Por Edwin Hounnou
A Assembleia da República, AR, voltou a bater no fundo da vergonha. Aqueles que se consideram representantes do povo juntaram-se ao grupo dos tradicionais delapidadores dos fundos públicos por ter debatido e aprovado o estatuto do funcionário e agente parlamentar. A aprovação deste escândalo foi por consenso, o que quer dizer que todas as três bancadas – os deputados do partido Frelimo, da Renamo e do MDM, para que não restem mais dúvidas - argumentaram a favor da sua aprovação e deram o seu voto de confiança. Desconseguimos engolir mais esta bolada.
A aprovação do estatuto e agente parlamentar ainda que alguns digam que confere dignidade aos seus beneficiários, porém, escandalizou todos os quadrantes da sociedade moçambicana, pela sua extemporaneidade, falta de bom-senso e razoabilidade. Por dois anos consecutivos que o governo e o empresariado vêm protelando o aumento do salário-base dos funcionários, agentes do Estado e dos trabalhadores das empresas privadas, públicas e participadas pelo Estado, alegando a crise económica provocada pela pandemia da Covid-19. O professor, médico e o enfermeiro não precisam, também, de dignidade, mordomias e respeitabilidade?
Quem oferece a cesta básica e quem paga senha de presença aos médicos, enfermeiros que estão, permanentemente, expostos a contágios?
Ninguém vai às urnas para eleger uma assembleia ou um governo para delapidado os fundos públicos. Quem precisa de estatuto especial de protecção não são os deputados, nem os governantes nem os llprocuradores e juízes nem os funcionários e agentes parlamentares, mas sim, o povo. Quem precisa de estatuto especial de protecção são as nossas crianças – o Homem do amanhã – que vai construir a nação que nos encherá de orgulho e bem-estar para todos?
Quem precisa de estatuto especial e protecção é a mulher grávida para que possa dar à luz meninos saudáveis, inteligentes e habilitados para construírem uma nação forte, um país confortável, de alegria para todos e com uma economia forte e competitiva ao nível das nações. O nosso país não será respeitável enquanto vivermos de caridade.
Precisamos de ajuda para tudo, até os funcionários e agentes parlamentares precisam do paternalismo dos deputados, esfaqueando os Estatutos dos Funcionários e Agentes Públicos. Quem precisa de ajuda é o Governo e a AR a fim de enxergarem o país real.
Quem precisa de estatuto especial de protecção é o médico, o enfermeiro que nos proporcionam uma nação forte e saudável. Quem precisa de estatuto especial de protecção éo professor que é o grande construtor do Homem do amanhã. Quem precisa de estatuto especial são o militar e polícia que dão a sua por nós e vivem rodeados de mil perigos a todo momento. Estes precisam de um estatuto especial e não aqueles outros. A pirâmide de valores humanos e do belo, no nosso país, estão invertidos, por isso, vemos e agimos de modo contrário. Vemos o belo onde ele não existe. Não conseguimos vislumbrar onde há injustiça. Ferimos a sensibilidade e prevalece o mal.
Quem paga a senha de presença dos militares e polícias nas frentes de combate de Cabo Delgado, Tete, Manica e Sofala? Bastam, somente, as palmadinhas que o Presidente da República, as palavras bonitas dos governantes e parlamentares para se sentirem satisfeitos? A pátria é coisa comum e sublime, por isso, os sacrifícios tem que sair de todos – governantes, parlamentares, magistrados, professores, médicos e professores. Todos somos chamados a consentir sacrifícios. Não sacrificar o povo sem nome próprio. O que provoca confusões e guerras, entre nós, não são as armas, mas as injustiças. Não é a abundância da riqueza o que provoca guerras, mas é a abundância da pobreza. É quando o governo e a assembleia se transformam em saqueadores do bem público.
Os nossos jovens dão a sua própria vida, mas quem come é o governante, o parlamentar e o magistrado. Para além do patriotismo, os nossos soldados e polícias precisam, também, de estímulo material. Se todos lutássemos, apenas, pelo sentido de pátria, os governantes, deputados e magistrados não precisariam de nadar em regalias e mordomias. Chamá-los, apenas, de bons e bravos, isso é muito pouco. Todos temos a obrigação de dar um pouco de nós para que do nosso solo pátrio brotem flores do bem-estar e desenvolvimento. Foi para tal que os nossos pais se bateram pela independência.
A nossa sociedade está construída na base de uma grave injustiça social. Qualquer construção edificada sob um monte de injustiças corre o perigo de ruir. Nem sequer os oito milhões de meticais desembolsados pelas multinacionais petrolíferas, que operam em Cabo Delgado, destinados a militares e polícias, chegaram aos destinatários! Foram engordar as contas de outras pessoas que hoje fazem barulho e emitem sinais de ameaças à liberdade de pensar. A falta de informação do que se passou gera suspeitas. O que fizeram com os fundos desembolsados pelas petrolíferas? Foram para a conta única do Ministério das Finanças? Contem a verdadeira estória para nós ouvirmos!
A pandemia da Covid-19, que é um facto no quotidiano que está a arrasar a humanidade, provocou e continua a ceifar vidas das pessoas, fechando as portas de vários milhares de empresas e os demais sectores produtivos, jogando, deste modo, para a rua do desemprego outras tantas centenas de milhares de homens e mulheres. É neste conturbado contexto socioeconómico que a ‘habilidosa e apetecível’ AR a prova por unanimidade e sem pestanejar, o extravagante e inoportuno estatuto do funcionário e agente parlamentar. Por quem a nossa AR dobra o joelho? Pelo povo? – Definitivamente que não. A AR voltou a golpear as expectativas do povo. Eles se digladia feio pelo bem-estar dos seus membros e outros apaniguados.
Se fosse pelo bem público, como eles dizem, há muito tempo que teria feito uma moção de censura contra o governo que promoveu as dívidas odiosa que atiraram o país para a sarjeta e andou a esconder a guerra terrorista de Cabo Delgado. Há muito que a AR teria exigido ao governo para parar, de uma vez por todas, os raptos que dilaceram a economia nacional nem mesmo os esquadrões da morte estariam a ceifar vida de moçambicanos que discordam das políticas do regime. Até agora, nós ainda não vimos nem ouvimos uma bancada parlamentar a insurgir-se contra o governo pelas limitações que vem impondo às liberdades de expressão e de imprensa.
Nenhuma bancada, até ao presente momento, protestou contra detenções, prisões arbitrárias e assassinatos de jornalistas, mas assistimos as bancadas alegres e abraçadas quando se trata de saque de fundos públicos. Se nem a AR, um órgão sufragado pelo povo defende os interesses da maioria, é sinal de que como povo estamos perdidos e como nação ainda não existimos. Vivemos segundo a lei da selva : salve-se quem puder.
Ontem, foi pelas regalias e mordomias dos deputados, magistrados e governantes e, hoje, é pelos funcionários e agentes parlamentares chamados à mesa do banquete. Cada um por si, Deus por todos, é o lema que orienta os que integram o Governo, a AR e a Magistratura e o recém-cooptados funcionários e agentes parlamentares que são levados ao colo dos parlamentares da 'escolinha do barulho', como se faz com crianças.
É tempo para cantarmos com Zeca Afonso : “Eles comem tudo e não deixam nada". OS deputados, o governo, os magistrados e seus acólitos querem regalias, mordomias e privilégios para si ainda que o país esteja em chamas e o povo prostrado ao chão!
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 19.05.2021