Centenas de meninos, alguns com 12 anos de idade, engrossam as fileiras de grupos jiadistas, no norte de Moçambique, denuncia a organização Human Rights Watch. A confirmação é feita pelas próprias famílias que viram os jiadistas raptarem os seus filhos, os quais regressam, mais tarde, de armas na mão e camuflado jiadista no corpo. “Eles comportam-se como homens adultos. Até escolhem ‘esposas’ entre as meninas sequestradas”, diz uma testemunha
Os jiadistas a operar no norte de Moçambique estão a raptar crianças para usá-las nos combates contra as forças governamentais. A denúncia foi feita, esta quarta-feira, pela Human Rights Watch (HRW), que fala em “centenas de meninos, alguns com apenas 12 anos”.
As crianças foram retiradas à força às suas famílias que, posteriormente, as viram regressar transformadas em combatentes. “Na cidade de Palma, pais disseram ter visto os seus filhos a empunhar armas quando voltaram, juntamente com outros combatentes, para invadir a sua aldeia”, diz a organização de defesa dos direitos humanos.
As crianças terão recebido treino em bases do grupo conhecido localmente como Al-Shabaab — com ligações ao Estado Islâmico (Daesh ou ISIS) —, dispersas pela província de Cabo Delgado.
O alerta tem na sua base conversas telefónicas com pais de meninos raptados e ainda os relatos de uma criança-soldado e duas testemunhas de abusos que escaparam ao controlo do Al-Shabaab, na cidade de Mbau, após passarem semanas em cativeiro.
Um dos entrevistados, um homem de 42 anos, descreveu o momento em que os jiadistas encontraram a sua família, de sete pessoas, que estava escondida numa quinta, e levaram à força o seu filho de 17 anos, durante o ataque à cidade de Palma de 24 de março.
“Eu estava de joelhos a implorar aos Mashababos [a designação popular local para Al-Shabaab] para que me levassem antes a mim, enquanto a minha esposa agarrava o meu filho pelas calças para impedir que fosse. Um dos homens atingiu a cabeça da minha esposa com uma AK-47 [Kalashnikov] para forçá-la a soltá-lo, enquanto outro homem ameaçou matar-nos a todos se não deixássemos ir o rapaz.”
Segundo a HRW, a mãe do jovem voltou a vê-lo, cerca de dois meses depois, pouco antes da família abandonar Palma para buscar refúgio noutra paragem. “Eu estava escondida dentro de casa quando ouvi a voz dele e espreitei pela janela. Vi-o num grupo de cerca de uma dúzia de outros rapazes, todos vestindo calças de camuflado e uma faixa vermelha na cabeça.”
Num outro testemunho, mulheres que escaparam da base jiadista em Mbau relataram a existência de “centenas de meninos” nas fileiras do grupo. “Eles comportam-se como homens adultos”, disse uma delas. “Até escolhem ‘esposas’ entre as meninas sequestradas”.
Esta denúncia da HRW, feita a partir do seu escritório em Joanesburgo (África do Sul), segue-se a outras duas surgidas recentemente, sobre o mesmo assunto. Em junho, a organização Save the Children noticiou o rapto de pelo menos 51 crianças, na sua maioria meninas, às mãos de grupos armados, nos 12 meses anteriores, na província de Cabo Delgado.
Também a organização moçambicana Observatório do Meio Rural alertou para o facto de os grupos armados estarem a engrossar as suas fileiras com crianças.
EXPRESSO(Lisboa) – 29.09.2021