Por Tomás Vieira Mário
A acomodação de milhares de deslocados dos ataques terroristas de Cabo Delgado, em diferentes regiões, quer da própria província, quer de outras, ocupando largas extensões de terras, não podia ocorrer sem provocar conflito com as comunidades hospedeiras.
Porque não existe em Moçambique “terra de ninguém”. Sobretudo nas regiões agro- ecologicamente adequadas para, precisamente, acomodar os deslocados!
Na sua edição de ontem, o Jornal Nacional da STV transmitiu uma peça reportagem, em que deslocados assentados numa aldeia do distrito de Montepuez (Sul de Cabo Delgado) estão vivendo ao relento, porque os titulares de direitos de uso e aproveitamento de terra locais não os deixam construir qualquer habitação, por precária que seja.
Ou cobram-lhes “taxa” de ocupação de terra, cujos valores podem variar entre 500 a dois mil e quinhentos meticais. A peça de reportagem mostra um clima de grande tensão, que pode degenerar em violência.
Na semana passada estivemos em Lichinga e, aqui também tomamos conhecimento de cenas de quase-violência, quando titulares de DUATs na zona de Malica (próxima da capital provincial do Niassa) foram de catanas em punho, bloquear a ocupação de suas terras, disponibilizadas pelo governo para outros deslocados de Cabo Delgado, aparentemente sem consulta e consentimento prévio dos legítimos titulares. O clima, também em Malica, ficou tenso.
Estes são sinais, aparentemente ténues, mas alertando para uma outra crise social, com alto potencial de degenerar em nova causa de violência, nas regiões que estão a receber deslocados de guerra, ocupando terras sem a devida negociação com as comunidades nativas.
O discurso, deveras arriscado, de alguns oficiais do governo, que dizem às comunidades locais que “a terra é do Estado”, negando-lhes portanto os seus direitos adquiridos por práticas costumeiras (e reconhecidos pela Constituição e pela lei) pode transformar-se em mais combustível para uma terra já em chamas!
O potencial de hostilidade das comunidades hospedeiras tende ainda ser maior, quando as ajudas de emergência oferecidas aos deslocados excluem, por completo, as comunidades nativas.
Aqui está um desafio, bem complexo, para cuja resposta podem contribuir organizações da sociedade civil vocacionadas para o trabalho de assistência humanitária, prevenção e gestão de conflitos, incluindo organizações baseadas na fé – que o Governo deve tratar como parceiros estratégicos da primeira linha.
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