Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Frantz Fanon, psiquiatra, filósofo, pensador de alguma maneira divisor de águas para vários estudos, tanto na sua tese de doutoramento reprovada, que depois republicada e prefaciada por Jean-Paul Sartre, Pele Negras e Mascaras brancas, tanto quanto, pelo seu trabalho, Os Condenados da Terra. Fanon brilhante, digamos um meteórico, algo rápido morreu aos [36] anos de idade e deixou um legado brilhante que hoje é revitalizado por muitos pensadores.
Achille M’bembé, um pensador, filósofo camaronês e Historiador tem sido um dos seus maiores estudiosos. M’bembé fala de Necropolitica, duma Crítica da Razão Negra em comum, o que Mbembé trabalha, a partir de Fanon é que‚ a viagem do projecto europeu, de um projecto de universalização da ciência, um tipo de ciência, uma forma de fazer política tem limites e dificuldades.
Fanon, convida a um resgate da África como território de [pensamento] para de alguma forma ampliar as possibilidades duma agenda do fazer político. Fanon, com os Condenados da Terra, traz uma ideia muito interessante: o projecto da colonização europeia dividiu o mundo entre; os colonizados e os que colonizavam destituindo a humanidade da Colónia. De uma maneira, a Metrópole inaugura uma forma de comunicação em que, a violência se tornou vício. Mas, ao mesmo tempo as sociedades, que se organizam do processo de colonização, elas ficam viciadas, devotadas pela violência, é como se fosse a única linguagem possível de comunicar alguma coisa.
M’bembé, entendendo isso, vai falar de Necropolitica mais do que uma leitura da biopolítica do Michael Foucault, a Necropoltica de Achille M’bembé é a compreensão que o projecto de colonização precisa transformar os corpos escravizados em ferramentas e mercadoria, e àqueles que não são capazes de render podem ser exterminados. Um exercício de dominação, exclusão e eliminação, destarte é Necropolítica. E nesse Crítica da Razão Negra o que M’bembé traz de muito interessante [novo] é perceber que, o projecto neoliberal é uma reedição do projecto de escravização negra. Em outras palavras, o que a escravização negra faz é, destituir os corpos africanos e afro descendentes de humanidade e transforma-los em máquinas de produção, em seres que só trabalham e o projecto neoliberal com sua agenda de Estado mínimo, produz a ideia de que, o humano pode ser uma máquina que trabalha sem garantia nenhuma. Nesse sentido, a hipótese original de Achille M’bembé, filósofos camaronês de alguma forma tem uma inspiração naquilo que o Fanon afirma sobre Os Condenados da Terra.
Ou seja, alguns são condenados a uma maldição, enquanto outros por um motivo de nascimento são condenadas a um comando. Nesse sentido, como Fanon propõe uma inspiração de luta contra esse estado de coisas, M’bembé na sua agenda de uma crítica política, inclusive falando dos momentos actuais das sociedades contemporâneas, vai dizer que, estamos diante de uma lógica extremamente complicada, que faz com que, alguns possam exercer a sua humanidade e outros tenham uma margem menor para o exercício da sua humanidade.
Por isso, se Franz Fanon com Pele Negra Mascaras Brancas, [denuncia o racismo] com inúmeras dimensões; estéticas, políticas e radicaliza essa crítica nos Condenados da Terra, um livro em que ele fala de uma linha que divide àqueles, que tem direito e os que não tem direito, o que precisam provar o tempo todo a sua humanidade; M’bembé consegue pensar isso, na sociedade contemporânea fazendo uma crítica profunda da história do presente.
Achille M’bembé, vai nos trazer uma ideia nova, original de que, existe uma tentativa de certa medida de retomar um projecto espiritual e religioso que vai separar o joio do trigo e vai definir que, alguns merecem o reino dos céus e outros não merecem e podem ser lançados no fogo e inferno eterno, isso vai ser reeditado por um projecto político económico. Ou seja, algumas pessoas que são capazes de trabalhar, de produzir e de gerar renda, pessoas de bem essas merecem a terra, essas merecem a cidadania, enquanto outras não merecem.
Contudo, é importante frisar que, as condições sociais, as condições históricas levam alguns ao não merecimento e essa separação entre o joio e o trigo, se transforma numa guerra, numa disputa onde os vencedores já estão [prescritos] no iniciou da corrida, é como se fosse um animal de carga correndo atrás da cenoura que nunca vai alcançar. Na verdade, é como se todo esse esforço que fosse feito para merecer o reino dos céus, para merecer a cidadania que é o trabalho esgotante, de auto-exploração ele nunca conseguisse chegar no lugar prometido, uma terra prometida que nunca se chega, uma terra prometida que está dada somente para alguns.
Achille M’bembé, um leitor de Frantz Fanon, ou seja, as reflexões fanonianas são elas que inspiram M’bembé dentre outras leituras, mas principalmente para dizer que, o projecto neoliberal, uma fase do capitalismo em que, a agenda política é dada pela economia e que o Estado fica cada vez menor. O Estado organiza nesse momento um tipo de vida: cada um por si. Ou seja, aqueles mais habilitados, conseguem viver, conseguem ter direitos, e os outros menos habilitados não conseguem; uma [lógica] em que, os corpos são colonizados, o sujeito é colonizado e como se transforma-se o trabalhador no escravo do projecto colonial, da colonização.
Destarte, o que M’bembé traz de muito interessante e de novo, essa é uma novidade na sua investigação é, as pessoas que trabalham assumem o contexto neoliberal, o status de escravizadas. É a dinâmica da escravização que inspira os novos contractos do modelo de trabalho no contexto neoliberal e essa inspiração é reeditada, revitalizada e ganha contornos necessários para que as pessoas se auto-explorem e trabalhem sem direito nenhum, com a quantidade, com pouquíssimos direitos. Então, inspira isso porque ele compreende que nasce de ouro, esse projecto uma política racial.
Em poucas palavras, M’bembé compreende que, nesse projecto [neoliberal], que é uma política racial, que a racialização é a base para que isso seja instituído, ele percebe um elemento novo. Percebe um devir negro do mundo é como se todas as pessoas que trabalham passassem assumir a condição que os povos africanos escravizados assumam, é como se fosse um momento de transformar trabalho em escravidão.
E…contra isso, Frantz Fanon tinha dito há tempos atrás: «é necessário uma consciência radical, uma consciência que o projecto da civilização europeia não serve para o mundo inteiro. E se e o projecto civilizatório europeu significa exactamente separar os que podem e os que não podem é preciso, que agente conheça outros projectos, outras formas de organizar a humanidade, de fazer política, de produzir e de socializar».
Ao fim e ao cabo, é necessário que agente reinvente, que agente escute outros modos de viver [pensar] nesse mundo, porque dessa forma, alguns nunca poderão ser realmente seres humanos, porque sempre ficarão vedados à cidadania.
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo, aos [28] de Julho 20[21]