Por Francisco Nota Moisés
Não há dúvida que a visita do governador António Higino Craveiro Lopes de Tete acompanhado pelo comandante das forças armadas portuguesas em Tete e pelas suas esposas ao Seminário de Zobué em 1966 foi um evento colorido e memorável com muita pompa e circunstância que mesmo a passagem do tempo não apagou da minha memória.
Antes de falar da visita, convém dizer algo sobre o governador Craveiro Lopes. Quem era e por onde passou antes de ser governador com sede na cidade de Tete? Era o irmão de Francisco Higino Craveiro Lopes (12 de Abril 1894-2 de Setembro 1964) que foi o decimo segundo presidente da Republica portuguesa entre 1951-1958. Antes de ser governador de Tete, António Higino Craveiro Lopes tinha sido administrador de Caia em Sofala e de Mutarara em Tete. Antes de eu conhecer o seu nome real, já tinha ouvido dele em Mutarara onde era conhecido com o apelido de Mbala Malucu (gazela maluca). Seria melhor se não traduzisse o apelido visto que a tradução dilui e não faz justiça às palavras do Sena e o seu drama. Na região dos senas de Caia e de Mutarara, toda a gente conhecia este apelido de Mbala Malucu, deste homem, que embora colonizador, terminou ele mesmo por ser colonizado pela cultura sena cuja estética lhe tinha entrado na cabeça e de que gostava imensamente mesmo quando era governador na cidade de Tete.
Nunca cheguei de saber ou pesquisar porque os nativos daquelas duas regiões dos senas lhe chamavam Mbala Malucu. Seja como fosse, todos os chefes dos postos e administradores da administração portuguesa eram alcunhados com palavras do sena como Candudu visto que ele sempre fumava charutos.
A preparação para a recepção do governador começou um dia depois do padre reitor, o espanhol José Latorre, que tinha substituído o velho alemão Theodor Prein que tinha partido para Alemanha por razões de saúde, ter anunciado na sala espiritual na tarde do dia anterior que o senhor governador de Tete iria nos honrar com uma visita oficial. Era a melhor nova para o seminário que era essencialmente uma escola como qualquer outra no sistema educacional português e que fazia os exames oficiais apesar de ter um caracter religioso.
Não se cantava o hino nacional português no seminário, mas cada dia durante a semana que precedeu a visita, ensaiávamos o hino que todos nós conhecíamos visto que o cantávamos nas nossas escolas regionais.
O dia da visita tinha sido declarado um feriado por causa da importância da vinda do mais poderoso homem em Tete. Havia vivacidade no ar e um ar festivo se instalou no seminário que brilhava dentro e fora depois da tanta preparação e limpeza.
Uma meia hora antes da chegada dos hospedes, nós os alunos estivemos todos de pé na sala espiritual num silencio de assustar o diabo enquanto os padres, nossos docentes, aguardavam a chegada dos hospedes. Os visitantes entraram na sala espiritual com muita pompa com o padre reitor em frente deles e os restantes dos docentes deles. Como estávamos de pé, ovacionamos com aplausos estrondosos enquanto os augustos hóspedes eram dirigidos ao palco onde havia cinco cadeiras confortáveis. No palco da direita para esquerda havia a cadeira para o padre reitor, a cadeira para o governador que estava de fato completo, a cadeira para o comandante-chefe das forças armadas de Tete de uniforme militar verde ligeiro e sapatos, a cadeira para a esposa do governador e a cadeira para a esposa do comandante-chefe. Ambas as senhoras eram extremamente belas e estavam bem vestidas à aristocrata com chapéus que agudizavam a sua beleza e com as suas malas nas mãos.
Os restantes dos padres sentaram-se connosco. Mas antes de nos sentarmos, entoamos a Portuguesa, um hino com um bem marcial, com as nossas vozes bem claras a flutuar no ar. Uma das senhoras, a esposa do comandante-chefe, estava tão emocionada que sorriu durante a entoação, talvez que nunca tinha ouvido o hino tao bem cantado como o fizemos naquele dia.
Findo o hino, sentámo-nos todos antes dum dos alunos ir à frente entre os hospedes e nós para proferir o discurso de boas vindas no qual frisou o nosso orgulho em sermos portugueses como quaisquer outros portugueses na metrópole e nos outros territórios sob a soberania portuguesa.
No fim do discurso, aplaudimos para o rapaz por ter feito o poderoso discurso que tanto encantou todos nós, principalmente ao governador que mais tarde lhe ofereceu 1,500 escudos como sinal de gratidão. Aquele dinheiro era muito aquele tempo, visto que com essa importância alguém numa zona rural podia ajeitar a sua situação e alavancar a sua vida.
Depois do discurso, o padre reitor dirigiu algumas breves palavras ao governador e à sua comitiva para dizer que o seminário se sentia honrado pela visita e que eles os hóspedes estavam bem-vindos.
Falando muito brevemente, o governador exprimiu a sua alegria e a satisfação da sua comitiva com a visita ao seminário e de se encontrarem entre nós. Aplaudimos mais uma vez para o governador antes do padre reitor nos dizer que a cerimónia de recepção tinha terminado e que os padres iam ter uma recepção em honra dos hóspedes.
O padre reitor foi a frente, seguido pelos hóspedes, e com os outros padres atrás deles e retiraram-se da sala no meio dos nossos aplausos estrondosos.
Nós alunos ficamos atrás a comentar sobre a esplendida cerimónia antes de nos retirarmos. Como era um feriado em honra dos hospedes, os alunos decidiram fazer o que queriam. Muitos foram jogar futebol. Como eu não gostava do futebol, fui primeiro à fachada frontal do majestoso seminário para ver se havia policia ou soldados.
Havia somente um carro majestoso no qual os visitantes tinham viajado de Tete para Zobué e nenhuma outra pessoa.
Incrível que aqueles poderosos tinham vindo sem uma demonstração de forca, coisa que ditadores africanos fazem quando vão a alguma parte com jagunços feios, despenteados e dentes enferrujados com ak-47s nas mãos. Obviamente, aqueles poderosos tinham vindo visitar outros portugueses e não para intimidá-los. E nós sendo portugueses, nunca pensamos que os poderosos tinham vindo visitar alguns colonizados. Tal pensamento não estava nas suas mentes visto que nos sentíamos orgulhosamente portugueses, coisa que não faria sentido para os negros da terra do apartheid onde os pretos não eram considerados como pessoas. Embora os colonizadores portugueses tivessem as suas falhas, o racismo descarado não fazia parte do seu caracter.