Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
O pensamento de N’krumáh é antes de tudo uma formulação complexa tendo sido moldado‚ a partir de várias tendências filosóficas. N’krumáh esteve sempre na fronteira, transitando entre influências ocidentais, marxistas e até as vezes liberais, e tradições africanas. Tradições africanas, nas quais ele se voltava em busca de tradições locais das raízes africanas. Para além, dessas duas fontes Ghandi, também teve importância na formulação do seu pensamento na medida em que, o princípio de não-violência activa que vem do induísmo, que está também no budismo. Esse princípio de não-violência activa, que Ghandi trouxe para política moderna, influenciou muito a política de acção positiva de N’krumáh, que o guiou na liderança do processo de independência de Gana que era antes da independência Costa do Ouro e posteriormente até ao seu derrubo.
Lembrando, N’Kwme N’krumáh foi Primeiro-ministro, depois Presidente de Gana de [57] - [66] até ser derrubado por um golpe militar de Estado. Alguns consideram que, ele pode ser entendido numa chave modernistas e desenvolvimentista muito em voga na época. Em grande medida o socialismo de N’krumáh teria ênfase na economia e no projecto de desenvolvimento para um novo país, país em formação. Outros intérpretes lêem ou relêem N’krumáh numa chave basicamente afro-céntrica como hoje em dia.
Pode-se notar, que o pensamento e a trajectória do N’krumáh se prestam a distintas interpretações. N’krumáh, provavelmente teve seu primeiro contacto com o nacionalismo africano em gestação e com autores ocidentais, também ainda na África nos anos [30] e no iniciou dos anos [30] principalmente, através de líderes protonacionalistas da África ocidental nos anos [20] - [30].
Porém, foi nos EU no período entre [35] - [45], quando N’krumáh realizou a maior parte da sua formação académica que ele teve o contacto com autores do pan-africanismo.
Pode-se considerar essa influência marcante do pan-africanismo no pensamento de N’krumáh. É o centro do seu pensamento e nesse caso na maioria de autores norte-americanos e do Caribe anglófono, entre eles principalmente Marcus Garvey, jamaicano, que fez muita carreira e muita força nos EU, mas também Edwardo Blyden, Du Dois, C.L.R James e o George Padmore. Outro elemento diferente característico importante para o pensamento do N’krumáh, seria a maior relação dele com o socialismo científico como ele chamava tendo tido influências inclusive do Lénine e do Trotsky.
N’krumáh, pode-se considerar um autor de transição entre diferentes fases do pan-africanismo, e de transição entre pensamentos produzidos na diáspora americana e na África, e também de ligação, de transição de ponte entre o chamado socialismo africano que foi principal corrente filosófica na África nos anos [60], e o marxismo africano principal corrente filosófica na África do final dos anos [60] até o iniciou dos [80].
N’krumáh, passou do socialismo africano, ao marxismo africano ao longo dos anos [60]. Por volta de 19[61] N’krumáh, adoptou uma estratégia de Governo mais claramente socialista, mas procurando adaptar essa estratégia a África, aproximando-se do discurso então em voga de socialista africano; com isso N’kumáh deixou em segundo plano, elementos que até marcaram fortemente o seu discurso nos primeiros anos de Governo lá nos anos [50] associados a um liberalismo democrático.
N’krumáh, tinha influência liberal democrática ainda nos anos [50], também da realidade da democracia representativa, da valorização do Estado de Direito, do desenvolvimentismo e modernização. Depois, N’krumáh começou a abandonar esses conceitos lá no começo dos anos [60]. Começou se aproximar duma posição primeiro de socialismo africana, e depois propriamente do marxista-leninista nos fins dos seus anos.
Depois da sua deposição por um Golpe militar em [66], mas já a partir da sua obra «Neocolonialismo Último Estado de Imperialismo» de [65], N’krumáh já era realmente um marxista; um marxista periférico, um marxista africano, mas um marxista.
N’krumáh foi o principal líder intelectual do pan-africanismo entre os anos [40] - [60]. A fundação do pan-africanismo como ideia e como movimento está ainda no século [XIX], segunda metade do século [XIX]. Primeiro com Orton, depois com Blyden e finalmente com Du Bois. Na verdade, o pan-africanismo teve diversas etapas, diversas lideranças e controversas até aos dias actuais.
Mas, N’krumáh foi a sua referência nos momentos decisivos das descolonizações africanas e nas primeiras tentativas de estabelecer uma unidade africana. N’krumáh era partidário duma federação africana, enquanto outros como Senghor defendiam relações mais frouxas [amistosas] entre novos Estados e uma aproximação com as ex-metrópoles. Senghor chegou mesmo a ser acusado de neocolonialista por muitos dos seus críticos, contudo, Senghor foi um dos principais líderes e criador do conceito da francofonia.
Além disso, vários conceitos podem ser associados ao N’krumáh no começo dos anos [60]. Um deles é, o de personalidade africana, que remete cultura, a costumes e modos de vida comuns a todos os africanos. O termo foi cunhado por Edward Blyden em discurso proferido em Serra-Leoa em Maio de 18[93]. E esse conceito de personalidade africana assumiu desde a sua primeira versão um sentido de renascimento cultural. Esse conceito foi retomado por N’krumáh em meados do século [XX] e, depois foi retomado pelo Thabo Mbeki antigo Presidente sul-africano agora já no final do século [XX], anos [90] e desde então até hoje 20[21].
N’krumáh, defendia no seu texto mais importante sobre a unidade africana, «Eu Falo de Liberdade» de 19[61], uma solução africana para os vários problemas africanos, uma forte união política para desenvolver suas potencialidades naturais, só ela poderia desenvolver plenamente a personalidade africana; exactamente pelos caracteres positivos dessa personalidade africana, a União Africana faria bem não só para a África, não só para os negros no mundo, mas para toda a humanidade.
Cito N’krumáh: «com a sabedoria e dignidade enraizadas, o respeito inato pelas vidas humanas a humanidade intensa que é a nossa herança a raça africana unida sobre um Governo federal emergirá não apenas não como um outro bloco mundial para ostentar
a sua riqueza e força, mas como uma grande potência cuja grandeza é indestrutível, porque não é construída sobre o medo, inveja e desconfiança nem conquistada as custas dos outros, mas fundada na esperança, confiança, amizade e dirigida ao bem de toda humanidade»
Outro conceito associado ao N’krumáh é o de neocolonialismo. Ele é um dos criadores deste conceito, que também teve muita importância na América-Latina nos anos [60] - [70]. E «O Neocolonialismo» de [65] N’krumáh afirmava, que a balcanização, ou seja, a fragmentação em pequenos novos Estados da África seguindo as fronteiras delimitadas pelos colonizadores seria mais perigosa que o colonialismo anterior, porque é mais subtil. N’krumáh defendia como única alternativa uma federação política unificando política externa, defesa e economia e dirigida para o desenvolvimento comum do Continente.
Por conseguinte, essas identidades; a negritude e o pan-africanismo ainda teriam lugar no século [XXI] não em versões biologizantes, racialistas como eventualmente aqui e ali aparecem no pensamento de Senghor em algumas fases, não nessas versões obviamente, mas nas suas versões culturalista, económico-sociais e históricas.
Pode-se considerar, que há caracteres sim, culturais comuns numa herança africana, numa herança negro-africana se não mesmo conexão. Conexões culturais, histórico, económico-social conectado com o colonialismo, com a escravidão moderna, com o ser periférico, com o ser subalterno que podem servir de base para essas identidades pan-africanistas e da negritude.
Essas identidades e propostas políticas negro-africanas vão ser relevantes e contemporâneas, enquanto houver racismo. Se o racismo acabasse não precisávamos falar disso mas… enquanto houver racismo ele é urgente é relevante.
Manuel bernardo Gondola
Em Maputo, aos [25] de Maio 20[21]