É verdade irrefutável que o País continua pobre porque aos sucessivos Governos de um conhecido partido interessa olhar para interesses obscuros e inconfessos de um punhado de indivíduos que se julgam proprietários de Moçambique.
Por exemplo: realiza-se hoje, em Maputo, a cimeira da SADC que tem como assunto central debater os ataques terroristas na província nortenha de Cabo Delgado. É pretensão da SADC persuadir o Governo para que aceite a ajuda militar que lhe oferece.
Todavia, a Frelimo parece ver na SADC mais um inimigo, alguém que está para competir consigo e minar os seus interesses. Três meses após o devastador ataque “jihadista” à Palma, a situação continua volátil, com uma média de um ataque por dia na província de Cabo Delgado. As Forças de Defesa e Segurança não têm capacidade e disci[1]plina para conter a violência e proteger os civis. Apesar disso, o Governo da Frelimo reluta em aceitar a ajuda da força de prontidão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para combater a insurgência que ameaça espalhar-se para outras províncias. Porquê?
Eis a grande pergunta! Várias respostas são dadas em surdina, até por aqueles que diariamente passam as suas refeições com o regime.
Ora porque a Frelimo quer esconder o seu alegado envolvimento no tráfico de drogas e outro contrabando. Ou que o Estado pretende ocultar as dimensões locais de um conflito oficialmente atribuído à agressão externa. Mas talvez haja uma forma de explicar a relutância do Governo sobre a intervenção militar da SADC. Há quem diga que a elite política é da opinião que o envolvimento da SADC pode representar uma ameaça maior para o regime - e as próprias elites - do que a insurgência a acontecer a 2.000 km da capital, Maputo. A liderança da Frelimo desenvol[1]veu-se e manteve-se no poder através da corrupção. Isso faz com que as elites governantes desviem as taxas geradas pela ajuda internacional e investimento directo estrangeiro para o seu próprio enriquecimento enquanto o povo, o real beneficiário, é abandonado à mingua. Moçambique sempre foi de[1]pendente da ajuda externa. Há dados elucidativos que dão conta de que desde a adopção do multipartidarismo, em 1990, o País classificou-se em sexto lugar a nível mundial como o mais dependente da ajuda externa - com 41% do PIB. Embora o Governo tenha se tornado, hoje, menos dependente da ajuda, os níveis permaneceram altos.
Mesmo depois do odioso escândalo das dívidas ocultas, apesar dos doadores terem abandonado o princípio de apoio directo ao Orçamento do Estado, Moçambique continuou a receber centenas de milhões de dólares em ajuda externa por ano.
Os Estados Unidos são o maior doador bilateral, fornecendo mais de 445 milhões de dólares anualmente a partir de Janeiro de 2020. Moçambique é também um dos destinos mais proeminentes para o Investimento Directo Estrangeiro (IDE) em África.
Exemplos notáveis são os investimentos de quase 30 biliões de dólares na Bacia do Rovuma por grandes empresas globais de petróleo e gás, incluindo ExxonMobil, Total e Eni. Para a elite política de Maputo, esta foi uma oportunidade para o seu próprio enriquecimento. Alguns em Maputo poderiam ver a guerra de Cabo Delgado e a crise humanitária que se seguiu como uma oportunidade para continuar a receber grandes somas de ajuda externa - e possivelmente até aumentar o montante.
O recente pedido de ajuda da União Europeia e a mobilização de 764 milhões de dólares de parceiros multilaterais para financiar a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte são provavelmente parte da estratégia de corrupção do Governo do dia.
Isso significa que a elite política de Maputo não vê a SADC como um parceiro, mas como um adversário na obtenção de fundos para a resposta à insurgência. Uma intervenção militar regional pode melhorar a segurança em Cabo Delgado, mas iria interferir com o acesso directo de Moçambique aos seus doadores tradicionais se eles optassem por canalizar a ajuda através da SADC.
Há outra razão importante para a relutância do Governo em aceitar a intervenção da SADC. Certas facções conservadoras da Frelimo acreditam que qualquer assistência militar estrangeira em Cabo Delgado poderia corroer a legitimidade e a imagem do partido e ameaçar a sobrevivência do regime.
O partido no poder construiu historicamente um discurso de invencibilidade política e militar em que, sob a liderança da Frelimo, Moçambique ganhou todas as guerras em que lutou. Isto explica, de certa forma, porque é que o Governo prefere contratar mercenários para lutar em Cabo Delgado, do que aceitar ajuda de outros Estados. Ora bem, será que é preciso que toda a província de Cabo Delgado caia nas mãos dos “jihadistas”para a Frelimo aceitar a ajuda militar externa?
Quer dizer: é necessário que os terroristas matem alguém ligado à elite que se beneficia com essa guerra para o Governo de Maputo perceber que a situação está descontrolada? Será que é preciso que seja a SADC a pedir para nos ajudar, nós não temos iniciativa nem para pedir ajuda?
As pessoas são decapitadas no nosso quintal, mas tem que ser o vizinho a tomar iniciativa?! Será que devolver segurança a Cabo Delgado só interessa à SADC e não a nós, moçambicanos? Será que continuaremos a esperar que exigências fundamentais da nossa vida sejam feitas através dos outros?
A quem servem manobras desta obscuridade toda? Será que se o Governo agir de forma transparente-em todos os níveis-, Moçambique perde alguma coisa? Ou perdem hegemonia político-económica os cidadãos que se acham acima dos outros moçambicanos?
Da maneira esfarrapada como o Executivo tem feito finca-pé neste assunto até nota-se que o maestro deste Governo é marioneta. Vê-se que está a fazer uma argumentação por encomenda dos outros.
Repugna-nos a forma como a Frelimo está a dirigir o País de todos os moçambicanos; a forma leviana com que lida com o assunto da guerra em Cabo Delgado. O partido habituou-se a facturar política e economicamente à custa da falta de transparência dos processos de gestão da coisa pública.
Portanto, apelamos ao Governo de Moçambique para deixar de pensar em indivíduos e passar a pensar no povo moçambicano e no País inteiro que corre o risco de ser abandonado até por parceiros tradicionais devido à casmurrice de quem governa.
Negar apoio militar estrangeiro, na situação em que nos encontramos, é um acto irreflectido gizado a beneficiar um punhado de senhores que se consideram proprietários exclusivos de um país que a todos pertence por direito natural.(Laurindos Macuácua)
DN – 23.06.2021