O jurista e académico sul-africano Andre Thomashausen considerou hoje à Lusa que a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) está a contar com o financiamento da União Europeia para o envio de 3.000 militares para Cabo Delgado.
"Julgo que se pode excluir um grande apoio financeiro da China, da Rússia ou da Índia, ou de um outro parceiro do Sul, o Brasil, mas irão procurar o financiamento na União Europeia, em primeiro lugar, e depois dos Estados Unidos, visto também que a exploração do gás no norte de Moçambique é liderada por uma empresa europeia, a francesa Total, que aliás tem um controlo financeiro maioritariamente americano", adiantou Andre Thomashausen.
Uma missão de avaliação técnica da SADC vai propor o envio de uma força de intervenção militar de cerca de 3.000 efetivos como parte da sua resposta para ajudar Moçambique a combater a "insurgência `jihadista`" na região norte, segundo um relatório da organização elaborado após uma visita de uma semana ao país, de 15 a 21 de abril, incluindo um dia em Cabo Delgado, para avaliar as necessidades de ajuda ao país vizinho regional.
Em termos de meios, a equipa de avaliação da SADC propõe que sejam enviados para Moçambique 16 meios militares, nomeadamente dois navios de patrulha, um submarino, um avião de vigilância marítima, seis helicópteros, dois drones e quatro aviões de transporte.
"A conclusão técnica desta análise é que a insurgência em Cabo Delgado não pode ser controlada simplesmente com um pequeno apoio na formação ou de consultoria às FADM [Forças Armadas de Defesa de Moçambique]", salientou o analista sul-africano, em declarações à Lusa.
Nesse sentido, Andre Thomashausen, catedrático jubilado da Universidade da África do Sul (UNISA), considerou que "o enquadramento de logística" da "força considerável" proposta pela equipa de avaliação técnica da SADC "está muito claramente dirigido à África do Sul".
"É o único país que tem uma capacidade naval com submarinos, de transporte aéreo militar de grande alcance, entre outros meios, e também se pode entender que o batalhão de forças, com grande apoio logístico que a África do Sul tem mantido no leste da República Democrática do Congo, no contexto de uma missão de paz das Nações Unidas, que por vontade do Governo congolês deve sair daquele país, poderia encontrar uma nova missão no norte de Moçambique, o que poderá ser muito conveniente para a África do Sul", adiantou.
O Governo de Pretória, sublinhou o analista sul-africano, "está desesperadamente à busca de meios" para reforçar e reabilitar as suas capacidades operacionais militares através da intervenção no norte de Moçambique, salientando que "a SADC está a querer que toda esta operação seja financiada por um apoio da União Europeia e, em certa medida, também dos Estados Unidos".
"O papel que a SADC está a prever para a União Europeia seria de apoio financeiro, mais do que logístico ou de recursos humanos", adiantou à Lusa Andre Thomashausen.
Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo `jihadista` Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e 714.000 deslocados, de acordo com o Governo moçambicano.
O mais recente ataque foi feito em 24 de março contra a vila de Palma, provocando dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.
As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás com início de produção previsto para 2024, avaliado em 20 mil milhões de euros, e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.
LUSA – 28.04.2021