À terceira foi de vez. Os chefes de estado e de governo acabam, pois, de confirmar os pareceres periciais para uma intervenção musculada da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) no eixo centro- norte de Cabo Delgado, contra o extremismo violento. Porém, uma decisão não consensual, tendo a Presidente da Tanzânia, Samia Hassan Suluhu, abandonado a cimeira numa altura que os líderes da região se encontravam a debater os assuntos em agenda, à porta fechada.
É sobejamente conhecido o posicionamento da Tanzânia no caso Cabo Delgado, isso mesmo manifestado em diversas ocasiões pela ministra tanzaniana das relações exteriores, Liberata Mulamula, ela que entende crucial um processo negocial entre o Governo moçambicano e os extremistas, oferecendo-se, os tanzanianos, a mediar as negociações, a coberto da SADC.
Abrir parêntesis. Em 2019, o exército da RD Congo, com os seus aliados, tomou de assalto a principal base dos rebeldes situada no leste do país, forçando parte significativa dos extremistas, a se desdobrar para a Tanzânia, onde o exército os combateu, tendo fugido para o interior de Moçambique. Hoje, a Tanzânia não enfrenta directamente o extremismo, mercê da sua presença em Cabo Delgado, temendo-se que uma intervenção militar da SADC possa fazer recuar estes grupos para o território tanzaniano. Eventualmente, Samia teme que os extremistas se mudem para a Tanzânia. Fechar parêntesis.
Está visto que os demais estados-membros são favoráveis ao recurso da Força conjunta de Prontidão, instrumento criado pelos líderes regionais em 2008, com o objectivo de ser recorrida em situações como as de Cabo Delgado.
O Presidente Filipe Nyusi, no seu discurso inaugural, já havia dado sinais apontando para a aceitação do recurso à Força Conjunta, isso mesmo confirmado na ponta final dos trabalhos, sublinhado pela secretária executiva da SA[1]DC, Stergomena Tax, quando do documento final. Em maio, Tomaz Salomão havia dado indicações a-propósito do desfecho da cimeira desta quarta-feira (23), dizendo estar-se diante de um mecanismo cujo desfecho passa, necessariamente, pelo cumprimento rigoroso dos trâmites, que compreenderam uma primeira fase, em que os chefes de estado e de governo do órgão de cooperação da política de defesa e segurança, analisaram o assunto-Cabo Delgado e recomendaram uma missão militar pericial para um levantamento minucioso, no terreno, para evitar medidas tomadas à toa.
Esse trabalho foi realizado, do qual foi produzido um relatório estritamente técnico, visando uma mobilização de 2.900 soldados, meios navais, aéreos e logística. Posto isso, os chefes de estado-maior dos países que tomaram parte no levantamento pericial, que incluiu uma visita a Cabo Delgado, estiveram reunidos para uma análise pormenorizada, tendo, no final, produzido um relatório submetido aos ministros da Defesa e Segurança dos países que compõem o órgão da defesa e segurança, dentro da SADC, incluíndo Jaime Neto e Amade Miquidade.
Estes, por seu turno, na presença da ministra Verónica Nataniel Macamo Ndlovu, após auscultar os chefes de estado-maior do órgão, aprovaram o documento, ficando, os ministros, à espera de apresentar o assunto aos chefes de estado e de governo da dupla Troika, que sem tomar nenhuma decisão, agendaram novo encontro, alargado aos demais estados-membros da SADC, como mandam as regras, inicialmente marcado para até 20 de junho, entretanto expandido para ontem.
No intervalo entre o primeiro relatório da missão técnica de levantamento das necessidades e a cimeira alargada desta quarta-feira (23), um misto de cepticismo e de alguma certeza, mas com a Tanzânia a deixar claro de que é favorável ao diálogo em detrimento de uma intervenção militar. A Tanzânia sustenta a sua posição por entender estar na base da guerra em Cabo Delgado, desentendimento entre irmãos e isso só é possível resolver por meio das negociações.
Recentemente, Joaquim Chissano animou o debate quando defendeu diálogo em qualquer que seja o conflito militar, mesmo nos casos em que a guerra está no auge, por aproximar as partes.
Os mais cépticos perceberam, imediatamente, que a posição do Governo estava alinhada à da Tanzânia, pela influência de Chissano. Por essas alturas, os analistas sul-africanos do ISS África, sediado em Pretória, apelavam para uma diplomacia virada a Maputo, com o objectivo de convencer o Governo a não alinhar por um processo negocial com os extremistas, sim, aceitando a proposta da SADC para uma intervenção mais musculada, em Cabo Delgado.
Neste momento, os estados-membros da SADC para intervir militarmente em Cabo Delgado estão alinhados e já aceitaram emprestar o seu contributo, entre eles, podendo estar o Zimbabwe e a África do Sul.
O financiamento para uma intervenção militar está garantido, vindo nomeadamente da União Europeia e dos Estados Unidos da América, dinheiro que deverá ser desembolsado para os cofres da SADC, não de Moçambique.
A-propósito, o ISS África, na sua mais recente análise divulgada sobre o tema, dizia que o Governo moçambicano não estava animado em admitir o envolvimento militar da SADC, supostamente para que a injeção financeira, dos Estados Unidos da América e da UE, caísse em Maputo
EXPRESSO – 24.06.2021