Por Elísio Macamo*
A guerra no norte de Moçambique ganhou novos contornos com a chegada dum contingente militar ruandês. Em menos de duas semanas, ele recuperou, por exemplo, a Vila de Mocímboa da Praia, que há um ano se encontrava nas mãos dos insurgentes. Só o Governo, e as pessoas afetadas, sabiam disso.
A presença ruandesa revela as fragilidades militares, mas sobretudo políticas do país anfitrião. Essas fragilidades demonstram que o Governo de Moçambique é, na verdade, o seu próprio pior inimigo. Quando 1000 ruandeses fazem em duas semanas aquilo que moçambicanos não conseguiram fazer em quatro anos, a pergunta que se impõe é: como é que isso é possível?
E a resposta é simples. É possível porque em Moçambique não se faz esse tipo de perguntas. A noção de responsabilidade política não faz parte do vocabulário político nacional. Não cabe, na nossa cultura política, a ideia de que a política só faça sentido quando ela é interpretada como o compromisso com a criação de condições para que aquele que está mal na vida não esteja ainda pior por causa da maneira como o sistema político funciona. É uma cultura política iliberal que vê o indivíduo como meio para alguma coisa, não como fim em si.
A violência começou pequena com um ataque a uma esquadra policial em 2017. O comandante-geral da Polícia anunciou logo a seguir que iria resolver o problema em três dias. A violência aumentou de intensidade com centenas de pessoas mortas, milhares de deslocados, empreendimentos económicos abandonados e infraestruturas destruídas. O seu superior hierárquico, o Presidente da República, levou quatro anos para fazer um comunicado oficial à nação. Quando o fez, não explicou o que tinha falhado na sua abordagem; não pediu desculpas por não ter protegido as pessoas; não falou da maneira como ia reorganizar as Forças de Defesa e Segurança para que elas estivessem em condições de garantir os ganhos que as tropas estrangeiras trariam. Nem disse porque mantém o comandante-geral da Polícia, quatro anos depois. Ele apenas informou que tinha pedido ajuda fora do país.
Ele falou assim porque em Moçambique um Governo não se sente responsável quando falha no seu dever. E nunca sabe se falhou porque esse tipo de pergunta não se faz. A expectativa é que as pessoas compreendam que um Governo não pode fazer tudo. Não passa pela cabeça dum membro da elite política que mesmo reconhecendo a falta de meios para apetrechar o exército é ainda necessário explicar como os poucos meios estão a ser usados, se as pessoas certas estão no lugar certo e, acima de tudo, se há alguma coisa que poderia ter sido feita para que os resultados não fossem piores. Pedir ajuda, e não refletir sobre o que se pode fazer melhor, é a maior “prova” de irresponsabilidade política.
E isso explica porque 1000 ruandeses fizeram em duas semanas o que os moçambicanos não conseguiram fazer em quatro anos. Uns têm sentido de responsabilidade. Outros não fazem ideia do que isso possa ser.
*Professor catedrático de Sociologia da Universidade de Basileia
EXPRESSO(Lisboa) – 20.08.2021