Por Francisco Nota Moisés
Deparo-me com um desafio que faz com que não saiba onde começar para enaltecer a figura imortal do padre Mateus Pinho Gwenjere, que embora barbaramente assassinado pelo regime terrorista da Frelimo, permanece uma figura imortal, monumental, revolucionária e rebelde tanto contra os colonialistas portugueses como contra os tiranos da Frelimo. Padre Gwenjere foi um homem destemido que lutou pelos direitos dos moçambicanos e pela sua dignidade e liberdade.
Embora os estudantes do seminário de Zobué lhe deram as boas vindas com estrondo, aquela instituição tinha um caracter versátil. Quando o governador António Higino de Craveiro Lopes e o comandante-chefe das forças armadas portuguesas em Tete e as suas esposas nos honraram com uma visita em 1966, nós os alunos do seminário, como cidadãos portugueses, levantamo-nos na altura para saudarmos os nossos governantes com vivacidade e estrondo e impressionar-lhes com o nosso esprito patriótico português. Esse outro tempo vivido no seminário de Zobué virá no próximo artigo para celebrar a grande instituição que foi o seminário de Zobué.
Onde começar para falar do Gwenjere num tao curto espaço no Moçambique para todos? Vou começar com o dia 12 de Setembro de 1964 que permanece tão vivo na minha memória como se o acontecimento tivesse acontecido ontem com toda a sua vivacidade e grandeza. Era o dia de regresso das férias. Os alunos das duas missões católicas de Charre e Inhangoma na região de Mutarara estiveram na estacão do caminho de ferro de Dona Ana, então conhecido pelos nativos do lugar como Nhamaiabue que foi um grande curandeiro e cujo espirito em forma de crocodilo ronda na água perto da ponte que liga Mutarara a Vila de Sena. Como um crocodilo espirito ele não faz mal a ninguém. Soldados portugueses do Quartel de Mutarara tentaram matá-lo, mas não conseguiram visto que como espirito não podia ser morto por meros humanos. Desistiram depois de se aperceber que os nativos não gramavam que eles perturbassem o velho Nhamaiabue. Entenderam que se tratava dum mistério africano.
Sabíamos que o comboio da Beira para o Malawi chegaria aquela manhã trazendo outros alunos, antigos e novos que iam começar os estudos no seminário, que vinham de Sofala, mas ninguém fazia ideia de que o rebelde Gwenjere estaria também no mesmo comboio. Mal que o comboio parou, um dos estudantes gritou, dizendo "o padre Gwenjere! quando o viu sair do comboio numa grande agitação visto que tinha perdido a sua pasta. Como não podia forçar que se retivesse o comboio naquela estação, foi logo aos chefes no escritório da estação onde pela primeira vez vi brancos a tremer perante um preto. Ele exigiu que o comboio que partia fosse retido na próxima estação para ele procurar a sua pasta. Ele não queria que a pasta caísse nas mãos da PIDE visto que continha informação sobre os seus contactos com a Frelimo na Tanzânia. Gwenjere seguiu o comboio, enquanto nós os estudantes seguimos no comboio para Moatize para irmos para Zobué.
Gwenjere conseguiu encontrar a sua pasta no comboio que obrigou a ser retido na próxima estação nas mãos dum jovem gatuno antes de nos seguir. Chegou ao seminário mais tarde naquele mesmo dia e todos os estudantes se sentiam entusiasmados pela chegada do Gwenjere que tinha sido um dos estudantes daquela escola quando se fundou em 1948. Antes da sua chegada não houve uma precipitação para preparar e limpar o lugar para recebe-lo com aconteceu mais tarde quando os governantes de Tete chegaram com grande pompa. E nenhum dia foi declarado feriado por causa da sua presença como veio acontecer quando o governador e a sua comitiva chegaram visto que ele era filho da casa.
A grande celebração da presença do Gwenjere na escola tomou lugar na tarde daquele dia na Sala espiritual, onde nas tardes escutávamos o padre-reitor fazer discursos sobre temas espirituais.
O padre Theodor Prein, um velho alemão e então o nosso reitor, que contava entre os seus alunos o presidente Julius Nyerere e o cardeal Rugambwa de Tabora da Tanzânia, veio a sala espiritual com o padre Gwenjere marchando a sua frente. Mal que entraram, levantamo-nos com grandes aplausos para ovacionarmos ao Gwenjere. Quando os dois estiveram no palco em frente de nós, o padre Prein disse com lágrimas de grande emoção: "não posso conter a emoção da minha alegria. Aqui está o Gwenjere que estava no grupo dos meus primeiros estudantes. Quando chegou aqui, ele me disse: 'senhor padre, eu serei padre. E hoje a sua profecia materializou-se. É padre. Demos glória a Deus. Deixo-vos com Gwenjere para ele vos falar nessa sessão espiritual.' "
Ovacionamos ao padre Prein antes dele sair e deixar o Gwenjere para nos falar da sua vida no seminário maior em Lourenço Marques, hoje Maputo, e da sua ordenação na Beira pelo malogrado bispo Sebastião Soares de Resende.
Gwenjere permaneceu no seminário por uma semana, ficando com os padres e interagindo com estudantes e jogado ping-pong ou o que em inglês se chama table tennis ou seja o ténis da mesa. Vim a estar com ele mais tarde em Dar Es Salaam em 1968 e ainda mais tarde em Nairobi, onde nos tínhamos refugiado dos tiranos da liderança da Frelimo e donde ele viria a ser raptado pelos agentes do assassino Sérgio Vieira e por seus aliados tanzanianos em 1977 antes de ser assassinado mais tarde seja na Tanzânia ou em Moçambique. Ninguém sabe dizer onde o mataram, excepto os terroristas da Frelimo que cometeram o acto hediondo e macabro.
Gwenjere foi um grande moçambicano, nacionalista e revolucionário que se distinguiu na luta pelos direitos do povo moçambicano, uma actividade onde tem igual.