Resumo
A missionação católica em Moçambique no âmbito do padroado português do Oriente foi confrontada desde o início com o muito mais antigo proselitismo islâmico. Com base em escritos de missionários dominicanos, jesuítas e agostinhos, procura-se fundamentar as etapas desse confronto e, em particular, explicar como aos magros resultados da missão católica se contrapôs, desde o século XVIII, o crescente sucesso da islamização nas regiões costeiras do Norte de Moçambique e nas zonas interiores da chamada Macuana – o país Macua – em articulação com a intensificação do tráfico de escravos. Assim, discute-se a relativa recetividade do catolicismo por parte de diferentes grupos africanos e como tal aceitação cedeu perante o recrudescimento do prestígio dos muçulmanos, após a expulsão dos portugueses de Mombaça e o fim da sua influência política na costa suaíli a norte do Cabo Delgado.
A mudança de paradigma religioso no Norte de Moçambique, ligada à penetração económica dos negreiros muçulmanos em direção ao interior e à formação de novas entidades políticas militarizadas mais ou menos islamizadas e articuladas com o sultanato de Angoche e outros xecados costeiros, foi ainda reforçada pela debilidade do Estado colonial e pelas demonstrações de tolerância e abertura religiosa por parte da administração pombalina, que se traduziram na instalação de redes muçulmanas em zonas anteriormente controladas por moradores afro-indoportugueses.
Finalmente, sublinha-se a inadequação do cristianismo às realidades política, social e cultural do Norte de Moçambique, perante a recetividade aos sincretismos islâmicos difundidos a partir dos centros religiosos nas ilhas Comores, que, ao combinarem-se com as culturas locais, ajudaram a preservar os traços mais essenciais das hierarquias políticas e familiares africanas.