Por ten-coronel Manuel Bernardo Gondola
Foi no livro publicado em 18[53] que Karl Marx cunhou a frase: a religião é o ópio do povo, no livro «A Crítica da Filosofia do Direito de Hegel», especialmente na introdução. Para entendermos a crítica do Marx, à religião de sua época no século [XIX], é fundamental compreender o trecho em que ele cita a expressão; a religião é ópio do povo.
«Na Alemanha, a crítica da religião está no essencial terminada. E a crítica da religião é o pressuposto de toda crítica. A existência profana do erro está comprometida, depois que sua celestial Horácio pro aris et focis foi refutada. O homem que na realidade fantástica do céu, onde procurava o super-homem, encontrou apenas reflexo de si mesmo, já não será tentado a encontrar apenas a aparência de si.
Este é o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a religião não faz o homem. E a religião é de facto a auto consciência e auto sentimento do homem, que ou ainda não conquistou a si mesmo ou já se perdeu novamente. Mas o homem não é um ser abstracto, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem. O Estado, a sociedade. Esse Estado e essa sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido.
A religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica em forma popular, seu point d’honneur espiritualista, seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua base geral de consolação e de justificação. Ela é a realização fantástica da essência humana, porque é a essência humana não possui uma realidade verdadeira, por conseguinte a luta contra a religião é indirectamente, contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo
sem coração, assim como o espírito de estado de coisas embrutecidos, ela é o ópio do povo».
Repare, Marx, deixa bem claro na sua «Crítica a Filosofia do Direito de Hegel», que a religião é uma expressão do sofrimento humano. O sofrimento humano para Marx, é causado, tem a sua fonte exactamente na má distribuição da renda causada no capitalismo, pela acumulação da classe dominante dos meios de produção e de riquezas como por exemplo; as terras, as minas, os meios de comunicação sociais, as fábricas ou indústrias.
Nesse caso, uma sociedade fracturada, entre dum lado os que têm e os que não têm, ou se quisermos dizer duma outra forma, àqueles que dominam a sociedade, através do predomínio das suas actividades, que vão sempre acumulando mais e mais capital; pessoas que têm muito e pessoas que não têm nada, isso vai gerando um grupo, uma classe desapropriada, uma classe que nada tem.
Essa [ausência] de projecto de vida ou a incapacidade de criar a felicidade deste mundo, levaria então para Marx a uma alienação, ou seja, ao fenómeno de transportar para o céu, para o pós-morte, para rituais religiosos ou para a própria religião que cuida da salvação da alma após a morte, algo que seria mágico, fantástico, agradável em que poderia então garantir alguma felicidade.
A sociedade capitalista gera, então, grupos de pessoas desapropriadas, que não têm outro objectivo na vida, que se não fugir do próprio mundo. Destarte, a fuga do mundo pela religião significa, que essas pessoas desapropriadas dos meios de produção vão criar um mecanismo para continuar sobrevivendo. Nós sabemos, que para continuar vivendo precisamos nos projectar no mundo.
Ora! Como que Marx diz que nós nos projectamos no mundo? Há duas maneiras; através da consciência de classe ou através da alienação.
A alienação é quando eu abro mão na minha própria [identidade] enquanto ser material, um ser constituído materialmente na sociedade para viver como se fosse uma outra pessoa de uma outra classe. O fenómeno da alienação tem a ver exactamente com essa noção de que, o mundo melhor, o mundo para além desde mundo, neste mundo para além deste mundo, eu seria mais feliz, eu seria mais alegre porque este mundo é insuportável.
Ora, o que é que torna esse mundo em que nós vivemos um mundo de dor, de sofrimento, insuportável em que nós precisamos criar mecanismos para fugir desse próprio mundo. É exactamente a impossibilidade de garantir materialmente condições de sobrevivência. Nesse caso, Karl Marx está revelando que a religião é um fenómeno derivado da acumulação do [capital] por algumas classes dominantes e que, a religião é uma inversão do mundo, é uma ideologia que faz com que, trabalhadores e pessoas que não adquiriram ainda consciência de classe fiquem de certa maneira mais fáceis de manusear, de manobrar por causa do fenómeno da alienação.
Destarte, no momento em que, eu tenho pessoas pacificadas com a noção de que, nada devo fazer porque depois da morte eu ganharia a salvação, essa passividade gera então benefícios pára a classe dominante.
A religião como ópio do povo, significa que ela paralisa, ela desmonta os movimentos sociais, e de certa maneira ela faz com que, o [trabalhador] se torne mais passivo, mais pacífico e acima de tudo, mais manipulável pela classe dominante. A expressão a religião é ópio do povo, representa um adormecimento do sentido da própria vida, um adormecimento da capacidade de lutar por direitos, por melhorias sociais, de sindicalizar-se, de revoltar-se, de revolucionar a própria sociedade.
Nesse sentido, a religião torna o ser humano não apenas alienado, mas vítima da ideologia que é, a invenção do mundo. Logo, quando nós acreditamos, que o mundo tem que ficar tal como é, nós perdemos a capacidade de agir o próprio mundo, dizendo que, é melhor deixar assim, porque tudo se resolve sozinho, tudo se resolve por uma força fora da sociedade.
Essa talvez seja a grande crítica do Marx: nada existe para além da sociedade criada por seres humanos materializados, matérias que precisam desse alimentar, que frequentam escolas, que frequentam ensino superior, que moram em bairros com estruturas precárias, sem água, sem saneamento, sem luz. E nesse sentido Marx está revelando na sua crítica, «A Filosofia do Direito do Hegel», que a religião ajuda e ajudava muito mais no século [XIX], a transformar seres humanos em seres passivos à própria realidade social. Deus contribui e muito para que as pessoas suportem a vida que lhes toca, Deus contribui e muito para que as pessoas não se revoltem contra as [discrepâncias] materiais evidentes, Deus contribui e muito para que milhares de miseráveis não se revoltem contra [2] ou [3] privilegiados, Deus contribui e muito para garantir, que é mais provável que um camelo passe por buraco duma agulha, do que, um rico entre no reino dos céus, Deus contribui e muito para que não haja maiores exigências sobre uma repartição mais equidistante dos bens matérias sobre a terra. Portanto, Deus é junto com seu culto e as suas instituições o ópio do povo, uma espécie de anestésico, que impede a reivindicação do que obviamente seria reivindicável, isto é, menos privilégios e mais igualdade.
Nesse caso, o ópio do povo, seria contrário à consciência de classe e ao desvelamento dessa luta de classes que impõe aos trabalhadores, que impõem a maioria da sociedade uma situação, uma condição de subserviência.
Por esta razão, a crítica do Marx, da religião como ópio do povo, a meu ver, deveria ser levada a sério; muito mais a sério do que agente poderia imaginar por todas as pessoas que praticam as religiões no país e não só. A final de contas, a religião tal o qual a praticamos no quotidiano; nos aliena, nos torna vítimas da ideologia burguesa, nos torna cada vez mais individualistas, nos torna cada vez mais [a críticos] à própria realidade material do mundo ou a religião nos ajuda a pensar formas de reagir contra própria opressão.
Se você compreendeu que a religião trabalha para o Marx, na ideia de oprimido e não oprimindo, alienado e não alienado, a favor da luta de classes ou contra a luta de classes, a favor do capitalismo ou contra capitalismo é exactamente isso. Para Karl Marx, a religião é a maior ideologia [superestrutura] criada pelos homens, para de certa maneira manipular os próprios homens.
Nesse sentido, agente pode reflectir sobre o papel, a condição da religião nos dias actuais. Afinal de contas, ela nos liberta, ela nos faz melhores, ela nos faz ver o mundo com mais realismo ou mais fantasia.
Ao fim e ao cabo, como que você vive a sua religião?!
Manuel Bernardo Gondola
Em Maputo, aos [19] de Setembro 20[21]