O ministro da Agricultura moçambicano, Celso Correia, esteve em Ntocota, onde anunciou que Cabo Delgado vai receber 1,1 mil milhões de dólares para apoio à crise humanitária e investimento agrícola.
O foco será investir no desenvolvimento sustentável, mas o primeiro pacote de 100 milhões de dólares ainda pretende acudir à emergência
Dezenas de crianças deslocadas correm por Ntocota, norte de Moçambique, a aldeia escolhida pelo ministro da Agricultura, Celso Correia, para revelar que Cabo Delgado está à beira de receber 1,1 mil milhões de dólares (910 milhões de euros).
“É um dia de esperança”, refere.
“Hoje vamos assinar o programa dos 100 milhões de dólares (82,8 milhões de euros), foram aprovados [pelo Banco Mundial] 700 milhões de dólares (580 milhões de euros) e acreditamos que no prazo de um mês vamos assinar o restante que perfaz 1,1 mil milhões de dólares (910 milhões de euros)”, descreve o governante que tutela a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) no final de uma visita à aldeia.
A Ntocota também vão chegar verbas doadas pelo Banco Mundial através de candidaturas da ADIN e de acordo com um plano estratégico de desenvolvimento que está em finalização.
“Investir um milhão de dólares numa região só é inédito em Moçambique e vai ajudar a solucionar o problema que estamos a enfrentar”, sublinhou Celso Correia.
O foco será investir no desenvolvimento sustentável, mas o primeiro pacote de 100 milhões de dólares ainda pretende acudir à emergência e será celebrado esta quarta-feira numa cerimónia liderada pelo Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, em Pemba.
A doação do BM à ADIN será entregue ao Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS, sigla inglesa) para construção de infraestruturas e, por outro lado, haverá iniciativas de criação de emprego, tudo nas aldeias que acolhem deslocados.
Em Ntocota, distrito de Metuge, vivem cerca de 6.000 deslocados por causa do terrorismo em Cabo Delgado, pessoas arrancadas das suas terras e obrigadas a começar tudo de novo no meio do campo, nestas novas zonas de reassentamento delimitadas pelas autoridades.
Alinham-se centenas de casas de caniço, cobertas por lonas, sinal de chegada recente, com hortas que começam a ter produtos agrícolas, que Celso Correia quer voltar a ver dentro de seis meses.
“Vou voltar”, diz à população, explicando aos jornalistas que nos próximos tempos espera ver uma escola melhor, campos de produção mais bem organizados, abastecimento de água, melhores condições sanitárias e casas.
Estruturas mais simples, como salas de aula e unidades de saúde, “poderão começar a ser visíveis” nas povoações de Cabo Delgado “dentro de três meses”, refere Rainer Frauenfeld, diretor para a África Austral e de Leste do UNOPS, que também passou por Ntocota.
Além de infraestruturas, prevê-se nesta primeira fase a criação de 32.000 oportunidades de emprego agrícola e igual quantidade em serviços sociais simplificados, com formação inicial de 48 horas e subsequente ao longo da atividade.
Celso Correia espera ser possível levar o pacote de arranque a “grande parte das famílias afetadas” e depois, “com os recursos [700 milhões] anunciados hoje” será dado “o salto desejado de desenvolvimento”.
Numa altura em que a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) propõe o envio de tropas para o terreno, Celso Correia sublinha que “não é a resposta militar por si que resolve o problema”, mas sim uma conjugação de fatores.
Entre eles indica “o investimento, o desenvolvimento” como preconizados pela ADIN, “a capacitação das Forças de Defesa e Segurança (FDS) e o envolvimento da região, com esta ‘inteligência’ [recolha de informação] e capacidade de antecipação”, referiu – antecipando que, com estes ingredientes “os próximos anos serão muito melhores”.
Assim espera Tamimo Amade, 35 anos. Era pescador em Quissanga de onde teve de fugir há um ano, quando a sede de distrito foi atacada e perdeu familiares. Hoje, apesar das pesadas recordações e de ter um novo terreno em Ntocota, a fome aperta e ainda pensa em voltar à vila de onde foi obrigado a sair. “Se fosse possível, gostaria de voltar. Casa é em casa”, resume.
O ministro que tutela a ADIN também ouviu o mesmo desejo e nota “um sentimento genuíno de querer regressar a casa. A política de fixação [de deslocados] terá de ser bem pensada” e a prioridade do Governo será sempre “devolver as pessoas ao espaço preferencial, a sua casa”.
Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes segundo o projeto de registo de conflitos ACLED e 714.000 deslocados de acordo com o Governo moçambicano.
O mais recente ataque foi feito em 24 de março contra a vila de Palma, provocando dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.
As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás com início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.
LUSA – 28.04.2021