Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
É impossível quase separar a Antropologia da conquista que o ocidente fez sobre os outros povos e outras civilizações se impondo sobre outras civilizações. Uma conquista que significou para alguns povos a completa destruição, para outros a submissão. E nesse contacto a interferência, que o homem ocidental fez na cultura do chamado “estranho”, o chamado “outro” termo que nós usamos bastante.
Quem é o “outro”? Aquele que eu considero estranho na minha civilização, aquele do qual eu não pertenço e ao olhar para ele, eu percebo as diferenças que ele tem em relação ao que eu significo. O “outro” é sempre o estranho, porque ao ver os hábitos, os costumes, os valores culturais do “outro” eu vou fazer um olhar meu da minha cultura sobre “outro”, eu vou julga-lo, vou usando os meus valores e ele é uma negação do que, eu sou.
E… estudar o ser humano em toda a sua totalidade é, a grande função da Antropologia. Ou seja, compreender os significadas das suas pequenas coisas; entender os [rituais] desse homem, aquilo que dá sentido ao seu momento, ao seu dia a dia e… compreender com isso quem esse homem é. Entender esse homem na sua totalidade significa compreender esse homem em todos os actos que ele pratica.
Em todos os lugares aonde ele está, em todas as instituições onde ele frequenta; quais os significados destas instituições, o que elas representam na totalidade do conjunto social são, também a função da Antropologia.
A própria natureza foi para as primeiras civilizações deuses, ou seja, elementos inexplicáveis, forças que fugiam da capacidade humana de entender o que está a volta. Mas, ao longo do tempo com o domínio desses homens parte desses elementos considerados naturais foram-se transformando em elementos racionais, ou seja, compreensível para a lógica humana.
Quase todas as civilizações, que se encontravam com outros povos olhavam para esses povos e consideram que eles eram inferiores, à forma que esses povos estavam em uma condição limitada os ocidentais fizeram isso com muito mais eficiência. O ocidente se construiu como uma civilização, capaz não só, de olhar o “outro” como um inferior, mas também como alguém que necessita de ser melhorado. Um dado importante, o ocidente não só… passou a considerar o “outro” como inferior; coloca o “outro” na condição de ter que ser melhorado, ter que ser aprimorado e fazer o “outro” de civilizado como o ocidental.
É como bem diz Severino N’goenha: «o Ocidente na sua grande busca planetária, na sua expansão e conquista iniciado pelas nações ibéricas [Portugal e Espanha] o que a civilização ocidental mais buscou foi ela mesma». Ou seja, que o ocidente mais queria buscar com os povos “estranhos/exóticos” encontrar no “outro” era a si mesmo; o ocidente buscava uma resposta de quem ele era no “outro”., em outras palavras, o que Ocidente mais fez foi a ocidentalização do mundo.
A busca de transformar o mundo no [espelho] do ocidente, e o ocidente se dedicou muito a isso. Muito o que aconteceu com outros povos nada mais foi que a grande conversão ocidental sobre o planeta. Essa expansão europeia, essa civilização que se constituí de forma complexa se impôs sobre muitos; os egípcios, talvez não pretendiam essa imposição, assim como a civilização islâmica ou chinesa por exemplo. A china foi uma civilização, que a própria muralha da China, talvez explique e se expresse muito o que é a China.
Porquê que nós construímos muros em volta dos nossos territórios ou de nossas casas? A principal intensão nossa com os muros em volta de nossas casas é, não ter contacto com o “estranho”; evitar a presença de “estranho”. Ou seja, impedir o que nós chamamos de estrangeiro ou bárbaro venham invadir o nosso território; evitar que o “outro” venha ocupar o que é meu.
Na verdade, os ocidentais invadiram o território dos “outros”, partiram muros, romperam as fronteiras, por isso que as civilizações são diferentes e se constituíram com interesses e perspectivas diferentes. Talvez no caso dos egípcios, a expansão egípcia que chegou a ocorrer foi menos intensa pelo próprio Nilo, pela originalidade do lugar de onde vieram os ocidentais.
O estranho, o “outro”, o olhar sobre o “outro” é sempre de preconceitos, ou seja, o “outro” é aquele, que reage e faz reagir em nós o que nós somos; faz reagir em nós o que é a determinação das nossas identificações e dos nossos [valores]. Nós condenamos muito no “outro” aquilo, que nós menos não gostamos ou gostamos de afirmar em nós.
O exemplo típico dessa condenação quanto tempo os cristãos consideravam que o estranho era um ser sem alma? Obviamente foi quando o ocidente se apoderou da América, e ocorreu lá uma escravização e uma grande escravização dos africanos. O olhar que o ocidente estabeleceu sobre os africanos para poder escravizar, a justificativa e…, quando falo da justificativa tem que tomar muito cuidado com isso.
E quando falo de justificativa, não estou falando de uma justificativa criada de forma intencional. Não! Não é isso. Não é o ser maldoso, que diz vamos dizer que estamos fazendo algo, que estamos escravizando os africanos, porque eles não tem alma. Não! Não é isso. É uma visão pequena do que, a escravidão que foi instituída.
Quando o ocidental observa o africano, vê como “outro”, como estranho. Estranha, nega, rejeita os hábitos culturais do “outro” e o enquadra nos hábitos culturais ocidentais, ele tem um olhar ocidental cristão de supremacia. Ele observa o “outro” com os olhares de um cristão.
O Cristóvão Colombo, chegou a América com a Bíblia na mão; olhando a Bíblia e tentar entender o que era aquela terra estranha pelas palavras divinas. O Colombo era um homem que queria desafiar os conhecimentos que Igreja tinha instituído na Europa. O Colombo, era demonstração clara da circunavegação, da circunferência da terra.
O Colombo era o desafio da ideia que se tinha, que o oceano acabava numa cascata, no meio, o Colombo foi nos seus actos históricos uma ruptura, mas esse Colombo, ser humano do seu tempo que anda com uma Bíblia na mão, olhando para as terras que acaba de desvendar e tenta encontrar o sentido divino do cristão para o “outro” para o estranho.
Esse olhar de o Colombo é o olhar de todos os ocidentais e os ocidentais terão sobre o mundo. Esse olhar do Colombo, é o olhar que o ocidente vai estabelecer sobre as terras conquistadas. É esse olhar do Colombo, que nós chamámos do ocidente, que também mais tarde vai justificar a escravidão do indígena e dos africanos.
Não é intencional a maldade do Colombo. Não é o Colombo ser perverso é um o Colombo ocidental, homem do seu tempo, o homem por inteiro que tem os seus hábitos quotidianos e que é capaz de romper com a ideia moral sem abrir mão dos rituais quotidianos que as vezes até justificam essa ideia.
O mesmo Colombo, que desafia a autoridade do clero, é o mesmo colombo que reza todas as noites, que afirma antes de chegar a América ter visto [Nossa Senhora] várias vezes e que, a sua descoberta é uma descoberta cristã.
Portanto, não se pode ter essa visão pequena [míope] da Antropologia e, a Antropologia permite muito isso de trabalharmos com símbolos, significados, as instituições sociais, ainda mais, quando encontramos o estranho, o “outro” e achamos que isso tudo é uma luta entre os cruéis ocidentais, os gananciosos mercantis, que queriam a riqueza, que fizeram de todas as visões torpes e cruéis, de todas as justificativas insanas para se apoderar da ingénua África do seu povo gentil e dos nativos.
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo, aos [14] de Marco 20[21]