está a apodrecer na prisão, por falta de um forte padrinho capaz de dizer à Procuradoria-Geral da República para desanimar do caso.
O antigo ministro da Justiça, Abdulremane de Almeida, foi acusado de usar fundos públicos para fins pessoais, viajando, em peregrinação à Meca à custa de fundos do Estado. Foi preso, julgado e condenado. Saiu da cadeia e anda aí, sem precisar da bengala do Ministério Público. Neste momento em que escrevemos este artigo, está na cadeia o antigo ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, à espera pelo julgamento. Depois do desfecho do seu caso, vê-lo-emos a tomar o seu café numa das esplanadas da cidade de Maputo, redimido e a levar a sua vida para frente.
Se Manuel Chaparica (é o mesmo que mandou fazer ligação clandestina da corrente eléctrica da EDM ao edificio do Conselho Municipal de Dondo) e José Cheiro forem indivíduos sem carácter, devem ter dado uma grande farra de arromba pensando por ocultação da verdade que lhes cadeia certa. A inocência prova-se em juízo e não através de recados de dirigentes políticos. O volte-face que se viu, não acreditamos da convicção de Lizandra Santos, mas sim, uma acção de alguém muito importante e com peso bastante no seio do Partido/Estado. Continuaremos a pensar de tal maneira até que surjam evidências a indicar o outro. Achamos que, na Frelimo, há filhos e afilhados. Os filhos são protegidos quando em conflito com a lei e os afilhados são jogados à fogueira.
A Frelimo deixa a uns enfrentarem a barra da justiça enquanto outros são protegidos que mesmo depois de pagamentos ilícitos continuam como heróis. Temos vergonha pelo que se passa na justiça. Temos motivos suficientes para pensar que o poder político manda na justiça. Alguém do poder deve estar a manchar o sistema da justiça, ditando-lhe o que deve fazer e o que não deve fazer. Por isso, a nossa justiça é forte para os fracos e desprotegidos e muito mole para com os fortes e manda-chuvas.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 31.03.2021