Por Edwin Hounnou
Os raptos iniciaram em 2011 e o fenómeno foi crescendo de frequência e de intensidade sem que, no horizonte, desponte qualquer solução que trave ou responsabilizem os seus autores materiais e mandantes. O descrédito das autoridades chegou a tal ponto de, quando acontece um rapto, os familiares das vítimas procurarem negociar com os raptores, como se a polícia e Ministério Público não existissem. Muitos pensam que vale a pena negociar com o bandido que mostra a cara, numa indirecta de que, no negócio, estão metidos importantes agentes da polícia que não se podem apresentar como os mandantes nem como interessados. Acredita-se que o valor que se paga como resgate é dividido pelos intervenientes, desde os autores morais e materiais, por isso, os crimes de rapto não são esclarecidos. Os raptos são um mistério, para alguns são intangíveis.
A impunidade transformou os raptos em actividade económica bastante rentável. Um grande negócio. Fabuloso. Pela aparente incapacidade da polícia de por termo aos raptos, pode-se concluir de que se trata de uma actividade dos graúdos, de que detém poder para dizer à polícia com que velocidade se deve movimentar ou para esquecer de perseguir os criminosos ou para, apenas, fingir que está a trabalhar. O que se ouve dizer que “estamos no encalço" serve para adormecer a opinião pública menos exigente, transmitindo, assim, uma falsa imagem de um bom empenho inexistente da polícia. Quem anda metido nesta obra, como se pode concluir, não pode ser um qualquer polícia. Deve ser um com poder bastante e com uma voz contundente de comando.
Enquanto não houver vontade política, a luta contra os raptos e branqueamento de capitais será sempre inglória e condenada ao fracasso. Tanto a polícia como o Ministério Público sabem o que deveriam fazer a fim de acabar com este negócio, mas não mexem uma palha porque os donos do negócio ainda desejam continuar colectar dinheiro por extorsão. É uma grande falácia dizer que os raptos existem em todos os países e aqui não é nenhuma excepção. Pretende incutir nas pessoas o conformismo e aceitarem a extorsão como algo normal. Mas, lá os raptores e seus mandantes são presos, julgados e bem condenados, enquanto entre nós, somente se diz que “estamos no encalço”.
O aumento de casos de raptos se deve à aparente ineficácia da polícia e do Ministério Público. Os raptores já não temem ser filmados e perseguidos. Eles buscam as suas vítimas em qualquer lugar, seja na rua, nos cafés, consulados, esplanadas ou mesmo em casa, quer seja de dia ou a noite, por saberem que nada lhes vai acontecer. Os parentes dos raptados, quando chega a vez da desgraça, ficam atentos a chamadas telefónicas porque, a qualquer momento o celular toca para anunciar a exigência do resgate.
Até aqui, de entre todos os raptos ocorridos, conhecemos, apenas um que a polícia se empenhou para o seu resgate. Foi o de Rizwan Adatia, proprietário do supermercado Recheio e de outras iniciativas beneficientes, em Maio de 2020, graças à pressão económica do primeiro-ministro da Índia sobre Filipe Nyusi, que tinha uma relação privilegiada com a vítima. E os que não têm relação de proximidade com governantes de seus países de origem, ficam sujeitos à extorsão, torturas por criminosos mimados.
A polícia recebeu ordens para que tudo fizesse a fim de libertar Rizwan Adatia e assim aconteceu. Esse depois deixou o país por entender que não é um lugar seguro para fazer negócio. A polícia tem a capacidade de combater os raptos e levar à barra da justiça os raptores e seus patrões, mas nada disso acontece devido às interferências dos cabecilhas do sindicato de criminosos que o governo teima em não desactivar, por razões que se podem imaginar. Os raptos interessam, economicamente, a alguns grupos que detêm o poder ao nível muito mais alto do Estado, muito mais alto do que se pode imaginar.
Quando o governo entender interromper, pode parar com uma só voz de comando, como foi no caso do cidadão indiano Rizwan Adatia. A polícia é bem capaz.
Esta postura faz de Moçambique insignificante no seio das nações por não termos capazes de nos defendermos a nós próprios, por vezes, fechamos as portas às ajudas dos outros, por orgulho assente em nada. Recordamo-nos do empresário português, Américo Sebastião, raptado, em Nhamapaza, distrito de Maringue, província de Sofala, em Julho de 2016, que até ao presente momento, ninguém sabe do seu paradeiro nem do que fizeram com ele. A polícia judiciária portuguesa ofereceu-se para ajudar na investigação, mas, o governo respondeu que tinha capacidade suficiente para esclarecer o caso, todavia, até aqui, passam cinco anos, não se sabe de nada e nada se vai saber.
Américo Sebastião foi raptado, em pleno luz do dia, numa estação de abastecimento de combustível, metido numa viatura e saíram com ele. A sua família e o estado português continuam à espera que o governo de Moçambique diga alguma coisa, se foi morto ou se ainda está vivo (nós não acreditamos), a menos que no-lo apresentem ou o coloquem frente às câmaras televisivas. Embora haja pistas para se iniciar uma investigação séria, o governo acha que é melhor ficar calado com a cumplicidade dos seus amigos de Lisboa.
No nosso país, há uma cultura de silêncio, quando o crime hediondo for combatido por gente de colarinho branco. Conhecemos essa experiência em que pessoas foram presas e “desapareceram" e o Estado continua assobiando para cima, como se zquilo fosse algo normal. É típico de um estado selvagem que nem a vida humana respeita. O caso de rapto do jornalista Ibraimo Mbaruco, da Rádio Comunitária de Palma, em Cabo Delgado a 7 de Abril de 2020, é característico de um estadogangsterizado. Teodato Hunguana, um destacado dirigente do partido no poder disse, citamos de memória, que um estado que não combate os seus criminosos, será por eles combatido. Estamos no fim da linha. A polícia é incapaz de esclarecer o mais pequeno problema que apoquenta o povo, mas surge com toda a energia quando se trata de reprimir a oposição política e o Ministério Público não pestaneja em jogar para a prisão os pilha-galinhas, os carteiristas, deixa em paz e sem escoriações os grandes vende-pátria, os autores do nosso atraso económico.
Estarão os raptos na esteira do emponderamento económico das elites? Por que o Estado moçambicano não age de modo enérgico contra os raptores e seus patrões? Quem anda a acarinhar bandidos para que não sejam presos e condenados? A polícia e o Ministério Público são incapazes de combater este tipo de crime que tanto concorre para desencorajar investimentos no nosso país? Andam a comer com os raptores. Conhecemos o Ministério Público como voluntarioso e o seu indiscutível desempenho é notável na defesa dos implicados nas dívidas ocultas que envergonharam o nosso país.
Quando é para salvar a pele dos “changs e companhia" não hesitam em esvaziar os cofres públicos, mas para tirar um cidadão das mãos dos raptores, a polícia fica no “encalço” e o Ministério Público não se acha, pois os raptos são um grande business.
Há cidadãos que são raptados, torturados, extorquidos e obrigados a viver pagando uma taxa de liberdade. A polícia sabe disso. O Ministério Público conhece isso. O presidente da Republica está ao par desta situação e mas todos continuam a fingir que está tudo bem. Moçambique há muito que deixou de ser um país normal onde pessoas de bem possam trabalhar à vontade. Vivemos com medo. Tememos pelo futuro das próximas gerações.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 28.04.2021